quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

COMO AS CRIANCINHAS


«As crianças a brincar juntas mostram-nos a alegria de estarem juntas, assim..., nem mais nem menos.
Um dia, quando eu estava muito ocupado a entrevistar uma artista que admirava bastante, a sua filhinha de cinco anos disse-me: «Fiz um bolo de aniversário com areia. Agora tem de vir e fingir que o está a comer e que gosta dele. Vai ser divertido!»
A mãe sorriu e disse-me: «É melhor você brincar com ela antes de falar comigo. Talvez ela tenha mais a ensinar-lhe do que eu.»

A alegria simples e directa duma criança recorda-nos que Deus se manifesta nos lugares onde há sorrisos e até risadas. Os sorrisos e as risadas abrem as portas do reino. Eis por que Jesus faz um apelo a que nós sejamos como crianças.»

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

domingo, 17 de outubro de 2010

EVITA TODAS AS FORMAS DE AUTOCENSURA

«Deves evitar não só culpar os outros mas também a ti mesmo. Tens tendência a recriminar-te pelas dificuldades que sentes nos relacionamentos que entabulas. Mas a auto-recriminação não é uma forma de humildade. É uma forma de autocensura, na qual ignoras ou negas a tua própria virtude e beleza.

Quando uma amizade não floresce, quando uma palavra não é acolhida, quando um gesto de amor não é apreciado, não te censures a ti mesmo, porque isso é falso e doloroso. Sempre que te rejeitas idealizas os outros. Queres estar com os que consideras melhores, mais fortes, mais inteligentes e mais dotados do que tu. Assim, tornas-te emocionalmente dependente, levando os outros a sentirem-se incapazes de satisfazerem as tuas expectativas e a afastarem-se de ti. O que faz com que te censures ainda mais e entres numa espiral perigosa de auto-rejeição e carência.

Evita todas as formas de autocensura. Reconhece as tuas limitações, mas assume as tuas virtudes únicas e começa a viver como um igual entre iguais. Assim libertar-te-ás das tuas necessidades obsessivas e possessivas e darás a ti próprio a oportunidade de dar e receber afecto e amizade verdadeiros.


Henri Nouwen, em "A voz íntima do amor"

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

PASSAR POR CIMA DAS NOSSAS FERIDAS

«Os humanos sofrem imenso. Muito, para não dizer a maior parte, do nosso sofrimento tem origem na relação com aqueles que nos amam. Estou constantemente ciente de que a minha agonia profunda provém, não dos terríveis eventos que leio nos jornais ou vejo na televisão, mas da relação com as pessoas com quem partilho a minha vida diária. São precisamente os homens e mulheres, que me amam e que estão muito perto de mim, os que me ferem.

À medida que ficamos mais velhos, geralmente vamos descobrindo que nem sempre fomos bem amados. Com frequência, os que nos amaram também nos usaram. Os que se interessaram por nós foram, por vezes, também invejosos. Os que nos deram muito, por vezes, exigiram também muito em troca. os que nos protegeram quiseram também possuir-nos nos momentos críticos. Habitualmente, sentimos a necessidade de esclarecer como e porque é que estamos feridos; e, com frequência, chegamos à alarmante descoberta de que o amor que recebemos não foi tão puro e simples como tínhamos julgado. É importante esclarecer estas coisas, especialmente quando nos sentimos paralizados por medos, preocupações e anseios obscuros que não compreendemos.

Mas compreender as nossas feridas não basta. Ao fim e ao cabo, temos que encontrar a liberdade para passar por cima das nossas feridas e a coragem para perdoar aos que nos feriram. O verdadeiro perigo está em ficarmos paralizados pela raiva e pelo ressentimento. Então começaremos a viver com o complexo do "ferido", queixando-nos sempre de que a vida não é "justa".

