terça-feira, 28 de outubro de 2008

NA SAGRADA COMUNHÃO SE RECEBE COMO ALIMENTO A JESUS CRISTO

Os primeiros cristãos encontravam a razão de seu heroísmo na Eucaristia. A Comunhão dava-lhes alento e fortaleza para defender sua fé até o martírio.

Tarcísio foi um menino que levava a Eucaristia aos que estavam encarcerados por causa de sua fé. Um dia, no caminho, encontrou com seus companheiros de brincadeiras, que eram pagãos. Estes, convidaram-no para brincar, mas Tarcísio não podia faze-lo, pois levava o Senhor, na Eucaristia. Como sabiam que era cristão, e, dando-se conta que escondia alguma coisa, atacaram-no violentamente, enquanto Tarcísio defendia o tesouro que carregava consigo. Neste momento passou um soldado, que levou Tarcísio para, mesmo gravemente ferido, para ser encarcerado. No cárcere, disse aos demais prisioneiros cristãos que lhes trazia a Comunhão. Assim, puderam comungar aqueles que, no dia seguinte morreriam como mártires. Tarcísio morreu antes, também como mártir da Eucaristia. É com esta fé, com este respeito e amor que os primeiros cristãos tratavam a Eucaristia.

IDÉIAS PRINCIPAIS:

1. O sacrifício eucarístico e a comunhão

O sacrifício eucarístico ou Santa Missa é memorial sacrifical que perpetua o sacrifício da

cruz oferecido ao Pai, e banquete sagrado de comunhão no Corpo e Sangue do Senhor; a celebração eucarística está também orientada à união íntima dos fiéis com Cristo por meio da comunhão. Comungar é receber a Cristo mesmo que se oferece por nós. Cristo, pois, se oferece ao Pai e se dá aos homens.

2. Jesus Cristo instituiu a Eucaristia como alimento para as nossas almas

Jesus prometeu aos Apóstolos em Cafarnaúm que daria para comer sua carne para a vida

do mundo e para se obter a vida eterna: "Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Pois minha carne é verdadeira comida e meu sangue verdadeira bebida: o que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele" (João 6,54-56).

Na última Ceia cumpriu-se a promessa e o Senhor instituiu a Eucaristia: "Tomai e comei; isto é o meu Corpo" (Mateus 26,26). É a afirmação clara de que o Corpo do Senhor está na realmente na Eucaristia e ele nos é dado como alimento.

3. Os frutos da comunhão

A comunhão sustenta a vida espiritual de modo parecido a como o alimento material

mantém a vida do corpo. Concretamente, podemos assinalar estes frutos da comunhão sacramental:

· Acrescenta a união com Cristo, realmente presente no sacramento.

· Aumenta a graça e as virtudes em quem comunga dignamente.

· Nos afasta do pecado: purifica dos pecados veniais, das faltas e negligências, porque acende a caridade.

· Fortalece a unidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo.

· Cristo, na Eucaristia, nos dá o penhor da glória futura.

4. Disposições para comungar bem

As disposições exigidas para receber dignamente a Cristo, na comunhão são:

a) Estar na graça de Deus, quer dizer, limpos do pecado mortal. Ninguém pode aproximar-se para comungar, por muito arrependido que pareça estar, se antes não tiver confessado os pecados mortais. O pecado venial não impede a comunhão, mas é lógico que tenhamos desejos de receber a Jesus com a alma muito limpa; por isso a Igreja aconselha a que se confesse com freqüência, ainda que não tenhamos pecados mortais. Se alguém se aproximasse para comungar em pecado mortal, cometeria um sacrilégio.

b) Guardar o jejum eucarístico, que supõe não ter comido nem bebido desde uma hora antes de comungar; a água e os medicamentos não quebram o jejum. Os anciãos e enfermos - e aqueles que cuidam deles - podem comungar ainda que não tenha passado uma hora depois de ter tomado algo.

c) Saber a quem se recebe. Posto que se recebe o mesmo Cristo neste sacramento, não podemos aproximar-nos para comungar desconsideradamente, ou por mera rotina, ou para que nos vejam. Temos de faze-lo para corresponder ao desejo de Jesus e para encontrar na comunhão um remédio para a nossa fraqueza.

Até na compostura externa deve manifestar-se a piedade e o respeito com que nos

aproximamos para receber o Senhor. Comunga-se de joelhos ou de pé, segundo tenha sido determinado pela Hierarquia da Igreja e o peça a devoção de cada um. Comungando-se de pé, antes de comungar, ao aproximar-nos do sacerdote, deve-se fazer uma inclinação do corpo. O sacerdote diz: "O Corpo de Cristo" e o comungante responde: "Amém". Se comungar diretamente na boca, abre-se então a boca e estende-se a língua, para que o sacerdote possa colocar a sagrada comunhão. Se comungar nas mãos, coloca-se a mão direita embaixo da mão esquerda. O sacerdote deposita a sagrada comunhão na mão esquerda. Então, na frente do sacerdote, sem mover-se, o comungante toma, com a mão direita a sagrada comunhão e leva-a à própria boca.

5. A ação de graças na comunhão

Jesus permanece na Eucaristia por amor a nós. A melhor maneira de recebe-lo será

realizar uma boa preparação antes de comungar e, conscientes do dom recebido, dar graças não só no momento da comunhão, mas durante todo o dia. Depois de comungar, ficamos na Igreja dando graças, ao menos por uns minutos.

6. Obrigação de comungar e necessidade da comunhão freqüente

Comungar realmente não é necessário para salvar-se; se um recém nascido morre, se

salva. Mas Jesus Cristo disse "Se não comeis a carne do Filho do Homem e não bebeis seu sangue, não tereis a vida em vós" (João 6,53). Em correspondência a estas palavras, a Igreja nos ordena em seu terceiro mandamento que, ao menos uma vez no ano, por ocasião da Páscoa da Ressurreição, todo cristão com uso da razão deve receber a Eucaristia. Também existe a obrigação de comungar quando se está em perigo de morte; neste caso a comunhão é recebida como "Viático", que significa preparação para a "viagem" da vida eterna.

Isto é o mínimo, e o preceito deve ser bem entendido; daí que a Igreja exorte a receber ao Senhor com freqüência, até diariamente. Se algum dia não podemos comungar, é bom fazer uma comunhão espiritual, expressando o desejo que temos de receber o Senhor sacramentalmente.

7. PROPÓSITOS DE VIDA CRISTÃ:

· Fazer o firme propósito de receber sempre a Sagrada Comunhão com as devidas disposições.

· Ao terminar a Santa Missa, permanecer uns momentos agradecendo a Jesus.

· Repetir muitas vezes durante o dia, a Comunhão Espiritual.


COMUNHÃO ESPIRITUAL:

"Eu quisera, Senhor, receber-Vos

com aquela pureza, humildade e devoção

com que Vos recebeu Vossa Santíssima Mãe,

com o espírito e o fervor dos santos."


Fonte: Livro "Curso de Catequesis" da Editora Palabra, España

Tradução: Pe. Antonio Carlos Rossi Keller

Apócrifos Cristãos

Observação Importante: Os escritos apócrifos têm dupla origem: 1ª) Diversos provêm da parte de cristãos simples, admiradores de Jesus e desejosos de exaltá-Lo; a sua linguagem é popular e, por vezes, incorreta. 2ª) Outros escritos provêm de escolas heréticas (Gnosticismo, Docetismo etc.) e, por isso mesmo, expressam doutrinas incompatíveis com a Sagrada Escritura canônica e o ensino da Igreja Primitiva. Nesta área publicaremos apenas os escritos que se enquadram na 1ª categoria. ( Fonte : http://cocp.veritatis.com.br/ )

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Oração de Manassés [LXX]

(Atribuído ao rei Manassés)

Alocução

1. Ó Senhor onipotente, Deus de nossos pais, de Abraão, Isaac e Jacó, e de toda a sua descendência de justos;
2. Tu que criaste os céus e a terra, com tudo o que neles existe;
3. que acorrentaste o mar com a tua palavra forte, que confinaste o abismo, selando-o com teu Nome terrível e glorioso;
4. pelo qual se abalam todas as coisas, tremendo perante teu poder;
5. ninguém pode sustentar o esplendor da tua glória, e a tua ira contra os pecadores é insuportável,
6. embora sem medidas e sem limites é a tua misericórdia prometida;
7. Tu és o Senhor das Alturas, de imensa compaixão, grande tolerância e gigantesca misericórdia; demonstras piedade com o sofrimento humano! Ó Senhor, conforme tua imensa bondade, prometeste penitência e perdão àqueles que pecaram contra Ti, e na clemência sem conta apontaste a penitência aos pecadores para que pudessem ser salvos.

