sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O encanto nosso de cada dia

Ainda bem que o tempo passa! Já imaginou o desespero que tomaria conta de nós se tivéssemos que suportar uma segunda-feira eterna?

A beleza de cada dia só existe porque não é duradoura. Tudo o que é belo não pode ser aprisionado, porque aprisionar a beleza é uma forma de desintegrar a sua essência.

Dizem que havia uma menina que se maravilhava todas as manhãs com a presença de um pássaro encantado. Ele pousava em sua janela e a presenteava com um canto que não durava mais que cinco minutos. A beleza era tão intensa que o canto a alimentava pelo resto do dia. Certa vez, ela resolveu armar uma armadilha para o pássaro encantado. Quando ele chegou, ela o capturou e o deixou preso na gaiola para que pudesse ouvir por mais tempo o seu canto.

O grande problema é que a gaiola o entristeceu, e triste, deixou de cantar.

Foi então que a menina descobriu que, o canto do pássaro só existia, porque ele era livre. O encanto estava justamente no fato de não o possuir. Livre, ele conseguia derramar na janela do quarto, a parcela de encanto que seria necessário, para que a menina pudesse suportar a vida. O encanto alivia a existência... Aprisionado, ela o possuia, mas não recebia dele o que ela considerava ser a sua maior riqueza: o canto!

Fico pensando que nem sempre sabemos recolher só encanto... Por vezes, insistimos em capturar o encantador, e então o matamos de tristeza.

Amar talvez seja isso: ficar ao lado, mas sem possuir. Viver também.

Precisamos descobrir, que há um encanto nosso de cada dia que só poderá ser descoberto, à medida em que nos empenharmos em não reter a vida.

Viver é exercício de desprendimento. É aventura de deixar que o tempo leve o que é dele, e que fique só o necessário para continuarmos as novas descobertas.

Há uma beleza escondida nas passagens... Vida antiga que se desdobra em novidades. Coisas velhas que se revestem de frescor. Basta que retiremos os obstáculos da passagem. Deixar a vida seguir. Não há tristeza que mereça ser eterna. Nem felicidade. Talvez seja por isso que o verbo dividir nos ajude tanto no momento em que precisamos entender o sentimento da tristeza e da alegria. Eles só são suportáveis à medida em que os dividimos...

E enquanto dividimos, eles passam, assim como tudo precisa passar.

Não se prenda ao acontecimento que agora parece ser definitivo. O tempo está passando... Uma redenção está sendo nutrida nessa hora...

Abra os olhos. Há encantos escondidos por toda parte. Presta atenção. São miúdos, mas constantes. Olhe para a janela de sua vida e perceba o pássaro encantado na sua história. Escute o que ele canta, mas não caia na tentação de querê-lo o tempo todo só pra você. Ele só é encantado porque você não o possui.

E nisto consiste a beleza desse instante: o tempo está passando, mas o encanto que você pode recolher será o suficiente para esperar até amanhã, quando o pássaro encantado, quando você menos imaginar, voltar a pousar na sua janela.

Padre Fábio de Melo SCJ

Quando a missa se torna uma obrigação...

Religião é uma forma de religar. Religa partes, une pontas e diminui distâncias. O sacramento está sempre unido a um símbolo justamente por isso, pois ele é uma forma de concretizar a natureza da religião. Ele é a parte humana que se estende em direção a Deus com o intuito de tocá-lo e experimentá-lo. O símbolo é uma forma de prazer e o sacramento também, pois nele o sacrifício está redimensionado, já tem cores de ressurreição.

A pergunta

O menino chegou e perguntou-me: "Padre, eu sou obrigado ir à missa?". Olhei seus olhos e percebi uma honestidade na questão formulada. Junto da honestidade, havia uma ansiedade que lhe impedia o sorriso. No rosto, não havia alegria. Estava tomado de uma certeza de que a liturgia católica, para ele, estava longe de ser um acontecimento que lhe extraia gratuidade. Era uma obrigação a ser cumprida.

Sua voz parecia me pedir socorro, feito escravo com sua carta de alforria em mãos, a me pedir assinatura.

Naquele momento, fiquei sem palavras. Senti o coração apertado no peito e o desejo de nada responder. Reportei-me à Escritura Sagrada e senti-me como o próprio Abraão, diante do questionamento de Isaac: "Pai, onde está a vítima do sacrifício?" (Gn 22, 7). Pergunta que não tem resposta. Pergunta cheia de ansiedade, de silêncio, de motivos, honesta e plena de razões.