Jesus veio livrar-nos destas queixas auto-destrutivas. Diz Ele. "Põe de lado as tuas queixas, perdoa aos que te amaram mal, passa por cima da sensação que tens de seres rejeitado e ganha coragem para acreditar que não cairás no abismo do nada mas no abraço seguro de Deus cujo amor curará todas as tuas feridas."
Henri Nouwen, in "Aqui e Agora"

domingo, 3 de outubro de 2010

ACOLHER JESUS

«Quando se aproximaram da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. Eles, porém, insistiam com Ele, dizendo: Fica connosco; porque é tarde, e já declinou o dia. E entrou para ficar com eles.» (Lc 24, 28-29)

«Estamos mais inclinados a pensar que é Jesus quem nos convida a partilhar a sua casa, a sua mesa, a sua refeição. Jesus, porém, quer ser convidado. Se não o for, prosseguirá viagem, em busca de outros lugares. É muito importante percebermos que Jesus nunca nos força a aceitar a sua presença. A menos que nós o convidemos, continuará a ser um estranho, possivelmente um estranho muito atraente e inteligente, com quem podemos ter entabulado um diálogo interessante, mas que não deixa de ser um estranho...Sem um convite, que é expressão do desejo de uma relação perdurável, a boa notícia que ouvimos não poderá dar frutos duradouros...Só mediante um convite a «fica comigo» um encontro interessante se pode transformar numa relação transformadora.
Jesus é uma pessoa muito interessante; as suas palavras são cheias de sabedoria. A Sua presença aquece o coração. A sua bondade e doçura tocam-nos profundamente. A Sua mensagem constitui um forte desafio. Mas será que nós O convidamos para nossa casa? Porventura queremos que Ele venha conhecer-nos entre as paredes da nossa vida mais íntima? Porventura queremos apresentá-Lo a todas as pessoas com quem vivemos? Porventura queremos que Ele nos veja na nossa vida quotidiana? Queremos que Ele nos toque nos pontos em que somos mais vulneráveis? Porventura queremos que Ele entre na arrecadação de nossa casa, nessas divisões que nós próprios preferimos manter seguramente fechadas à chave? Desejamos verdadeiramente que Ele fique connosco quando vai caindo a noite e o dia já está no ocaso?»

Henri Nouwen, em "Não nos ardia o coração"

domingo, 26 de setembro de 2010

A TENTAÇÃO DE IMPRESSIONARMOS

«Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida?
É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espectaculares - tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos - tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, aprecidado, amado e aceite tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?
Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço.

Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo.
A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.

Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.»
De facto, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita.
Trata-se, de facto, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de facto, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de mo demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»

O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.
A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestritiva de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidade compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.

Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros.

Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espectaculares.

Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da presença de Deus nas nossas vidas.»

Henri Nouwen, em "O esvaziamento de Cristo"

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

CAMINHO ESTREITO

«Custa a crer que Deus nos revelaria a sua divina presença na vida de autodespojamento e humildade do Homem de Nazaré. Uma grande parte de mim procura influência, poder , sucesso e popularidade. Mas o caminho de Jesus é o do recato, da falta de poder e da pequenez. Não parece um caminho muito atraente. E, no entanto, quando penetrar na verdadeira, profunda comunhão com Jesus, descobrirei que é este caminho estreito que conduz à paz e à alegria verdadeiras.(...)

Continuo tão dividido. Desejo sinceramente seguir-te, mas quero igualmente seguir os meus próprios desejos e ainda dou ouvidos às vozes que falam de prestígio, de sucesso, de reconhecimento humano, de prazer, de poder e de influência. Ajuda-me a ficar surdo a essas vozes mais atento à tua voz, que me chama a escolher o caminho estreito...

Em todos os momentos da minha vida tenho que escolher o teu caminho. Tenho de escolher pensamentos que sejam os teus pensamentos, palavras que sejam as tuas palavras e acções que sejam as tuas acções. Não existem nem tempos nem lugares sem escolhas. E eu sei quanto resisto a escolher-te. »

Henri Nouwen, em "A caminho de Daybreak"

terça-feira, 20 de julho de 2010

CONTINUA A PREFERIR DEUS

Enfrentas escolhas permanentes. O problema está em saber se preferes Deus ou o teu eu duvidoso. Sabes qual é a escolha certa, mas as tuas emoções, paixões e sentimentos continuam a sugerir-te escolher o caminho da auto-exclusão.

