domingo, 2 de março de 2008

Resgatar a ritualidade da vida

‘Tua mão desceu sobre mim, e me retirou da escuridão. Deu-me mãos e voz de profeta, deu-me um coração adorador’.‘Desperta tu que dormes’! Quero ressaltar a primeira parte do refrão da música, que é o que Deus faz. É porque Ele desceu a mão, como um gesto ‘violento’ que acorda quem está dormindo.Deus não pode fazer nada para o coração preguiçoso, que não quer ser mudado. O processo humano é difícil. Quanto sangue você tem que ‘suar’ para ser uma mulher e homem de integridade. Aquele que desce a mão, o faz para você melhorar. Não tem como conciliar o cristianismo com a preguiça da vida, esquecendo de como eu poderia ser como pessoa, sem cuidar da minha vida. Coração preguiçoso não tem lugar no céu, porque Deus te quer de pé.

Hoje uma mulher jovem com lágrimas nos olhos me dizia: ‘Deus tem me mantido em pé através da Canção Nova. Eu perdi no mesmo acidente, meu pai, meu esposo e meus filhos’.
Ficar de pé quando tudo deu errado e sentir que a força de Deus lhe alcança! Ficar de pé quando se está no Calvário, onde não é lugar de ficar sentado e sim de pé. Sentir-se de pé mesmo quando o Calvário está ‘armado’ e cheio de curiosos.‘Desperta tu que dormes’. Não dá para ficar parado, ou sentado e fazer de conta que não está acontecendo nada. Que caia por terra toda hipocrisia e toda máscara.O amor é provado no fogo, na dura experiência de dar a vida pelo outro. Caso contrário não é amor, é ilusão. Você sabe que alguém te ama não pelo o que fala, mas pelo o que faz. O amor não sobrevive de teorias. Não adianta falar para seu filho que o ama, se seus gestos não correspondem a esse amor. Palavras sem gestos não edificam.

O Calvário é ladeira acima, em meio a pedras, e não com asfaltos. Nossos passos não deslizam com facilidade. Não se chega ao céu de ‘patins'. São com essas ‘botas’ da dor, difíceis. Ninguém os prometeu que os valores seriam fáceis de serem alcançados. Você sabe muito bem o quanto te custou para chegar até onde chegou, as coisas não vêm tão fácil assim.Nós perdemos os rituais. Como era bom o tempo em que preparávamos nossas refeições. Era um ritual: as crianças descascando milho, as tias cozinhando-os no fogo, outro fazendo a palha, e a família toda em um ritual de alegria fazendo a pamonha.Nós tínhamos rituais de vida. Quando comíamos o porco ou fazíamos um almoço para toda a vizinhança e todo mundo da rua, para comerem juntos. Mas hoje, nossa comida vem toda pronta. Nós não temos mais o ritual de preparar o que nós comemos.'O amor não sobrevive de teorias. Palavras sem gestos não edificam'.

E aquela experiência de zelar por aquilo que é seu, se perdeu. De consertar as coisas da casa, onde o pai sempre chamava o filho para aprender.Hoje tudo é muito prático, e perdemos o valor da realidade simbólica, perdemos a graça do diálogo, das conversas.Às vezes nossos filhos estão loucos para conversar conosco, mas não temos tempo. Nós precisamos construir relações concretas. Às vezes se cuida dos amigos virtuais, mas não cuidam de quem está ao lado. A tecnologia não pode se utilizar de nós, quem manda é você.

Essas coisas que nos escravizam. Temos que abrir os olhos para tudo isso e sair da cegueira. Nós não pensamos nas conseqüências que minam a capacidade de sermos pessoas concretas e reais. Damos muito tempo para as pessoas no computador nos 'messenger´s' e tantas coisas mais, mas não damos uma palavra para um amigo do nosso lado.Se não ritualizarmos a nossa vida nos tornaremos insensíveis. Aí Deus vai ter que descer a mão mesmo, e o 'sopapo' vem. E você percebe que está perdendo o seu filho para as drogas, o pai para o álcool, a mãe para infidelidade. Preste atenção aos ‘tapinhas’ da vida, para não ter um tapa mais forte adiante, podendo ser tarde demais.‘Desperta tu que dormes’. Pessoas que estão dormindo e ficam na preguiça, é como que dar um remédio para aquele paciente que quer morrer.

Quando éramos crianças aprendíamos a tecer bordado e a costurar. Será que o bordado que fazíamos exteriormente não repercutia na nossa alma, interiormente, fazendo-nos pacientes? Cortar o mato com a enxada, não fazemos mais. Não diga ‘Eu posso pagar’. Hoje é tudo muito diferente e podemos pagar para que alguém o faça, mas de vez em quando, faça você mesmo.Todas as mulheres lustram os móveis para ficar bonito, mas ninguém vai saber ‘lustrar’ o rosto de seu filho como você. ‘Desça do salto’ na simplicidade. Ao invés de levar o filho ao restaurante mais saboroso que tem, surpreenda-o com um avental fazendo a comida. Você e seu marido. A comida vai ter o sabor mais gostoso que qualquer outro restaurante.A cura de nossos afetos vem através destes ritos. É uma alegria de chegar em casa e ter a mãe cozinhando.'Desperta, tu que dormes! Seja justo com o que Deus lhe oferece!'