Confissão dos Pecados

8. Assim, Senhor, Deus dos justos, não apontaste penitência para os justos, para Abraão, Isaac e Jacó, que não pecaram contra Ti, mas apontaste penitência para mim, que sou pecador.
9. Os pecados que cometi são superiores aos grãos de areia do mar; minhas transgressões são múltiplas, ó Senhor: elas se multiplicaram! Não sou digno de levantar os olhos para os céus em razão da multidão de minhas iniqüidades.
10 .Estou sobrecarregado com pesadas correntes de ferro; fui rejeitado em razão dos meus pecados, e não recebo consolo por ter provocado a tua ira e ter feito aquilo que é mau perante os teus olhos, realizando coisas abomináveis e multiplicando as ofensas.

Pedido de Perdão

11. Agora eu dobro os joelhos do meu coração e imploro a tua amizade.
12. Eu pequei, Senhor! Eu pequei, e reconheço as minhas transgressões.
13a. Ardentemente eu te imploro: perdoe-me, Senhor! Perdoe-me! Não destrua-me com as minhas transgressões! Não te zangues comigo para sempre, nem guardes o mal para mim! Não me condenes às profundezas da terra!

Agradecimento

13b.Tu és, Senhor, o Deus daqueles que se arrependem,
14. e em mim manifestarás a tua bondade; pois, miserável como sou, tu me salvarás por tua grande misericórdia,
15. e eu irei orar a Ti incessantemente por todos os dias da minha vida. Pois toda a milícia celeste proclamam a tua honra e tua é a glória para sempre. Amém.

* * *
Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)
Tradução: Carlos Martins Nabeto

Salmo 151 [LXX]

(Atribuído ao rei Davi)

1a. Salmo de Davi. Ação de graças de Davi após combater Golias:
1b. Eu era o menor entre meus irmãos,
o mais novo da casa de meu pai.
Ao conduzir o rebanho de meu pai para o pasto,
encontrei um leão e um urso: matei-os e despedacei-os.
2a. Por minhas mãos construí uma flauta,
meus dedos fizeram uma harpa.
2b. Os montes nada testemunharam,
as colinas nada proclamaram;
entretanto, as árvores exaltaram as minhas palavras
e o rebanho [exaltou] os meus feitos.
3a. Quem anunciará a meu Senhor?
3b. Quem proclamará, quem divulgará, quem anunciará os feitos do Senhor de todas as coisas?
Deus viu, escutou e ouviu a tudo.
4. Ele enviou seu mensageiro para ungir-me,
enviou Samuel para tornar-me grande.
Ele me tirou do meio do rebanho de meu pai
e ungiu-me com o seu óleo.
5a. Meus irmãos eram belos e altos,
mas o Senhor não os preferiu.
5b. Ele me retirou de trás do rebanho,
ungiu-me com o santo óleo,
fez de mim o condutor de seu Povo,
o rei dos filhos da sua aliança.
6. Enfrentei o filisteu, que amaldiçoou-me por seus ídolos.
7. Arranquei-lhe a espada, cortei-lhe a cabeça,
e lavei a afronta aos filhos de Israel.

* * *
Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)
Tradução: Carlos Martins Nabeto

Apocalipse de Pedro (fragmento grego de Akhmin)

(atribuído a São Pedro)

1. ... Muitos serão falsos profetas e ensinarão caminhos diversos e doutrinas de perdição 2. E chegarão a ser filhos da perdição. 3 Então Deus virá a meus fieis, os que têm fome e sede e estão aflitos e purificam suas almas nesta vida, e julgará aos filhos da iniqüidade.

4. também disse o Senhor: Vamos a montanha e oremos. 5.e vindo com Ele, nós os doze apóstolos, lhe suplicamos que nos mostrasse a um de nossos irmãos justos, que haviam morrido, para que pudéssemos ver que tipo de forma tinham; e tomando valor, também pudemos animar aos homens que nos ouvissem.

6. E quando oramos, repentinamente apareceram dois homens parados para o Leste em frente ao Senhor, a quem não podíamos ver. 7. Emitiam um raio como do sol de seus semblantes, e suas vestiduras brilhavam de um modo jamais visto por olhos humanos. Não havia boca capaz de expressar, nem coração que pudesse conceber, a gloria com que estavam dotados, nem a beleza de seu aspecto. 8. E quando os olhamos, ficamos maravilhados, porque seus corpos eram mais brancos que a neve e mais vermelhos que as rosas; 9. E o vermelho se unia ao branco com tal beleza que não podia expressá-la com palavras. 10. Seus cabelos eram lisos e brilhantes e caiam elegantemente por seus rostos e por seus ombros como uma grinalda tecida com plantas aromáticas e flores de cores variadas, ou como um arco-íris no céu. Tal era sua aparência.

11. E vendo sua beleza, ficamos maravilhados neles, por sua repentina aparicão. 12. E me aproximei do Senhor e lhe disse: Quem são eles? 13. Me respondeu: Estes são os irmãos de vocês, os justos, cujo aspecto desejavam ver. 14. E lhe disse: E onde estão todos os justos, e de que tipo é o mundo (eón) no qual estão e tem esta gloria?

15. E o Senhor me mostrou uma região muito grande fora deste mundo, com luz extremamente brilhante, onde os raios de sol iluminavam o ambiente; e a terra era fértil, com brotos que nunca murchavam; E Cheia de espécies e plantas sempre florescentes e incorruptíveis, produzindo frutos benditos. 16. E havia tanto perfume que o aroma Chegava inclusive até nós.

17. E os habitantes desse lugar se vestiam como anjos resplandecentes, e suas vestimentas eram de acordo com a sua terra. 18. E haviam anjos revoando ao redor deles. 19. E a glória dos nativos era a mesma, e com uma só voz jubilavam ao Senhor, regozijando-se nesse lugar. 20. O Senhor nos disse: Este é o lugar dos líderes (sacerdotes principais) de vocês, os homens justos.

21. Vi também outro lugar em frente a este, terrivelmente triste, e era um lugar de castigo, e os que eram castigados e os anjos que os castigavam vestiam preto, em consonância com o ambiente do lugar. 22. E alguns dos que estavam ali estavam pendurados pela língua: estes eram os que haviam blasfemado do caminho da justiça; debaixo deles havia um fogo flamejante e os atormentava.

23. E havia um grande lago, cheio de lama ardente, onde se encontravam alguns homens que haviam se separado da justiça; E os anjos encarregados de atormentar-los estavam encima deles.

24. Também havia outros, mulheres, que estavam penduradas pelos seus cabelos acima desta lama incandescente; estas eram as que haviam praticado o adultério. E os homens que haviam se unido a elas na impureza do adultério, eram suspensos pelos pés e tinham suas cabeças suspendidas em cima da lama, e diziam: Não acreditávamos que teríamos que vir parar neste lugar.

25. E vi aos assassinos e a seus cúmplices jogos em um lugar estreito, cheio de peçonhentos répteis, e eram mordidos por estas bestas, e se mexiam naquele tormento. E em cima deles haviam vermes que assemelhavam a nuvens negras. E as almas dos que haviam sido assassinados estavam ali e olhavam o tormento daqueles assassinos e diziam: Oh Deus, retos são teus juízos.

26. Muito perto dali vi outro lugar estreito, onde iam parar a queda e a gravidade dos que ali sofriam tormento, e se formava ali como um lago. E ali haviam mulheres sentadas, submergidas naquele lamaçal até a garganta; e em frente a elas, sentados e chorando, muitos meninos que haviam nascido antes do tempo; e deles saiam uns raios como de fogo que feriam os olhos das mulheres; estas eram as que haviam concebido fora do matrimonio e fizeram aborto.

27. E outros homens e mulheres eram queimados até sua metade, e levados a um lugar obscuro e golpeados por espíritos malvados; e suas entranhas eram devoradas por vermes que nunca acabavam. E estes eram os que haviam perseguido aos justos, e os haviam entregue a morte.