A escolha radical está em confiar sempre em que Deus está contigo e te dará o que mais precisas. As tuas emoções de auto-exclusão talvez digam assim «Isto não vai dar em nada. Continuo a sentir-me tão angustiado como há seis meses. O mais provável é continuar a agir e a reagir do mesmo modo depressivo. De facto não mudei nada». Etc, etc. É difícil não dar ouvidos a estas vozes. Contudo, sabes que esta não é a voz de Deus.
Deus diz-te: «Eu amo-te, estou contigo, quero que te aproximes de mim e experimentes a alegria e a paz da minha presença. Quero dar-te um coração e um espírito novos. Quero que fales com a minha boca, vejas com os meus olhos, oiças com os meus ouvidos, toques com as minhas mãos. Tudo o que é meu é teu. Limita-te a confiar em mim e deixa-me ser o teu Deus.»

Esta é a voz que deves escutar. E essa escuta exige uma escolha real, não apenas de vez em quando, mas a cada momento de cada dia e de cada noite. És tu quem decide o que pensar, dizer e fazer. Podes optar pela depressão, podes convencer-te a ser pobre em segurança e agir de modo a censuraras-te permanentemente. Mas tens sempre a oportunidade de escolher pensar, falar e agir em nome de Deus e assim caminhares para a Luz, a Verdade e a Vida.

À medida que vais concluindo este período de renovação espiritual confrontas-te uma vez mais com a escolha. Podes optar por recordar este tempo como uma tentativa falhada de renascimento total ou podes igualmente escolher recordar-te dele como do tempo precioso em que Deus iniciou em ti coisas novas que precisam de ser levadas à plenitude. O teu futuro depende de como decidires recordar o teu passado. Escolhe dentro da verdade que conheces. Não permitas que as tuas emoções ainda ansiosas te distraiam. Enquanto continuares a preferir Deus as tuas emoções deixarão gradualmente a sua rebeldia e converter-se-ão à Verdade que habita em ti.

Enfrentas uma verdadeira batalha espiritual. Mas não tenhas medo. Não estás só. Os que te guiaram durante este período não te vão abandonar. As suas orações e apoio estarão contigo onde quer que vás. Mantém-nos junto do teu coração para que eles te possam conduzir enquanto fazes as tuas escolhas.

Lembra-te, estás em segurança. És amado. Estás protegido. Estás em comunhão com Deus e com os que Deus te enviou. O que é de Deus permanecerá. Pertence à vida eterna. Escolhe-a e ela será tua.


Henri Nouwen, A voz íntima do amor

domingo, 18 de julho de 2010

O DOM DA UNIDADE

«A unidade entre as pessoas não é consequência do esforço humano mas sim um dom divino. 
A unidade entre as pessoas é um reflexo da unidade de Deus. 

Quando Jesus reza pela unidade (João 17, 21), Ele pede ao Pai que aqueles que crêem nele, que está em perfeita comunhão com o Pai, façam parte dessa unidade. Continuo a ver em mim próprio e nos outros como nos esforçamos por ser unidos, focando toda a nossa atenção uns nos outros e tentando descobrir o ponto onde nos possamos sentir unidos. Mas ficamos muitas vezes desiludidos, quando vemos que nenhum ser humano é capaz de nos oferecer o que mais desejamos. Esta desilusão pode tornar-nos facilmente amargos, cínicos, exigentes e até mesmo violentos.

Jesus chama-nos a procurar a nossa unidade com através dele. Quando dirigimos primeiramente a nossa atenção interior não para os outros mas para Deus, a quem pertencemos, então sim, descobriremos que em Deus também pertencemos uns aos outros.
A amizade mais profunda é a que tem Deus como mediador; os mais fortes laços matrimoniais são os mediados por Deus.» 