Abra os olhos para o filho que você tem, abra os olhos para a mulher que você tem, não se acostume com o seu marido, abra espaços para as surpresas.
Nossos afetos são construídos dentro de casa. Nada pode ser mais destruidor do que uma palavra do pai e da mãe. Você tem o direito de dizer o que você quiser, mas não tem o direito de dizer do jeito que quiser. Nós traumatizamos na forma como dizemos as coisas.‘Desperta tu que dormes’. Talvez você esteja perdendo a oportunidade preciosa de ser uma esposa, uma mãe, um filho, um marido, e você os trata como se fossem um ‘qualquer’. Cuide do que é seu. O amor requer calma e um olhar vagaroso.Essas coisas são tão boas e tão simples, mas ouvimos pouco sobre elas. Corremos o risco de deixar a vida passar e não vivermos direito com aqueles que amamos.

Da sua casa você é o profeta. Você é convidado a ser o profeta. É você quem tem que mudar.A transformação é na tua vida, no poder de ser profeta no seu ‘território’, em sua casa. Em ser a voz, em nome do amor vivo presente em você.‘Desperta tu que dormes’. Seja justo com o que Deus lhe oferece. A sua casa merece sua coragem. Você está diferente!

Padre Fábio de Melo

Arsenal de infantilidades

“Explico-me: enquanto o herdeiro é menor, em nada difere do escravo, ainda que seja senhor de tudo, mas está sob tutores e administradores, até o tempo determinado por seu pai. Assim também nós, quando menores, estávamos escravizados pelos rudimentos do mundo. Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção. A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! Portanto já não és escravo, mas filho. E, se és filho, então também herdeiro por Deus” (Gálatas 4; 1-7).

Essa palavra é muito concreta e humana, inicialmente podemos achar um absurdo assemelhar uma criança ao escravo, é simples porque uma criança não é capaz de fazer a separação, a criança é egoísta e o egoísta é aquele que se ocupa do seu mundo, para ele o outro é uma extensão da sua necessidade. As crianças são escravas de suas necessidades.A maturidade de uma criança acontece na medida em que ela vai crescendo. Uma criança é escrava porque ela não sabe a razão da regra, mas submete. Quando ela cresce e obedece a regra porque compreende, ela deixa de ser escrava.

Quantos jogos construtivos, que educa a criança para compreensão de regra, são jogos simples de encaixe entre outros, não videogames que muitas vezes a regra é matar.A palavra de São Paulo é atual. Nós também trazemos as infantilidades nos nossos afetos, insistimos em trazer em nós um arsenal de sentimentos infantis, egoístas, só pensamos em nós e em nossas necessidades. Quando somos afetivamente infantis, nos transformamos em verdadeiros monstros. Uma criança se você não disciplina, se ela é sem regra, ela é um monstro.

Nenhum perdão será concreto se antes você não se perdoar Tudo aquilo que você desconhece se torna soberano sobre você, o desconhecido nos escraviza. Quantas vezes você teme a pessoa desconhecida, e aí está a infantilidade. A birra é o excesso da criança, excesso da infantilidade, e na birra a criança se sente fracassada por não conseguir seu objetivo. Ensine a criança a lhe dar com as impossibilidades. E você, quantas vezes dá sua birra? Quantas vezes, não sabe lhe dar com os limites?

Quantos adultos que não se manifestam, não têm coragem de dá opinião porque são infantis, são escravos de seus medos, isso é mesma coisa de birra. Partilhe, dê opinião. A nossa birra se manifesta na nossa cara feia, nas nossas respostas ríspidas, só não temos a coragem de nos jogar no chão. Quantos adultos com medo de quarto escuro. Eu pergunto: Qual o mau de um quarto escuro? Mas quantas vezes fomos trancados nos quartos e disseram que lá dentro tinha um monstro. Uma criança ela não tem inteligência suficiente para saber que ali não tem um bicho, porque a referência que ela tem é o adulto. E quantos adultos presos nas emoções do passado.

Como você pode curar seu medo de quarto escuro? Traga à sua razão o que te faz sentir medo. Entre no quarto escuro e diga: ‘Este quarto não pode me fazer mau’.Quando somos afetivamente infantis, nos transformamos em monstros. Não importa quantos anos você tem. Sente-se com toda sua maturidade, sente-se com você criança e tenha a oportunidade de se curar dos medos do passado. Olhe para o seu abandono que lhe desespera, fale que quem te abandonou é porque não te conheceu e quem não te conheceu não te amou. Você hoje é adulto, maduro, olhe para as fases da sua vida que precisa ser curada, olhe para você criança, você adolescente. Permita Deus resgatar a sua alma ferida. Muitas vezes é preciso voltar no tempo e reconciliar consigo mesmo. Nenhum perdão será concreto se antes você não se perdoar, nenhum olhar será profundo se você não olhar.

A emoção é burra. Olhe para uma pessoa apaixonado é quase bobo. As emoções são burras.Deus é especialista de curar corações machucados.O que pode nos destruir na vida não é o que os outros fazem para nós, mas o que permitimos que outros façam de nós. O maior consolo que você precisa não é dos outros, é de você mesmo. Não adianta o outro deixar você livre, e você se sentir escravo.
Seja ‘rio’. Pare de dá birra. Pare de lamentar o que você não teve. Seja rio, que quando coloca barreira, ele não deixa de crescer, mas fica mais profundo. Deus ainda prefere os miseráveis. Deus olha para você, e no momento da sua birra Ele se encontra com você.

Autor : Padre Fábio de Melo