28. E perto daqueles, haviam novamente homens e mulheres que mordiam seus próprios lábios em tormentos, e eram erguidos por um ferro incandescente em seus olhos. E estes eram os que haviam blasfemado e difamado o caminho da justiça.

29. E enfrente a estes, outros homens e mulheres mordiam suas línguas, e tinham fogo ardente em suas bocas. E estes eram os que haviam sido mentirosos.

30. E em outro lugar haviam pedras mais pontiagudas que espadas ou que setas, incandescentes; e uns homens e mulheres esfarrapados, com farrapos imundos, rodavam sobre eles em tormento. E estes eram os que haviam sido ricos e confiavam em suas riquezas, e não se compadeciam dos orfanatos e as viúvas, e desdenhavam os mandamentos de Deus.

31. E em outro grande lago, cheio de matéria inorgânica (pus), sangue e lama ardente, se encontravam uns homens e mulheres sobre seus joelhos. E estes eram os que haviam sido ambiciosos (agiotas), e demandavam interesse sobre interesse.

32. E outros homens e mulheres eram jogados dentro de um grande abismo, e quando chegavam ao fundo, eram conduzidos novamente até acima por aqueles que estavam sobre eles, e voltavam a ser jogados, e seu tormento não tinha fim. E estes eram os que haviam profanado seus corpos se comportando como mulheres (homossexuais), e as mulheres que estavam com eles eram as que haviam se deitado entre elas, como se fossem homens com mulheres (lésbicas).

33. E junto ao abismo estava um lugar cheio de fogo, e ali se encontravam os homens que haviam feito com suas próprias mãos imagens para si mesmos substituindo a Deus. E junto a estes estavam outros homens e mulheres com varas de fogo, e se golpeavam uns aos outros, e não cessavam de atormentarem-se desta maneira.

34. E, perto deles, outros homens e mulheres se queimavam, mexiam, e assavam. E estes eram os que haviam abandonado o caminho de Deus.

* * *
Fonte: Escrituras (http://escrituras.tripod.com/)
Tradução: Wilson Reis Lopes de Melo Pinto

Atos de Pedro (Fragmento copta-berolinense)

(atribuído a São Pedro)

No primeiro dia da semana, no domingo, reuniu-se muita gente e levaram a Pedro uma grande multidão de enfermos para que os curasse. Mas um dentre os presentes teve o valor de dizer: —Pedro: perante nossos olhos tens feito com que muitos cegos vejam, muitos surdos ouçam, que os paraplégicos andem, e tens ajudado aos fracos outorgando-lhes força. Por que motivo não tens socorrido a tua filha, donzela, que se fez uma bela mulher e que tem crido no nome do Senhor? Um de seus lados se encontra totalmente paralisado e jaz-se tendida em um canto, impedida. Podemos ver aos que tens curado, mas não tens cuidado de tua própria filha.

Mas Pedro sorriu e lhe disse: — Meu filho: Deus somente sabe por quê razão seu corpo está enfermo. Saibas, pois, que Ele não é débil ou impotente para outorgar este dom a minha filha.

Mas para persuadi-lo em seu animo e para que os presentes se fortalecerem na fé, olhou para sua filha e lhe disse: — Levante - se desse lugar sem que ninguém te ajude salvo Jesus somente; caminha já sã, diante de todos estes e venha até mim.

Ela se levantou e foi até ele. A multidão se alegrou pelo que havia ocorrido. Pedro lhes disse: — Agora vossos corações estão convencidos de que Deus não é impotente a respeito a qualquer coisa que lhe peçamos.

Então se alegraram ainda mais e louvaram a Deus. Pedro disse assim a sua filha: — Volte a teu local, sente-se e fique de novo contigo tua enfermidade, pois isto é útil para ti e para mim.

A jovem se voltou, se sentou em seu lugar e ficou como antes. Toda a multidão se pos a chorar e suplicou a Pedro que a curasse novamente. Lhes disse Pedro: — Pela vida do Senhor, que isto é necessário para ela e para mim! Pois no dia em que nasceu, tive uma visão em que Ele me dizia: “Pedro, hoje nasceu para ti uma grande tentação. Tua filha causará dano a muitas almas se seu corpo permanecer são”. Mas eu pensava que a visão zombava de mim. Quando a garota tinha dez anos, muitos sofreram escândalo por sua causa. Um grande rico. Ptolomeo de nome, que já havia visto tomar banho a garota e a sua mãe, pediu para ela ser sua esposa. Mas sua mãe não quis. Ptolomeo insistiu e não pode esperar...

(...lacuna...)

...(os servos) de Ptolomeo trouxeram a garota, deixaram-na diante da porta da casa e se foram. Quando caímos em conta, sua mãe e eu nos abaixamos, descobrimos a garota e toda uma parte de seu corpo, desde os pés até a cabeça, havia ficado paralisado e enxuto. A recolhemos e louvamos ao Senhor que havia livrado a sua serva dessa mancha, da vergonha e de [...]. Este é o motivo pelo que a garota tem ficado assím até o dia de hoje.

Agora é conveniente para vós que conheçais o final de Ptolomeo. Se prendeu em si mesmo e se lamentava dia e noite pelo que havia ocorrido, e por causa das muitas lágrimas que derramou, ficou cego. Tomou a decisão de se levantar e se enforcar, mas foi aqui que, próximo a hora nona, daquele dia, quando se encontrava só em seu quarto, viu uma grande luz que iluminava toda a casa e ouviu uma voz que lhe dizía: “Ptolomeo: os vasos de Deus não foram dados para a ruína e para corrupção. Era necessário que tu, que tens acreditado em mim, não profanares a minha donzela, na que deverias ver uma irmã, pois Eu sou para vocês dois um só Espírito. Levante-se, sem demora, e vai depressa a casa de Pedro, o Apóstolo. Ali verá minha glória, e ele te esclarecerá este assunto“.

Ptolomeo não se descuidou um momento, e ordenou a seus homens que lhe mostrassem o caminho que lhe levaram até mim. Quando esteve em minha presença contou o que lhe havia ocorrido pelo poder de Jesus Cristo, nosso Senhor. Então começou a ver com os olhos de seu corpo e de sua alma, y muitos puseram sau esperança em Cristo. Ele lhes causou um bem procurando-lhe graciosamente o dom de Deus.

Logo morreu Ptolomeo; abandonou a vida e se foi até seu Senhor. E quando deixou seu testemunho, escreveu nele um lote de terra em nome de minha filhe, ja que por seu meio havia acreditado em Deus e obtido a cura. Eu, a quem havia confiado a administração, executei tudo diligentemente. Vendi o campo [...] e Deus só sabe que eu nem minha filha [...]. Vendi o campo, e dele não fiquei com nada, e que tudo reparti entre os pobres.

Saibas, pois, oh servidor de Jesus Cristo, que Deus governa aos seus e prepara a cada um o que lhe é bom, mesmo que pensemos que se esqueceu de nós. Agora, pois, irmãos, façamos penitencia, vigiemos e oremos, e a bondade de Deus dirigirá seus olhos sobre nós, enquanto por nossa parte ponhamos nela nossa esperança.

Pedro pronunciou estas palavras, e elevando o nome do Senhor Cristo, distribuiu a todos o pão. Quando repartiu, se levantou e entrou em sua casa.

Atos de Pedro.

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Fonte: Escrituras (http://escrituras.tripod.com/)
Tradução: Wilson Reis Lopes de Melo Pinto

Carta de Lêntulo a Otávio

(atribuída a Lêntulo)

Lêntulus a Otávio,

Saudações.

Existe nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado profeta da verdade e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do Céu e da Terra e de todas as coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus; ressuscita os mortos, cura os enfermos em uma só palavra; é um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto.

Há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, distendidos até as orelhas e das orelhas até as espáduas, são da cor da terra, porém mais reluzentes.

Tem no meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso nos nazarenos; o seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou manchas se vê em sua face de uma cor moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis.

A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, mas separada pelo meio, seu olhar é muito especioso e grave; tem os olhos graciosos e claros; o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplende, apavora, e quando ameniza faz chorar; faz-se amar e é alegre com gravidade.

Diz-se que nunca ninguém o viu rir, mas, antes chorar. Tem os braços e as mãos muito belos; na palestra contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele alguém se aproxima, verifica que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante a sua mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo jamais visto, por estas partes, uma donzela tão bela.

De letras, faz-se admirar de toda a Cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram.

Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus não se ouviram, jamais, tais conselhos de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de tua Majestade.

Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde.

Públio Lêntulus.

* * *
Fonte: Bacaninha (http://bacaninha.uol.com.br/home/)

Carta do Rei Abgaro de Edessa a Jesus

(Atribuída ao Rei Abgaro)

Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de Jerusalém, saudações:

Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios nem raízes; que, por Tua palavra, abriste [os olhos] de um cego, fizeste o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por Tua palavra tu [também] expulsaste espíritos daqueles que eram atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressussitaste o morto [trazendo-o] para a vida.

E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que [das duas uma]: ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso fizeste todas essas coisas. Por esse motivo escrevo para Ti, e rezo para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti.

Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem; que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois vivamos em paz.

* * *
Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)
Tradução: Renata Itimura

Carta-Resposta de Jesus ao Rei Abgaro de Edessa

(Atribuída a Jesus Cristo)

Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo Me visto, porque está escrito sobre Mim que 'aqueles que me verão não acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão.

* * *
Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)
Tradução: Renata Itimura

Epístola aos Laodicenses

(Atribuída a São Paulo Apóstolo)

  1. Paulo, apóstolo não dos homens nem pelos homens, mas por meio de Jesus Cristo, aos irmãos que estão em Laodicéia:
  2. Graças para vós e paz de Deus Pai e de Nosso Senhor Jesus Cristo.
  3. Agradeço a Cristo em todas as minhas preces porque permaneceis n'Ele e perseverais em suas obras, aguardando a promessa do dia do julgamento.
  4. Que não sejais enganados pelas pregações vãs de alguns para que não vos afastem da verdade do Evangelho que foi por mim proclamado.
  5. Permita Deus, agora, que aqueles que foram enviados por mim para professarem a verdade do Evangelho lhes possam ser úteis e realizem boas obras para a obtenção da vida eterna.
  6. No momento, minhas cadeias se evidenciam - eu que sofro em Cristo - pelas quais sou feliz e me alegro.
  7. Isso me serve para a salvação eterna que se efetua por vossas preces e pela ajuda do Espírito Santo, seja na vida, seja na morte;
  8. pois que minha vida está em Cristo e morrer é alegria.
  9. Isto quer Sua misericórdia fazer em vós: que tenhais o mesmo amor e permaneçais unidos.
  10. Portanto, amados, o que ouvistes quando de minha estadia entre vós assim o conservai e agi no temor de Deus, e tereis em vós a vida para sempre;
  11. pois é Deus que opera em vós,
  12. e fazei sem hesitação o que deveis fazer.
  13. E no mais, amados, alegrai-vos em Cristo e tende cuidado com aqueles que procuram lucros sórdidos.
  14. Possam todos vossos pedidos chegarem a Deus e ficai firmes no sentimento de Cristo.
  15. E fazei o que é puro, verdadeiro, adequado, justo e amável.
  16. O que ouvistes e recebestes guardai no vosso coração e tereis a paz convosco.
  17. Saudai a todos os irmãos com o ósculo santo.
  18. Os irmãos na fé vos saúdam.
  19. A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vosso espírito.
  20. Cuidai para que esta Epístola seja lida aos Colossenses e que aquela, dos Colossenses, seja lida para vós.

* * *
Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)
Tradução: Carlos Martins Nabeto

A Descida de Cristo aos Infernos

(atribuído a Nicodemos)

I

[1] Convite de José. Disse José: "E por que vos admirais de que Jesus tenha ressuscitado? Isso não é nenhuma maravilha; a maravilha está no fato de que não foi só ele que ressuscitou, porque muitos outros mortos ressuscitaram e apareceram, em Jerusalém, a muitas pessoas. E, se até agora não conheceis outros, conheceis ao menos Simeão, que recebeu Jesus, e seus dois filhos, que ele ressuscitou; ao menos esses conheceis. Nós os sepultamos recentemente, e agora seus sepulcros foram vistos abertos, e eles estão vivos e habitam em Arimatéia". Mandaram então alguns homens, os quais viram seus sepulcros abertos e vazios. José exclamou: "Vamos encontrá-los em Arimatéia".

[2] Dois ressuscitados.* Levantaram-se, então, os sumos sacerdotes Anás e Caifás, José, Nicodemos, Gamaliel e outros com eles e foram a Arimatéia e encontraram aqueles dos quais tinha falado José. Fizeram uma oração, saudaram-se mutuamente, voltaram com eles para Jerusalém, conduziram-nos para a sinagoga e trancaram as portas; depois puseram no meio o Antigo (Testamento) dos judeus, e os sumos sacerdotes lhes disseram: "Queremos que jureis pelo Deus de Israel e por Adonai e digais assim a verdade sobre o modo pelo qual fostes ressuscitados e sobre quem vos fez ressurgir dos mortos".

[3] Ouvindo isso, os homens que tinham ressuscitado fizeram o sinal da cruz no rosto e disseram aos sumos sacerdotes: "Dai-nos papel, tinta e pena!" Depois que lhes foram dados, sentaram-se e escreveram assim:

II

[1] 'Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo, dá-nos a graça de falar de tua ressurreição e das obras maravilhosas que fizeste no Hades. Abraão, Isaías, João Batista. *Habitávamos então no Hades com todos os mortos da eternidade. E na hora de meia-noite naqueles lugares escuros surgiu e resplandeceu uma luz como a do Sol, ficamos todos iluminados e nos vimos um ao outro. Subitamente nosso pai Abraão e com ele os patriarcas e os profetas ficaram cheios de alegria e disseram um ao outro: "Esta luz vem de grande luzeiro". O profeta Isaías, que estava presente, disse: "Esta luz vem do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como profetizei quando estava entre os vivos, dizendo: A terra de Zabulon e a terra de Neftali, o povo sentado nas trevas, viu uma grande luz"'.

[2] Depois, do deserto para lá, para o meio deles, veio um asceta, e os patriarcas lhe perguntaram: "Quem és tu?" Ele respondeu: "Eu sou João, o último dos profetas, aquele que aplanou os caminhos do Filho de Deus e anunciou ao povo a penitência para a remissão dos pecados. Veio a mim o Filho de Deus e, vendo-o, de longe, eu disse ao povo: 'Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo'. Com minhas mãos eu o batizei no rio Jordão e vi, como pomba, o Espírito Santo descer sobre ele e ouvi a voz de Deus Pai dizer a ele: 'Este é meu Filho dileto, no qual me comprazi'. Por isso ele me mandou também a vós, para anunciar-vos que o unigênito Filho de Deus vem aqui embaixo, a fim de que quem crê nele seja salvo, e quem não crê seja condenado. Digo, pois, a todos vós que o venereis, logo que o virdes, já que a vós só agora é concedido um tempo de penitência por vós, pelos ídolos que venerastes no mundo vão e pelos pecados que cometestes; e é impossível que isso aconteça em outro tempo.

III

[1] Adão e a árvore da misericórdia. *Enquanto João estava assim ensinando àqueles do Hades, o primeiro criado e o primeiro pai, Adão, ouviu, também ele, e disse a seu filho "Set, meu filho, quero que digas aos primeiros pais e aos profetas onde te mandei quando caí na doença da qual morri". Disse então Set: "Profetas e patriarcas, ouvi! Meu pai Adão, o primeiro criado, quando chegou ao fim, mandou-me fazer uma oração a Deus na imediata proximidade da porta do paraíso, a fim de que eu fosse conduzido por um anjo à árvore da misericórdia, para pegar o óleo e ungir meu pai, e fazê-lo ressurgir de sua enfermidade. E foi o que fiz. Depois da oração veio um anjo do Senhor e me disse: 'Que coisa pedes, Set? Pedes o óleo que faz ressurgir os enfermos ou a árvore da qual escorre esse óleo para a enfermidade de teu pai? Isso agora não se pode encontrar. Vai, pois, e dize a teu pai que, depois que se completarem cinco mil e quinhentos anos da criação do mundo, descerá sobre a terra o unigênito Filho de Deus feito homem: ele o ungirá com esse óleo e ele ressurgirá; com água e Espírito Santo limpará tanto a ele quanto a seus descendentes e então curará de toda doença. Agora, porém, isso é impossível'". Ouvindo isso, os patriarcas e os profetas se alegraram muito.