Henri Nouwen, em "A Caminho de Daybreak"

quinta-feira, 24 de junho de 2010

VIDA ETERNA

«Se a minha meta é a vida eterna, então essa vida deve ser atingível já agora, onde eu estou, porque a vida eterna é a vida em e com Deus, e Deus está onde eu estou, aqui e agora.
O grande mistério da vida espiritual – a vida em Deus – é que não temos de esperar por ela como algo que acontecerá depois. Jesus diz: «Estai em Mim como Eu estou em vós.»
É a presença activa de Deus no centro do meu viver – o movimento do Espírito de Deus dentro de nós – que nos dá a vida eterna.

Seja como for, o que será a vida depois da morte? Quando vivemos em comunhão com Deus, pertencemos à própria casa de Deus, onde não há mais nenhum «antes» ou «depois». A morte deixa de ser a linha divisória. A morte perde o seu poder sobre aqueles que pertencem a Deus, porque Deus é o Deus dos vivos e não dos mortos. Logo que tenhamos provado a alegria e a paz que vem do facto de sermos abraçados pelo amor de Deus, sabemos que tudo está bem e estará bem. «Não tenhais medo», disse Jesus, «Eu venci as forças da morte… vinde morar comigo e ficai a saber que, onde Eu estou, aí está Deus».
Se a vida eterna é a nossa meta, então não é uma meta longínqua. É uma meta que se pode alcançar no momento presente. Quando o nosso coração compreende esta verdade divina, estamos a viver a vida eterna. »


Henri Nouwen, em “Aqui e Agora”

terça-feira, 8 de junho de 2010

COM OS OUTROS

Uma das descobertas que fazemos na oração é que, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais perto ficamos de todos os nossos irmãos e irmãs da família humana.
Deus não é um Deus privado. O Deus que mora no nosso santuário íntimo é também o Deus que mora no santuário íntimo de cada ser humano. Reconhecendo a presença de Deus no nosso próprio coração, podemos também reconhecer essa presença no coração dos outros, porque o Deus que nos escolheu a nós como lugar de habitação também nos dá a capacidade de ver o Deus que habita nos outros.
Se virmos só demónios dentro de nós mesmos, também só veremos demónios nos outros. Mas, quando vemos Deus dentro de nós, também podemos ver Deus nos outros.
Tudo isto poderá parecer sobremaneira teórico, mas, se orarmos, experimentaremos cada vez mais que somos parte da família humana, infinitamente atraída por Deus que a todos nos criou para partilhar da sua luz divina.

Com frequência, perguntamo-nos o que é que podemos fazer pelos outros, especialmente por aqueles que mais necessidades sentem. Não é nenhum sinal de fraqueza dizermos: «Devemos rezar uns pelos outros.»
Rezar uns pelos outros é, antes de mais, reconhecer, na presença de Deus, que pertencemos uns aos outros como filhos do mesmo Deus. Sem este reconhecimento de solidariedade humana, o que fizermos uns pelos outros não nascerá do que realmente somos.Somos irmãos e irmãs, e não competidores ou rivais. Somos filhos de Deus, não seguidores de diferentes deuses.

Orar, isto é, escutar a voz daquele que nos trata como «muito amados», é aprender que essa voz não exclui ninguém. Onde eu moro, Deus mora comigo e onde Deus mora comigo encontro todos os meus irmãos e irmãs. E assim, a intimidade com Deus e a solidariedade com toda a gente são dois aspectos inseparáveis do mesmo viver, no momento presente.

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

domingo, 6 de junho de 2010

O PESO DO JULGAMENTO

Imaginemos que não temos nenhuma necessidade de julgar ninguém. Imaginemos que não temos nenhuma vontade de decidir se alguém é boa ou má pessoa. Imaginemos que somos completamente livres de sentir e ajuizar sobre o tipo de comportamento, seja de quem for. Imaginemos-nos com a capacidade para dizer: «Não vou julgar ninguém!»

Imaginemos - não seria isto uma autêntica liberdade interior? Os Padres do deserto do século IV diziam: «Julgar os outros é um fardo pesado.» Eu tive alguns momentos na vida em que me senti livre da necessidade de fazer qualquer juízo de valor acerca dos outros. Senti que me tinha sido tirado um peso dos ombros. Nesses momentos, experimentei um amor imenso por todos os que encontrei, por todos aqueles de quem ouvi algumas coisas e, sobretudo, por aqueles dos quais li algumas coisas. Uma solidariedade profunda com todos os povos e um profundo desejo de os amar desceram as paredes do meu íntimo e tornaram o meu coração grande como o universo.