Olhei-o com muita firmeza e resolvi desafiá-lo: "É obrigado visitar alguém a quem se ama?". Ele disse: "Não, não é não, padre". Seguiu-se o silêncio. Calou-se ele, e eu também.

A pergunta que não cala

Algumas horas depois, retomei sua pergunta e fiquei pensando nela. Coloquei-me a pensar na religião que se apresenta ao coração humano como obrigação a se cumprir, feito mochila pesada que se leva nas costas.

Fico pensando no quanto a obrigação pode se opor ao prazer. E o quanto é contraditório fazer a religião ser o local da obrigação. Na expressão: "Deus é amor" (1Jo 4, 8), definição que João nos apresenta em sua carta, está a declaração da gratuidade de Deus.

Deus é o próprio ato de amar. Ele é o amor acontecendo, e a liturgia é a atualização dessa verdade na vida das pessoas. Ir à missa é tomar posse da parte que nos cabe.

Tudo o que ali se celebra e se realiza tem o único objetivo de nos lembrar que há um Deus que se importa conosco, que nos ama e quer nos ver mais de perto. O sacramento nos aproxima de Deus.

Tudo bem, essa é a Teologia, mas e a vida, corresponde à verdade teológica?

Nem sempre. Nosso rito, por vezes, cansa mais do que descansa. É lamentável que a declaração de amor de Deus por nós tenha se tornado uma obrigação.

Sou obrigado a ouvir alguém dizer que me ama?

Se muita gente pensa assim, é porque não temos conseguido "amorizar" a celebração. Racionalizamos o recado de Deus e o reduzimos a uma informação fria e calculada. Dizemos: "Deus nos ama!", da mesma forma como informamos: "A cantina estará funcionando depois da missa!".

A resposta que responde perguntando

Pudera eu ter uma solução! Ou quem sabe uma resposta que aliviasse os corações que se sentem obrigados a conhecer o amor de Deus, como o coração daquele menino.

Talvez, o teu coração também já tenha experimentado essa angústia e essa ansiedade. Gostaria de saber restituir o sabor lúdico das celebrações católicas. Torná-las acontecimentos reveladores, palavras para não serem esquecidas e imagens que despertassem o coração humano para o desejo de descansar ali todas as questões existenciais que o perturbam.

O problema não está no conteúdo do que celebramos, mas, sim, na forma.

A natureza simbólica da vida é o lugar do encanto. Por isso, a celebração é cheia de símbolos. Mas o símbolo, se explicado, deixa de ser símbolo, perde a graça e deixa de comunicar. Talvez seja isso o que tem acontecido conosco. Na ansiedade de sermos eficientes, tornamos a celebração um local de comunicar recados. Falamos, falamos, de maneira ansiosa, cansada e repetitiva. Temos que falar algo, pois também o padre tem a sua obrigação!

E assim vamos celebrando, obrigando o coração e os sentidos a uma espécie de ritual que nos alivia a consciência, mas não nos alivia a existência.

A missa é muito mais do que uma obrigação: é um encontro. Encontro de partes que se amam e se complementam. É só abrir os olhos e perceber!

Creio que possa ser diferente.

Padre Fábio de Melo SCJ

O banquete dos miseráveis

Um banquete só tem significado para quem tem fome. Os saciados não desejam a proximidade do alimento. A fome é o elemento chave para que possamos desejar e apreciar o banquete.

Da mesma forma, o hospital não tem significado para quem está são. Somente os doentes carecem de hospitalização.

Essa comparação é simples, eu sei. Mas ela nos aproxima de uma verdade ímpar que Jesus fez questão de nos ensinar.

É desconcertante, mas a Eucaristia é o banquete dos miseráveis. Ela é o momento em que Deus se põe à mesa com os escórias da humanidade, com os últimos, os menos desejados.

Miseráveis, famintos, prostituídos, doentes, legítimos representantes da fome. Fome de pão, fome de beleza, fome de dignidade, fome de amor, fome de companhia.

Corações sufocados pela solidão do mundo, pelo descaso dos favorecidos e pela arrogência dos fortes.

A vida sem cuidados, mostrada nos olhos que já não sabem nutrir grandes esperanças. Olhares que nos fazem lembrar o olhar de Mateus, o olhar de Zaqueu, o olhar de Madalena... Olhares que não se sentem merecedores, e que se já se convenceram de que estão condenados.

E então, quando a vida os surpreende com o sorriso de Deus, olhando-os nos olhos, dizendo que está feliz porque eles reapareceram, e que para comemorar esta alegria um banquete lhes foi preparado.