IV

[1] Altercação entre Satanás e o Hades.* E enquanto todos se regozijavam com essa alegria, veio Satanás, o herdeiro das trevas, e disse ao Hades: "Ó tu, que devoras tudo e és insaciável, ouve as minhas palavras! Por artifício meu, os judeus puseram na cruz certo Jesus, da estirpe dos judeus; ele chama a si mesmo de Filho de Deus, mas é homem, e agora, que está acabado, está prestes a ser fechado aqui. Sei que ele é homem e ouvi-o dizer: 'A minha alma está terrivelmente triste até a morte'. No mundo de cima, quando vivia com os mortais, fez-me muito mal. Onde quer que encontrasse servos meus, perseguia-os, e curava, só com uma palavra, aqueles que eu tinha tornado aleijados, cegos, leprosos, coxos e semelhantes, e, só com a palavra, deu vida a muitos que já estavam prontos para ser sepultados".

[2] O Hades disse: "É mesmo tão poderoso que, só com a palavra, faz tais coisas? E, se é assim, podes tu resistir a ele? Parece-me que ninguém poderá resistir-lhe. Tu dizes que ouviste que ele estava temeroso da morte; mas ele disse isso para rir e zombar de ti, querendo agarrar-te com mão forte. E ai, ai de ti eternamente, para sempre!" Satanás respondeu: "Ó tu, que devoras tudo e és insaciável, tens tanto medo por causa do que ouviste a respeito de nosso inimigo comum? Eu não tive medo, mas o entreguei aos judeus, que o pregaram na cruz e lhe deram para beber vinagre e fel. Prepara-te, pois, para agarrá-lo fortemente quando ele vier".

[3] O Hades respondeu: "Ó herdeiro das trevas, filho da perdição, diabo, tu me disseste agora mesmo que, só com a palavra, ele deu vida a muitos que já estavam prontos para ser sepultados; se ele livrou outros do sepulcro, como e com qual força poderá ser segurado junto de nós? Na verdade, pouco tempo atrás eu engoli um morto de nome Lázaro, e pouco tempo depois alguém dentre os vivos o arrancou de minhas vísceras, só com a palavra. Penso que este seja aquele do qual falaste. Temo, pois, que, se o recebermos aqui, poremos em perigo também os outros. Engoli todos os homens desde o começo, mas eis que estão agitados, e sinto dores no estômago. Para mim não é um bom sinal aquele Lázaro, que me foi arrebatado; ele fugiu de mim não como morto, mas como águia; a terra o expeliu para fora instantaneamente assim. Esconjuro-te, por isso, por tudo o que é caro a ti e a mim, que não o conduzas para aqui embaixo. Porque penso que (se ele vier) virá para ressuscitar todos os mortos. Digo-te isto: pelas trevas que nos cercam, não o tragas para aqui embaixo, do contrário não permanecerá em mim mais nenhum morto".

V

[1] Abri as portas!* Enquanto Satanás e o Hades falavam assim entre si, ouviu-se uma voz forte como trovão, a qual dizia: "Levantai vossas portas, ó príncipes, abri vossas portas eternas, e entrará o rei da glória". O Hades ouviu e disse a Satanás: "Sai e resiste-lhe, se podes!" Satanás saiu, e o Hades disse aos seus demônios: "Reforçai bem as portas de bronze, colocai as trancas de ferro, observai todas as fechaduras e vigiai todos os pontos. Se ele entrar aqui, ai de nós!"

[2] Ouvindo isso, os primeiros pais começaram a desprezá-lo, dizendo: "Ó tu, que devoras tudo e és insaciável, abre, a fim de que possa entrar o rei da glória!" O profeta Davi disse: "Não sabes, ó cego, que, quando eu vivia no mundo, profetizei esta palavra: 'Levantai vossas portas, ó príncipes?'" Isaías disse: "Iluminado pelo Espírito Santo, eu previ e disse: 'Os mortos ressurgirão, e aqueles que estão nos túmulos serão despertados, e se alegrarão os que se encontram na terra'; e: 'Onde está teu aguilhão, ó morte? Onde está tua vitória, ó Hades?'"

[3] Veio então uma voz que dizia: "Abri as portas!" Ouvindo essa voz pela segunda vez, o Hades respondeu como se não o conhecesse, dizendo: "Quem é esse rei da glória?" Os anjos do Senhor lhe responderam: "Um Senhor forte e poderoso, um Senhor poderoso na guerra!" A essas palavras, as portas de bronze foram logo quebradas e reduzidas a pedaços, as barras de ferro foram pulverizadas, e todos os mortos, ligados com cadeias, foram libertados, e nós com eles. E entrou, como um homem, o rei da glória, e foram iluminadas todas as trevas do Hades.

VI

[1] Satanás ligado até a segunda vinda. *O Hades lhe gritou logo: "Fomos vencidos, ai de nós! Mas quem és tu, que tens tal autoridade e poder? Quem és tu, que, sem pecado, vieste aqui? Tu, que pareces pequeno e podes fazer grandes coisas; és humilde e alto, servo e senhor; soldado e rei, e exerces tua autoridade sobre os mortos e os vivos? Foste pregado na cruz, depositado no sepulcro, e agora estás livre e destruiste todo o nosso poder. És tu Jesus, do qual nos falou o arquissátrapa Satanás e que, por meio da cruz e da morte, estás para herdar o mundo todo?"

[2] Depois o rei da glória agarrou pela cabeça o arquissátrapa Satanás e o entregou aos anjos, dizendo: "Prendei-lhe com cadeias de ferro mãos e pés, pescoço e boca. Depois entregai-o ao Hades, dizendo: 'Conserva-o preso até minha segunda vinda!'"

VII

[1] *Preso Satanás, o Hades lhe disse: "Ó Beelzebul, herdeiro do fogo e do tormento, inimigo dos santos, que foi que te forçou a determinar a morte, na cruz, do rei da glória, de modo que viesse destronar-nos? Olha em volta e vê que não nos restou nenhum morto e que, todos os que ganhaste por meio do lenho do conhecimento, perdeste pelo lenho da cruz e que toda a tua alegria se transformou em tristeza; querendo dar a morte ao rei da glória, deste a morte a ti mesmo. Tendo-te eu recebido para manter-te bem seguro, aprenderás por experiência quais males te enviarei.

[2] Ó arquidiabo, princípio da morte, raiz do pecado, acabamento de todo mal, que coisa encontraste de mal em Jesus para te empenhares em sua destruição? Como ousaste fazer mal tão grande? Como pudeste ansiar por introduzir nestas trevas tal homem, deixando que ele tirasse de ti todos os que morreram desde o início?"

VIII

[1] O rei da glória e Adão. *Enquanto o Hades falava assim com Satanás, o rei da glória estendeu a mão, agarrou e pôs de pé o primeiro pai, Adão; dirigiu-se, depois, a todos os outros e disse: "Para trás de mim, vós todos que morrestes por causa do lenho tocado por este! Eis que eu vos faço ressurgir por meio do lenho da cruz". Assim sendo, mandou-os todos para fora, enquanto nosso primeiro pai, Adão, foi visto cheio de alegria e dizendo: "Agradeço-te por tua grandeza, ó Senhor; tirando-me do profundíssimo Hades". Também todos os profetas e os santos disseram: "Agradecemos-te, ó Cristo, Salvador do mundo, porque tiraste nossa vida da corrupção".

[2] Depois que eles se tinham expressado assim, o Salvador abençoou Adão com o sinal da cruz na fronte, fez a mesma coisa aos patriarcas, profetas, mártires e primeiros pais e, tomando-os, subiu do Hades. Enquanto ele continuava o caminho, os pais o seguiam, salmodiando e dizendo: "Bendito aquele que vem no nome do Senhor! Aleluia! A ele a glória de todos os santos".

IX

[1] Encontro com dois anciãos. *Prosseguindo o caminho para o paraíso, segurou pela mão o primeiro pai, Adão, e confiou-o e todos os justos ao arcanjo Miguel. Quando entravam pela porta do paraíso, vieram ao seu encontro dois anciãos, aos quais disseram os santos pais: "Quem sois vós, que não passastes pela morte, nem descestes ao Hades, mas viveis no paraíso com alma e corpo?" Um deles respondeu: "Eu sou Henoc, aquele que agradou a Deus, pelo qual fui transferido para cá. E este é Elias, o tesbita. Viveremos até o fim do mundo, quando seremos mandados por Deus para resistirmos ao anticristo e sermos mortos por ele. Mas também para ressuscitarmos depois de três dias e sermos tomados nas nuvens e irmos ao encontro do Senhor".