Um desses momentos ocorreu depois duma passagem de sete meses por um mosteiro de Trapistas. Vivia tão inundado da bondade de Deus que via essa bondade onde quer que fosse, mesmo atrás das fachadas de violência, destruição e crime. Tive que me coibir de abraçar as mulheres e homens que me venderam géneros alimentícios, flores e um fato novo. É que todos me pareciam santos!
Todos podemos desfrutar destes momentos se estivermos atentos ao movimento do Espírito de Deus dentro de nós. São como amostras do céu, de beleza e de paz. É fácil descartar estes momentos como produto dos nosso sonhos ou da nossa imaginação poética. Mas, quando optamos por pedi-los como uma forma de Deus nos dar umas pancadinhas no ombro e de nos mostrar a verdade mais profunda da existência, gradualmente somos capazes de ultrapassar a necessidade de julgar os outros e a inclinação para ajuizar acerca de tudo e de todos. Então poderemos crescer rumo a uma verdadeira liberdade interior e a uma verdadeira santidade.

Mas, só poderemos pôr de lado o fardo pesado de julgar os outros quando não nos importamos de suportar o ligeiro peso de ser julgados!»

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

OLHAR EM VOLTA

As palavras de Jesus: «Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 33) são o que melhor sintetiza a maneira como somos chamados a viver a vida; com o coração fixo no reino de Deus.

Esse reino não é nenhuma terra longínqua que um dia esperamos alcançar, nem é a vida depois da morte ou um estado ideal. Não. O reino de Deus é, antes de mais, uma presença activa do espírito de Deus no nosso íntimo que nos oferece a liberdade por que realmente anelamos.
E, por isso, a principal questão é a seguinte: Como centrar, acima de tudo, o nosso coração no reino, se ele está preocupado com tantas coisas?
De alguma forma, é necessária uma mudança de coração, uma mudança que nos possibilite a experiência da realidade, da nossa existência do ponto de vista de Deus.

Uma vez, assisti a uma mímica em que um homem se esforçava por abrir uma das três portas dum quarto em que se encontrava. Ele empurrava e puxava as maçanetas das portas, mas nenhuma das portas se abria. Então deu um pontapé no painel de madeira da porta, mas a madeira não cedeu. Finalmente, deixou-se cair com todo o seu peso contra as portas, mas nenhuma delas cedeu.
Era uma visão ridícula, mas muito hilariante, porque o homem estava tão concentrado nas três portas fechadas que nem sequer reparou que o quarto não tinha parede e que podia perfeitamente sair, bastando para isso olhar à sua volta.

A conversão é isto mesmo. É uma volta completa que nos permite descobrir que não somos prisioneiros como julgamos ser.
Do ponto de vista de Deus, frequentemente parecemo-nos com o homem que procura abrir as portas fechadas do seu quarto. Preocupamo-nos com muita coisa e chegamos mesmo a causar mágoa a nós próprios por nos preocuparmos tanto.
Deus diz: «Dá uma volta, centra teu coração no meu reino. Eu dou-te toda a liberdade que quiseres.»
Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

terça-feira, 20 de abril de 2010

NA CASA DE DEUS

«Na casa de Deus há muitas moradas. Há lugar para todos - um lugar único e especial. Se acreditarmos profundamente que somos preciosos aos olhos de Deus, então seremos capazes de descobrir também a valia dos outros e o lugar único que ocupam no coração de Deus.
Não é possível entrar em competição para ver quem é que ganha o amor de Deus. O amor de Deus é um amor que abraça a todos - cada um na sua própria unicidade. Só quando reivindicamos o nosso lugar no amor de Deus é que podemos experimentar o abraço total desse mesmo e incomparável amor e sentirmo-nos em segurança, não só em relação a Deus mas também em relação a todos os irmãos e irmãs.»