Roupas limpas, banhos demorados, coisa de quem não faz do amor um discurso teórico. O sabonete, o cheiro bom a nos recordar antigas esperanças.

Alegrias nas taças, toalha branca estendida sobre a mesa, o colorido que tem sabor agradável. O melhor vinho, a melhor música, o melhor motivo a ser comemorado. A ceia está posta.

E então eu me ponho a pensar...

Recordo-me do quanto eu não sei viver a Eucaristia com esta mística. Penso no quanto sou seletivo ao pensar naqueles que Deus anda preferindo.

E então, hoje, nesta fração de tempo que passa, em que seus olhos se encontram com meu coração de padre, aqui, nesta tela fria de computador, eu fico desejando lhe convencer do quanto você é amado por Deus.

Ainda que seus dias sejam marcados pela rebeldia, pela derrota, pela queda, não desista! Religião só tem sentido se for para congregar, recordar a miséria como condição que nos torna preferidos...

É simples de entender. Pense comigo: uma mãe geralmente tende a cuidar de forma especial do filho que é mais frágil. Concorda comigo? Pois bem. O que é frágil será sempre velado, cuidado e amado.

Assim é você. Um miserável que tem entrada garantida na última ceia de Jesus.

Não venha com muitos pesos. Traga apenas uma pequena lembrança para o Mestre que o espera. Uma florzinha, um pedacinho de doce, não sei. Você é criativo e saberá escolher melhor.

Que o presente seja pobre, pois assim você descobrirá que o maior presente que Ele pode receber é o seu coração de volta.

Combinados?

Espero que sim.

O seu nome já foi chamado por Ele. Não o deixe esperando por muito tempo.

A casa é a mesma. O endereço você já sabe!

Padre Fábio de Melo SCJ

Pensamentos e oração

Apesar de existirem máquinas que, dizem, detectam a verdade ou a mentira das pessoas, ainda temos uma área reservada para nós mesmos, onde ninguém pode entrar. São os nossos pensamentos. Os outros vão saber somente o que nós deixamos escapar, ou o que decidimos revelar. O resto fica conosco, guardado ou esquecido; curtido, às vezes; outras teimando em voltar contra a nossa vontade. É o patrimônio das emoções, das lembranças e das saudades. Infelizmente, também, das feridas, das humilhações e das tristezas que carregamos. Esse, talvez, seja o nosso tesouro verdadeiramente pessoal, onde estamos a sós com a nossa consciência e que, inclusive, não vamos poder deixar para ninguém. É nosso e basta. Nós e Deus, claro, ao menos, se acreditamos e confiamos nele. Tudo o que lembrei vale também para a nossa oração.

Nos poucos momentos de silêncio das nossas liturgias, surpreendo-me perguntando-me o que as pessoas estão pensando e rezando. Todos nós ouvimos a mesma Palavra de Deus, a mesma explicação, cantamos os mesmos cantos, recebemos a mesma Eucaristia, mas cada um carrega no seu coração a própria história, a própria personalidade e a própria fé.

Imagino a oração simples e confiante das crianças, repetindo palavras ouvidas e correndo com o pensamento, já, lá fora, nas brincadeiras com os colegas, nos pequenos objetos guardados com ciúme. Imagino também a oração dos idosos, carregadas de lembranças, de rostos e de momentos vividos. Alguns devem agradecer pelo dom da vida, outros devem pedir mais uns dias, outros se preparando ao grande encontro. Todos, com certeza, rezam por suas famílias e por aqueles que os acompanham. Que bom quando a pessoa idosa se sente amada e até mimada!

Deve ter, pois, a oração dos pais, preocupados com a família, com os filhos,, com o trabalho, com as contas para pagar. Animados com o desejo de sair da igreja e ser um pouco mais sorridentes e amigos dos que encontrarem nos caminhos da vida. No meio de tantas confusões, um pouco de serenidade, de esperança e de alegria são bens preciosos a serem protegidos e sempre renovados a cada celebração da vida e da fé.

Fico também pensando como deve ser a oração dos empresários, dos executivos, dos políticos, dos comerciantes. Será que sabem deixar um pouco de lado os negócios e pensar em Deus? Come se sentem, perante o Altíssimo, na posição social tão importante e vertiginosa que ocupam?

Não posso esquecer a oração dos nossos irmãos com deficiências; como deve ser a oração de quem não pode andar, de quem não consegue falar e de quem mal sobrevive, carente de pensamentos e sonhos? Talvez seja a melhor; a única que Deus já conhece e acolhe.