X

[1] Encontro com o bom ladrão.* Estavam eles falando assim quando veio outro homem, humilde, carregando uma cruz sobre os ombros. Perguntaram a ele os santos pais: "Quem és tu, que tens a aparência de predador?" Respondeu-lhes: "Como dizeis, no mundo eu era predador e ladrão, por isso os judeus me prenderam e me condenaram à morte na cruz junto com nosso Senhor Jesus Cristo. Enquanto ele pendia da cruz, eu, vendo os sinais que se realizavam, acreditei nele e lhe disse: 'Senhor, não te esqueças de mim quando reinares!' E logo ele me respondeu: 'Em verdade, em verdade, eu te digo que hoje estarás comigo no paraíso'.

[2] Carregando, pois, minha cruz, vim para o paraíso, encontrei o arcanjo Miguel e lhe disse: 'O Senhor nosso Jesus, que foi crucificado, mandou-me para cá; conduze-me, pois, à porta do Éden'. Quando a espada flamejante viu o sinal da cruz, abriu-me e entrei. Então o arcanjo me disse: 'Espera um pouco, já que está vindo Adão, o primeiro pai do gênero humano, com os justos para entrar aqui. E agora, vendo-vos, vim ao vosso encontro"'. Quando os santos ouviram essas coisas, gritaram todos em alta voz: "Grande é o Senhor nosso e grande é seu poder!"

XI

[1] Os ressuscitados batizados no Jordão. *Nós dois, irmãos, vimos e ouvimos todas essas coisas e fomos mandados pelo arcanjo Miguel e encarregados de anunciar a ressurreição do Senhor, mas, antes ainda, fomos incumbidos de ir ao Jordão e ser batizados; para lá nos dirigimos e fomos batizados com outros mortos ressuscitados. Depois viemos a Jerusalém e terminamos a Páscoa da ressurreição. Mas agora não nos podemos entreter neste lugar. O amor de Deus Pai, a graça do Senhor nosso Jesus Cristo e a comunhão do Espírito Santo estejam com vós todos.

[2] Eles escreveram assim, selaram os rolos e entregaram um ao sumo sacerdote, e o outro a José e Nicodemos. E logo desapareceram, para a glória do Senhor nosso Jesus Cristo. Amém.

* * *
Fonte: Revista Pergunte e Responderemos (http://www.veritatis.com.br/pr/index.htm)
Tradução: Luigi Moraldi

Evangelho Árabe da Infância do Salvador

(atribuído a São Pedro)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, Deus único. Com o auxílio e a ajuda do Deus todo poderoso, começamos a escrever o livro dos milagres de nosso Salvador, Mestre e Senhor Jesus Cristo, que se intitula o Evangelho da Infância, conforme narrado por Maria, sua mãe, na paz do Nosso Senhor e Salvador. Que assim seja.

I. Palavras de Jesus no Berço

Encontramos no livro do grande sacerdote Josefo que viveu no tempo de Jesus Cristo, e que alguns chamam de Caifás, que Jesus falou quando estava no berço e que disse a sua mãe Maria: - Eu, que nasci de ti, sou Jesus, o filho de Deus, o Verbo, como te anunciou o anjo Gabriel, e meu Pai me enviou para a salvação do mundo.

II. Viagem a Belém

No ano de 309 da era de Alexandre, Augusto ordenara que todos fossem recenseados em sua cidade natal. José partiu, então, conduzindo Maria, sua esposa. Vieram a Jerusalém, de onde se dirigiram a Belém para inscreverem-se no local onde ele havia nascido. Quando estavam próximos a uma caverna, Maria disse a José que sua hora havia chegado e que não poderia ir até a cidade. - Entremos nesta caverna - disse ela. O sol estava começando a se pôr. José apressou-se em procurar uma mulher que assistisse Maria no parto e encontrou uma anciã que vinha de Jerusalém. Saudando-a, disse-lhe:- Entra na caverna onde encontrarás uma mulher em trabalho de parto.

III. A Parteira de Jerusalém

Após o pôr-do-sol, José chegou com a anciã à caverna e eles entraram. Eis que a caverna estava resplandecendo com uma claridade que superava a de uma infinidade de labaredas e brilhava mais do que o sol do meio-dia. A criança, enrolada em fraldas e deitada numa manjedoura, mamava no seio da mãe. Ambos ficaram surpresos com o aspecto daquela claridade e a anciã disse a Maria: - És tu a mãe desta criança?Ao responder afirmativamente Maria, disse-lhe: - Não és semelhante às filhas de Eva.Respondeu Maria respondeu: - Assim como entre as crianças dos homens não há nenhuma que seja semelhante ao meu filho, assim também sua mãe não tem par entre todas as mulheres. A anciã disse então: - Senhora e ama, vim para receber uma recompensa que perdurará para todo o sempre.Maria lhe disse, então: - Põe tuas mãos sobre a criança.Quando a anciã o fez, foi purificada. Ao sair, ela disse:- A partir deste momento, eu serei a serva desta criança e quero consagrar-me a seu serviço, por todos os dias da minha vida.

IV. A Adoração dos Pastores

Em seguida, quando os pastores chegaram e acenderam o fogo, entregando-se à alegria, as cortes celestes apareceram, louvando e celebrando o Senhor, a caverna parecia-se com um templo augusto, onde reis celestiais e terrestres celebravam a glória e os louvores de Deus por causa da natividade do Senhor Jesus Cristo. E esta anciã hebréia, vendo estes milagres resplandecentes, rendia graças a Deus, dizendo: - Eu te rendo graças, ó Deus, Deus de Israel, porque os meus olhos viram a natividade do Salvador do mundo.

V. A Circuncisão

Quando chegou o tempo da circuncisão, isto é, o oitavo dia, época na qual o recém-nascido deve ser circuncidado segundo a lei, eles o circuncidaram na caverna e a velha anciã recolheu o prepúcio e colocou-o em um vaso de alabastro, cheio de óleo de nardo velho. Como tivesse um filho que comercializava perfumes, Maria deu-lhe o vaso, dizendo: - Muito cuidado para não vender este vaso cheio de perfume de nardo, mesmo que te ofereçam trezentos dinares. E este é o vaso que Maria, a pecadora, comprou e derramou sobre a cabeça e sobre os pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, enxugando-os com seus cabelos. Quando dez dias se haviam passado, eles levaram a criança para Jerusalém e, ao término da quarentena, eles o apresentaram no templo do Senhor, oferecendo por ele as oferendas prescritas pela lei de Moisés, que diz: - Toda criança do sexo masculino que sair de sua mãe será chamada o 'santo de Deus'.

VI. Apresentação no Templo

O velho Simeão viu o menino Jesus resplandecente de claridade como um facho de luz, quando a Virgem Maria, cheia de alegria, entrou com ele em seus braços. Uma multidão de anjos rodeava-o, louvando-o e acompanhando-o, assim como os satélites de honra seguem seu rei. Simeão, pois, aproximando-se rapidamente de Maria e estendendo suas mãos para ela, disse ao Senhor Jesus: - Agora, Senhor, teu servo pode retirar-se em paz, segundo tua promessa, pois meus olhos viram tua misericórdia e o que preparaste para a salvação de todas as nações, luz de todos os povos e a glória de teu povo de Israel.A profetisa Ana também estava presente, rendia graças a Deus e celebrava a felicidade de Maria.

VII. A Adoração dos Magos

Aconteceu que, enquanto o Senhor vinha ao mundo em Belém, cidade da Judéia, Magos vieram de países do Oriente a Jerusalém, tal como havia predito Zoroastro, e traziam com eles presentes: ouro, incenso e mirra. Adoraram a criança e renderam-lhe homenagem com seus presentes. Então Maria pegou uma das faixas, nas quais a criança estava envolvida, e deu-a aos magos que receberam-na como uma dádiva de valor inestimável. Nesta mesma hora, apareceu-lhes um anjo sob a forma de uma estrela que já lhes havia servido de guia, e eles partiram, seguindo sua luz, até que estivessem de volta a sua pátria.