Henri Nouwen, Viver é ser amado

domingo, 18 de abril de 2010

AMA EM PROFUNDIDADE

«Não hesites em amar e amar profundamente. Talvez receies o sofrimento que o amor profundo pode causar. Quando aqueles que amas profundamente te rejeitam, abandonam ou morrem ficas com o coração despedaçado. Mas que isso não te impeça de amar em profundidade.

O sofrimento que provém do amor profundo torna o teu amor ainda mais profícuo. É como uma charrua que rasga o solo para permitir à semente ganhar raízes e tornar-se numa planta forte.
Sempre que experimentas a dor da rejeição, da ausência ou da morte, enfrentas uma escolha. Podes tornar-te amargo e decidir não amar de novo ou podes enfrentar a tua dor com bravura e deixar que o solo em que permaneces enriqueça e seja capaz de dar mais vida a novas sementes.
Quanto mais tiveres amado e permitido a ti próprio sofrer por esse amor, tanto mais capaz serás de deixar o teu coração alargar-se e aprofundar-se. 
Quando o teu amor é verdadeiramente generoso e receptivo, aqueles que amas não deixarão o teu coração mesmo quando se afastam de ti. Tornar-se-ão parte de ti, construindo então uma comunidade dentro de ti.

Os que amaste profundamente tornar-se-ão parte de ti. Quanto mais longa for a tua vida tantas mais pessoas terás para amar e para fazer parte da tua comunidade interior. Quanto mais vasta se tornar a tua comunidade interior tanto mais fácil será reconheceres os teus próprios irmãos e irmãs entre os desconhecidos que te rodeiam. Os que estão vivos dentro de ti reconhecerão os que estão vivos à tua volta. Quanto mais vasta a comunidade do teu coração tanto mais vasta a comunidade que te rodeia. Assim, o sofrimento causado pelo desprezo, pela ausência e pela morte pode tornar-se frutífero.

Sim, à medida que amas profundamente, o solo do teu coração rasgar-se-á cada vez mais, mas regozijar-te-ás com a abundância dos seus frutos.»

Henri Nouwen, em «A Voz Íntima do Amor»
quinta-feira, 1 de abril de 2010

ASSUME A VITÓRIA

Ainda tens medo de morrer. O medo está relacionado com o receio de não seres amado. As tuas perguntas: «Amas-me?» e «Tenho que morrer?» estão profundamente ligadas. Interrogavas-te quando eras criança e ainda te interrogas.

À medida que te capacitas de seres completa e incondicionalmente amado, também te apercebes que não tens que temer a morte.
O amor é mais forte que a morte; o amor de Deus já te envolvia antes de teres nascido e permanecerá após a tua morte.Jesus chamou-te desde o momento da tua concepção no ventre da tua mãe. É a tua vocação para receber e dar amor.Mas sentes desde o princípio a força da morte. Ela atacou-te durante todo o teu amadurecimento. Tens sido fiel à tua vocação, ainda que muitas vezes te tenhas sentido esmagado pelas trevas. Sabes agora que essas forças soturnas não terão nenhum poder final sobre ti. É a vitória de Jesus que te chamou. Ele venceu por ti as forças da morte para que tu pudesses viver em liberdade.

Tens que assumir essa vitória e não viver como se a morte ainda te controlasse. A tua alma conhece essa vitória, mas a tua mente e as tuas emoções ainda não a aceitaram completamente. Continuam a lutar. Neste aspecto continuas a ser uma pessoa de pouca fé.
Confia na vitória e deixa que as tuas emoções e a tua mente se convertam gradualmente à verdade. Experimentarás nova alegria e nova paz à medida que deixares essa verdade chegar a cada canto do teu ser. Não te esqueças: a vitória foi conquistada, as forças da morte já não governam, o amor é mais forte do que a morte.
Henri Nouwen, em " A voz íntima do amor"

terça-feira, 23 de março de 2010

TONAR-SE «O AMADO» (2ª PARTE)

«Tornar-se amado significa deixar que a verdade do «ser amado» incarne em tudo o que pensamos, dizemos ou fazemos.
Ora, isso comporta um longo e penoso processo de apropriação ou, melhor ainda, de incarnação. Enquanto o «ser amado» pouco mais for que um belo pensamento ou uma ideia sublime a pairar suspensa na minha vida e que se limita a evitar que eu caia na depressão, nada muda realmente. O que é necessário é tornar-me amado nos lugares comuns da minha existência diária e, pouco a pouco, colmatar o vazio que existe entre o que sei que sou e as inumeráveis realidades específicas da minha vida quotidiana.