Assim Jesus, um dia, falou da oração de dois homens, um fariseu e um cobrador de impostos. O primeiro foi ao templo para se orgulhar da sua honestidade, da sua integridade e obediência mais rigorosa às leis. Infelizmente estava tão cheio de si que acabou desprezando o cobrador de impostos, que estava lá no fundo do templo, de cabeça baixa. Essa não foi oração, coisa nenhuma. Porque aquele homem não precisava de Deus, de tão bom e perfeito que ele se achava. Ao Pai, também, não interessava, e continua não interessando, uma oração assim. Para os filhos, também, é inútil, porque não muda em nada a vida deles: eles são os melhores! Nada mais tem a aprender.

Humilde foi, ao contrário, a oração do cobrador de impostos. Reconhecia-se pecador e não merecer nem levantar os olhos para o alto. Pediu perdão e ajuda para mudar. Entendeu que devia mudar. Desejar ser melhores já é um começo. Abre-se um caminho.

Vamos todos aproveitar para melhorar a nossa oração. No silêncio do nosso coração, só Deus sabe o que estamos pedindo, porque estamos agradecendo ou louvando. Somente Ele, e nós, conhecemos as nossas angústias. O IV Prefácio Comum reza assim: “Eles (os nossos louvores) nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós, por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso ”Enfim, pensamentos e orações, apesar de tão secretos, servem para a comunhão entre nós e com Deus. E a solidão é menos pesada.

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)

Nós fazemos as escolhas e as escolhas nos fazem

Diante de tudo o que a vida apresenta sempre nos são confiadas escolhas e opções. Diante dos dissabores que vivenciamos são diversas as possibilidades que temos para reagir: Ou crescemos com as dores – extraindo delas o devido conhecimento, ou estacionamos nelas e acabamos nos tornando pessoas amargas.

A vida é tecida por opções, por escolhas que fazemos e que acabam delimitando o sentido e as cores de nossa história.

A maneira como agimos e reagimos diante de nossas próprias fraquezas também se constitui como realidade que porta em si o poder de determinar o curso de nossa maturidade. Muitas vezes, concluímos que não somos nem temos o que gostaríamos, e isso nos causa dor. Porém, diante de tal insatisfação – tão humana e natural – temos duas opções: Ou passamos a vida inteira nos lamentando por não sermos nem termos o que idealizamos, ou nos assumimos no que somos e fazemos a vida ser feliz a partir do que temos e somos, ou seja, a partir de nosso real.

A feliz decepção de nos descobrirmos frágeis e imperfeitos pode ser motivo de estéril desgosto ou um significativo impulso para nossa maturidade. Depende da opção que fazemos e da forma como reagimos.

A felicidade é uma possibilidade que reside no real, em nossa verdade. Nunca é tarde para ser feliz e para se decidir por isso. Cada segundo que vivemos se constitui como uma possibilidade concreta para começar a construir, com nossas escolhas, nossa felicidade.

A felicidade não acontece de uma hora para outra; ela é fruto de uma construção, de pequenas e grandes escolhas que precisam ser feitas, as quais, aos poucos, edificam na vida a devida maturidade que sabe extrair sabor de tudo, dando sentido ao que se faz e ao que se vive.

Sempre encontraremos situações diante das quais precisaremos nos posicionar. Ninguém pode construir um “futuro” e uma vida feliz se diz “sim” a tudo o que lhe é oferecido.

Não podemos nos permitir ser “levados pela vida”, tampouco podemos viver sem rumo, sem saber o que queremos, porque – querendo ou não – sempre estamos indo para alguma direção. Ou fazemos escolhas conscientes sobre o que queremos ser, ou seremos “construídos” por modismos e idealizações de outros, tornando-nos assim fantoches nas mãos de uma sociedade que não respeita o que essencialmente somos.

A vida foi confiada a nossa responsabilidade. Nem tudo o que vem a nós é bom, e quem precisa decidir diante de cada situação somos nós. Não podemos nos anular entregando a outros tal realidade, a qual somente a nós compete. Não existe vida autêntica sem responsabilidade, sem assumirmos as rédeas de nossa história e sem decidirmos, de maneira coerente, por aquilo que nos tornará mais gente e, conseqüentemente, mais de Deus.

Nós fazemos as escolhas e as escolhas nos fazem... Por isso, para se construir um futuro é preciso escolher, e escolher bem.

Confiemos a Deus o rumo de nossa história, e busquemos n’Ele a força para melhor decidir, e para escolhermos aquilo que nos fará verdadeiramente felizes.

Deus o abençoe!