VIII. A Chegada Dos Magos à sua Terra

Os reis e os príncipes apressaram-se em se reunir em torno dos magos, perguntando-lhes o que haviam visto e o que havia feito, como haviam ido o como haviam voltado e que companheiros eles haviam tido então durante a viagem. Os magos mostraram-lhes a faixa que Maria lhes havia dado. Em seguida, celebraram uma festa, acenderam o fogo segundo seus costumes, adoraram a faixa e a jogaram nas chamas. As chamas envolveram-na. Ao apagar-se o fogo, eles retiraram o pano e viram que as chamas não haviam deixado nele nenhum vestígio. Eles se puseram então a beijá-lo e a colocá-lo sobre suas cabeças e sobre seus olhos, dizendo:- Eis certamente a verdade! Qual é pois o preço deste objeto que o fogo não pode nem consumir nem danificar? E pegando-o, depositaram-no com grande veneração entre seus tesouros.

IX. A Cólera de Herodes

Herodes, vendo que os magos não retornavam a visitá-lo, reuniu os sacerdotes e os doutores e disse-lhes: - Mostrai-me onde deve nascer o Cristo. Quando responderam que era em Belém, cidade da Judéia, Herodes pôs-se a tramar, em seu espírito, o assassinato do Senhor Jesus. Então um anjo apareceu a José, durante o sono, e disse-lhe: - Levanta-te, pegue a criança e sua mãe e foge para o Egito.Quando o galo cantou, José levantou-se e partiu.

X. Fuga para o Egito

Enquanto ele refletia sobre o caminho que ele devia seguir, a aurora o surpreendeu. A correia da sela se havia rompido ao se aproximarem de uma grande cidade, onde havia um ídolo, ao qual os outros ídolos e divindades do Egito rendiam homenagem e ofereciam presentes. Sempre que Satã falava pela boca do ídolo, os sacerdotes relatavam o que ele dizia aos habitantes do Egito e de suas margens. Um sacerdote tinha um filho de trinta anos que estava possuído por um grande número de demônios. Ele profetizava e anunciava muitas coisas. Quando os demônios se apossavam dele, rasgavam suas roupas e ele corria nu pela cidade, jogando pedras nos homens. A hospedaria dessa cidade ficava perto deste ídolo. Quando José e Maria lá chegaram e se hospedaram, os habitantes ficaram profundamente perturbados e todos os príncipes e sacerdotes dos ídolos se reuniram ao redor desse ídolo, perguntando-lhe: - De onde vem esta agitação universal e qual é a causa deste pavor que se apoderou de nossos país?O ídolo respondeu: - Esse assombro foi trazido por um Deus desconhecido, que é o Deus verdadeiro, e ninguém a não ser ele é digno das honras divinas, pois ele é o verdadeiro Filho de Deus. À sua aproximação, esta região tremeu. Ela se emocionou e se assombrou e nós sentimos um grande temor por causa do seu poder. Neste momento, esse ídolo caiu e quebrou-se, tal como os outros ídolos que estavam no país. Sua queda fez acorrerem todos os habitantes do Egito.

XI. A Cura do Menino Endemoninhado

O filho do sacerdote, acometido do mal que o afligia, entrou no albergue insultando José e Maria, já que os outros hóspedes haviam fugido. Como Maria havia lavado as fraldas do Senhor Jesus e as estendera sobre umas madeiras, o menino possuído pegou uma das fraldas e colocou-a sobre sua cabeça. Imediatamente os demônios fugiram, saindo pela boca, e foram vistos sob a forma de corvos e serpentes. O menino foi curado instantaneamente pelo poder de Jesus Cristo e se pôs a louvar o Senhor que o havia libertado e rendeu-lhe mil ações de graça. Quando seu pai viu que ele havia recobrado a saúde, exclamou, admirado:- Meu filho, mas o que te aconteceu e como foste tu curado? O filho respondeu: - No momento em que me atormentavam, eu entrei na hospedaria e lá encontrei uma mulher de grande beleza, que estava com uma criança. Ela estendia sobre umas madeiras as fraldas que acabara de lavar. Eu peguei uma delas e coloquei-la sobre minha cabeça e os demônios fugiram imediatamente e me abandonaram. O pai, cheio de alegria, exclamou:- Meu filho, é possível que essa criança seja o Filho do Deus vivo que criou o céu e a terra e, assim que passou por nós, o ídolo partiu-se, os simulacros de todos os nossos deuses caíram e uma força superior à deles destruiu-os.

XII. Os Temores da Sagrada Família

Assim se cumpriu a profecia que diz:- Chamei o meu filho do Egito.Quando José e Maria souberam que esse ídolo se havia quebrado, foram tomados de medo e de espanto e diziam:- Quando estávamos na terra de Israel, Herodes queria que Jesus morresse e, com esta intenção, ele ordenou o massacre de todas as crianças de Belém e das vizinhanças. É de se temer que os egípcios nos queimem vivos, se eles souberem que esse ídolo caiu.

XIII. Os Salteadores

Eles partiram e passaram nas proximidades do covil de ladrões, que despojavam de suas roupas e pertences os viajantes que por ali passavam e, após tê-los amarrado, os arrastavam pelo deserto. Esses ladrões ouviram um forte ruído, semelhante ao do rei que saiu de sua capital ao som dos instrumentos musicais, escoltado por grande exército e por uma numerosa cavalaria. Apavorados, então, deixaram ali todo o seu saque e apressaram-se em fugir. Os cativos, levantando-se, cortaram as cordas que os prendiam e, tendo retomado sua bagagem, iam retirar-se, quando viram José e Maria que se aproximavam e perguntaram-lhes: - Onde está este rei cujo cortejo, com seu barulho, assustou os ladrões a ponto de eles terem e nos libertado?José respondeu: - Ele nos segue.

XIV. A Endemoninhada

Chegaram em seguida a outra cidade, onde havia uma mulher endemoninhada. Quando ela ia buscar água no poço durante a noite, o espírito rebelde e impuro apossava-se dela. Ela não podia suportar nenhuma roupa, nem morar em uma casa. Todas as vezes que a amarravam com cordas e correntes, ela as partia e fugia nua para locais desertos. Ficava nas estradas e perto de sepulturas, perseguindo e apedrejando aqueles que encontrava no caminho, de forma que ela era, para seus pais, motivo de luto. Maria viu-a e foi tomada de compaixão. Imediatamente Satã a deixou e fugiu sob a forma de um jovem rapaz, dizendo:- Infeliz de mim, por tua causa, Maria, e por causa do teu filho! Quando essa mulher foi libertada da causa de seu tormento, olhou ao seu redor e, corando por sua nudez, procurou seus pais, evitando encontrar as pessoas. Após haver vestido suas roupas, ela contou ao seu pai e aos seus o que lhe havia acontecido. Como eles fizessem parte dos habitantes mais distintos da cidade, hospedaram em sua casa José e Maria, demonstrando por eles um grande respeito.

XV. A Jovem Muda

No dia seguinte, José e Maria prosseguiram sua viagem. À noite chegaram a uma cidade onde estava sendo celebrado um casamento. Mas, em decorrência das ciladas do espírito maligno e dos encantamentos de alguns feiticeiros, a esposa ficara muda, de forma que ela não podia mais falar. Quando Maria entrou na cidade, trazendo nos braços o filho, o Senhor Jesus, aquela que havia perdido o uso da palavra avistou-o e imediatamente pegou-o em seus braços. Abraçou-o, apertando-o junto ao seu seio e cobrindo-o de carinho. Imediatamente o laço que travava sua língua partiu-se e seus ouvidos se abriram. Ela começou a glorificar e a agradecer a Deus que a havia curado. Naquela noite, houve uma grande alegria entre os habitantes dessa cidade, pois acreditavam todos que Deus e seus anjos haviam descido no meio deles.

XVI. Outra Endemoninhada

José e Maria passara três dias nesse lugar, onde foram recebidos com grande veneração e esplendidamente tratados. Munidos de provisões para a viagem, partiram dali e chegaram a uma outra cidade. Como ela era próspera e seus habitantes tinha boa reputação, eles pernoitaram lá. Havia nessa cidade uma boa mulher. Um dia em que ela havia descido até o rio para lavar-se, um espírito maldito, assumindo a forma de uma serpente, havia se jogado sobre e cingido o seu ventre. Todas as noites estendia-se sobre ela. Quando essa mulher viu Maria e o Senhor Jesus que ela trazia contra o seio, rogou à Santa Virgem que lhe permitisse segurar e beijar a criança. Maria consentiu, e assim que a mulher tocou a criança, Satã abandonou-a e fugiu. Desde então ela não mais o viu. Todos os vizinhos louvaram o Senhor e a mulher recompensou-os com grande generosidade.