Tornar-se «amado» significa aplicar esta mesma realidade, que me é revelado do alto, à ordinariedade do que sou e, por conseguinte, do que penso, digo e faço hora a hora. (...)

Estou totalmente convencido de que a origem e a finalidade da nossa existência tem tudo a ver com a maneira como pensamos, falamos e actuamos na vida de todos os dias.Se a nossa mais profunda convicção for a de que somos «os amados» e se a nossa maior alegria e paz consistirem em reivindicar essa verdade, a consequência lógica é que isso tem que se tornar visível e palpável na forma como comemos e bebemos, falamos e amamos, nos distraímos e trabalhamos.

Quando as mais profundas correntes da nossa vida já não têm repercussão à superfície das ondas, então a nossa vitalidade acabará eventualmente por se esgotar e nós acabaremos por fraquejar e por nos aborrecermos, mesmo quando estamos ocupados.»

Henri Nouwen, em "Viver é ser amado"

domingo, 21 de março de 2010

TORNAR-SE «O AMADO»

«Caro amigo, o «ser amado» é a origem e a plenitude da vida do Espírito. Digo isto porque, logo que conseguimos algum vislumbre desta verdade, iniciamos uma viagem na procura da sua plenitude e não descansamos senão nessa mesma verdade.
A partir do momento em que assumimos a verdade de que somos «amados», somos logos confrontados com uma chamada interior a tornarmo-nos naquilo que já somos.

Tornar-se «o amado»: é essa a viagem espiritual que temos a fazer.As palavras de Agostinho: «A minha alma não descansa enquanto não repousar em Ti, ó Deus» caracteriza bem esta viagem.

O facto de estar sempre numa constante procura de Deus, sempre numa tensão contínua para descobrir a plenitude do Amor, sempre com o desejo ardente de chegar à verdade completa, diz-me que já me foi dado saborear alguma coisa de Deus, do Amor e da Verdade.
E, com efeito, de alguma forma, só posso procurar alguma coisa quando já a tiver encontrado. Como poderia procurar a beleza e a verdade a não ser que essa mesma beleza e verdade já fossem conhecidas no mais profundo do meu coração? (...)

Na profundidade dos meandros da mente e do coração está escondido o tesouro que procuramos. Conhecemos o seu valor e sabemos que contém o dom que mais desejamos: uma vida mais forte do que a morte.»

Henri Nouwen, em "Viver é ser amado"

terça-feira, 16 de março de 2010

A ARMADILHA DA AUTO-REJEIÇÃO (2ª PARTE)

A auto-rejeição é o pior inimigo da vida espiritual, porque contradiz a voz sagrada que nos chama pelo nome de «amados».
Ser amado exprime a verdade central da nossa existência.
 (...)

O que conta realmente é que somos os «amados».
Fomos intimamente amados muito antes de os nossos pais, professores, cônjugues, filhos e amigos nos terem amado ou ofendido. Esta é a verdade da nossa vida. (...)

Sempre que escutares com atenção a voz que te chama «amado», descobrirás no mais íntimo de ti o desejo de tornar a ouvir essa voz ainda por mais tempo e com maior profundidade.
É como descobrir uma fonte de água no deserto: logo que se encontra terra húmida, dá vontade de cavar ainda mais fundo.

Tenho vindo a «escavar» bastante nos últimos tempos e sei que ainda só comecei a ver correr um pequeno riacho que serpenteia pela areia árida. Mas há que continuar a escavar, porque esse pequeno riacho provém dum enorme reservatório sob o deserto da minha vida. A palavra «escavar» talvez não seja a melhor, pois sugere trabalho duro e penoso, mas sei que é uma operação que me leva finalmente ao lugar onde posso matar a sede.

O que é preciso é, talvez, remover a areia árida que cobre a fonte de água. Talvez haja uma quantidade bastante grande de areia árida na nossa vida, mas Aquele que tanto deseja matar-nos a sede, ajudar-nos-á a remover essa areia. O que precisamos é de um grande desejo de encontrar água e de beber.

(Henri Nouwen, em "Viver é ser amado")

domingo, 14 de março de 2010

A ARMADILHA DA AUTO-REJEIÇÃO (1ª PARTE)

Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: «Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.»(Lucas 3, 21-22)

As palavras «Tu és o meu amado» revelam a mais profunda verdade sobre todos os seres humanos, pertençam ou não a uma determinada tradição particular.

«Tu és o meu amado, em Ti pus a minha complacência». 
Claro que não é fácil ouvir essa voz num mundo cheio de vozes que gritam: «Tu não és bom, és feio, não vales nada, és desprezível, não és ninguém... a não ser que consigas demonstrar o contrário».
Estas vozes negativas são tão fortes e persistentes que é fácil acabarmos por acreditar nelas. É essa a grande armadilha. É a armadilha da auto-rejeição.Com os anos, cheguei à conclusão de que a maior cilada da nossa vida não é o sucesso, a popularidade ou o poder, mas a auto-rejeição.

O sucesso, a popularidade e o poder são, como é evidente, uma grande tentação, mas a sua força de sedução deriva frequentemente da forma como tudo isso faz parte duma maior tentação, que é a auto-rejeição.
Se acreditarmos nestas vozes, que nos tratam como gente que não vale nada e que é indigna de amor, então sim, o sucesso, a popularidade e o poder são facilmente percebidos como solução alternativa e atraente. Mas a verdadeira cilada é a auto-rejeição.»

(Henri Nouwen, em "Viver é ser amado")

terça-feira, 9 de março de 2010

MOBILIDADE DESCENDENTE

«A vida de compaixão é a vida da mobilidade descendente!
Numa sociedade em que a mobilidade ascendente é a norma, a mobilidade descendente não só não é encorajada como inclusivamente é considerada imprudente, pouco saudável, senão mesmo completamente estúpida.
Quem será que escolhe livremente um emprego mal pago quando lhe é oferecido um outro bem pago? Quem será que escolhe a pobreza quando a riqueza está ao seu alcance? Quem será que escolhe um lugar escondido quando há um lugar na ribalta da vida? Quem será que opta por viver por uma única pessoa com graves carências quando poderia ajudar muitos ao mesmo tempo? Quem será que escolhe retirar-se para um lugar de solidão e oração quando há tantas exigências urgentes em toda a parte?

Toda a minha vida, fui encorajado por gente bem intencionada a «subir na escala» e o argumento mais comum era: «Nessa posição, pode fazer tanto bem a tanta gente!»
Mas essas vozes chamando-me à mobilidade ascendente estão completamente ausentes do Evangelho. Jesus diz: «Quem ama a sua vida, perdê-la-á e quem odiar a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna» (João 12, 25). E diz mais: «Se não vos fizerdes como crianças nunca entrareis no reino dos céus» (Mateus 18, 3). E finalmente diz: «Vós sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Ao contrário, quem quiser fazer-se grande entre vós, seja o vosso servo; e quem quiser ser o primeiro no meio de vós, seja vosso escravo. Assim fez o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pelo resgate de muitos»(Mateus 20, 25-28).

Esta é a via da mobilidade descendente, a via descendente de Jesus. É a via que leva aos pobres, aos que sofrem, aos marginalizados, aos prisioneiros, aos refugiados, aos que estão sós, aos esfomeados, aos moribundos, aos torturados, aos sem-tecto - a todos os que pedem compaixão. O que é que eles têm a oferecer em troca? Nem sucesso, nem popularidade, nem poder, mas a alegria e a paz dos filhos de Deus.

Henri Nouwen, Aqui e Agora

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