XVII. Uma Leprosa

No dia seguinte, essa mulher preparou água perfumada para lavar o menino Jesus e após o haver lavado, guardou essa água. Havia lá uma jovem cujo corpo assava, coberto pela lepra branca. Lavou-se ela com essa água e foi imediatamente curada. O povo dizia então: - Não resta dúvida de que José e Maria e essa criança sejam Deuses, pois eles não podem ser simples mortais.Quando eles se preparavam para partir, essa jovem, que havia sido curada da lepra, aproximou-se deles e rogou-lhes que lhe permitissem acompanhá-los.

XVIII. Um Menino Leproso

Eles consentiram e ela foi com eles. Chegaram a uma cidade, onde havia o castelo de um poderoso príncipe. Foram até lá e se hospedaram nele. A jovem, aproximando-se da esposa do príncipe, encontrou-a triste e chorando. Perguntou-lhe, então, qual a causa daquele pesar: - Não te espantes de me ver entregue à aflição. Estou em meio a uma grande calamidade, que não ouso contar a ninguém. A jovem tornou: - Se me confessares qual é teu mal, talvez encontres remédio junto a mim. A esposa do príncipe disse-lhe: - Não revelarás este segredo a ninguém. Casei-me com um príncipe cujo império, semelhante a um império de um rei, estende-se por vastos estados e, após haver vivido por muito tempo com ele, ele não teve de mim nenhum descendente. Finalmente, eu concebi, mas trouxe ao mundo uma criança leprosa. Após havê-lo visto, ele não quis reconhecê-lo como seu filho e me disse para matar a criança ou entregá-la a uma ama para que a criasse num local tão afastado, para que não mais ouvíssemos sobre ela. Além disso, ele me mandou pegar o que é meu, pois não queria me ver mais. Eis porque me entrego à dor, deplorando a calamidade que sobre mim se abateu. Choro por meu marido e por meu filho. A jovem respondeu-lhe: - Pois não te disse que eu tenho para ti o remédio que te havia prometido? Eu também fui atingida pela lepra, mas fui curada por uma graça de Deus, que é Jesus, o filho de Maria. A mulher perguntou-lhe, então, onde estava esse Deus do qual falava. A jovem respondeu-lhe:- Ele está bem aqui, nesta casa. Perguntou a princesa: - Como pode ser isso, onde está ele?A jovem respondeu:- Aqui estão José e Maria. A criança que está com eles é Jesus e foi ele quem me curou dos meus sofrimentos.- E por que meio pôde ele te curar? Não vais me contar? - quis saber a princesa. A jovem explicou:- Recebi de sua mãe a água na qual ele havia sido lavado, espalhei-la então sobre meu corpo e minha lepra desapareceu.A esposa do príncipe ergueu-se, então, e recebeu José e Maria.Preparou para José um magnífico festim, para o qual muitas pessoa foram convidadas. No dia seguinte, ela pegou água perfumada a fim de lavar o Senhor Jesus e ela lavou, com essa mesma água, o seu filho, que ela havia trazido consigo, e logo ele se curou da lepra. Ela se pôs a cantar louvores a Deus e a render-lhe graças, dizendo-lhe:- Feliz da mãe que te gerou, ó Jesus! A água com a qual o teu corpo foi lavado cura os homens que têm tua natureza.Ela ofereceu presentes a Maria e dela despediu-se, tratando-a com grande deferência.

XIX. Um Feitiço

Chegaram a outra cidade onde deviam pernoitar. Foram à casa de um homem recém-casado que, atingido por um malefício, não podia desfrutar sua esposa. Após haverem eles passado a noite perto do homem, o encantamento quebrou-se. Quando o dia amanheceu, preparavam-se para prosseguir a viagem, mas o esposo impediu-os de partir e preparou-lhes um grande banquete.

XX. A História de um Mulo

No dia seguinte partiram e, ao se aproximarem de uma outra cidade, viram três mulheres que se afastavam de um túmulo, a verter em lágrimas. Maria, tendo-as visto, disse à jovem que os acompanhava: - Pergunta-lhes quem são elas e qual a desgraça que se lhes abateu.Elas não responderam mas puseram-se a interrogá-la, dizendo: - Quem sois vós, e para onde ides? Pois o dia está terminando e a noite se aproxima.A moça respondeu: - Somos viajantes e procuramos uma hospedaria para passar a noite. As mulheres disseram: - Acompanhai-nos e passai a noite em nossa casa. Eles seguiram essas mulheres e foram levados a uma casa nova, ornada e decorada por diversos móveis. Era inverno e a jovem moça, tendo entrado no quarto dessas mulheres, encontrou-as chorando e se lamentando. Ao lado delas, coberta por uma manta de seda, encontrava-se um mulo com forragem à sua frente. Elas davam-lhe de comer e o beijavam.A jovem disse então: - Ó, minha senhora, como é belo este mulo! Elas responderam chorando: - Este mulo que estás vendo é nosso irmão, que nasceu de nossa mãe. Nosso pai deixou-nos com sua morte grandes riquezas e nós só tínhamos este irmão, para quem tentávamos encontrar um casamento conveniente. Porém, mulheres dominadas pelo espírito da inveja, lançaram sobre ele, sem que soubéssemos, encantamentos. E uma certa noite, um pouco antes do amanhecer, estando fechadas as portas da nossa casa, encontramos nosso irmão transformado em mulo, tal qual o vês hoje. Entregamo-nos à tristeza, visto que não tínhamos mais nosso pai para consolar-nos. Consultamos todos os sábios do mundo, todos os magos e os feiticeiros, tentamos de tudo, mas nenhum deles nada pôde fazer por nós. Eis porque sempre que nosso coração está a ponto de explodir de tristeza. Nós nos levantamos e vamos, junto com a nossa mãe que aqui está, ao túmulo de meu pai e, após haver chorado, retornamos para cá.

XXI. Volta a Ser Homem

Ao ouvir tal coisas, a jovem disse: - Tende coragem e parai de chorar, pois a cura de vossos males está muito próxima, em vossa morada. Eu era leprosa, mas após haver visto essa mulher e a criança que está com ela e que se chama Jesus, e após haver derramado sobre meu corpo a água com a qual a sua mãe o havia lavado, eu me curei. Eu sei que ele pode pôr um fim à vossa desgraça. Levantai-vos, aproximai-vos de Maria, conduzi-o aos vossos aposentos, revelai-lhe o segredo que acabais de me contar e suplicai-lhe piedade. Ao ouvirem tais palavras proferidas pela jovem, elas se apressaram em ter com Maria. Levaram o multo até o quarto e lhe disseram, chorando: - Maria, Nossa Senhora, tem compaixão de tuas servas, pois nossa família está desprovida de seu chefe e não temos um pai ou um irmão que nos proteja. Este mulo que aqui vês é nosso irmão. Algumas mulheres, com seus encantamentos, reduziram-no a este estado. Rogamos-te, pois, que tenhas piedade de nós. Maria, comovida e chorando como as mulheres, ergueu o menino Jesus e colocou-o sobre o dorso do mulo, dizendo: - Meu filho, cura este mulo através do teu grande poder e faze com que este homem recobre a razão, da qual foi privado.Nem bem essas palavras haviam saído dos lábios de Maria e o mulo já havia retomado a forma humana, mostrando-se sob os traços de um belo rapaz. Não lhe restava nenhuma deformidade. Ele, sua mãe e suas irmãs adoraram Maria e, erguendo o menino acima de suas cabeças, beijaram-no, dizendo:- Feliz de tua mãe, ó Jesus, Salvador do mundo! Felizes os olhos que gozam da felicidade da tua presença.

XXII. As Bodas

As duas irmãs disseram à mãe: - Nosso irmão retomou a forma primitiva, graças à intervenção do Senhor Jesus e aos bons conselhos dessa jovem, que nos sugeriu recorrer a Maria e ao seu filho. Agora, já que nosso irmão não está casado, pensamos que seria conveniente que ele desposasse essa moça. Após haverem feito este pedido a Maria e haver ela consentido, fizeram para as bodas preparativos esplêndidos. A dor transformou-se em alegria e o choro cedeu espaço ao riso. Elas só fizeram cantar e regozijar-se, enfeitadas com magníficas vestimentas e jóias preciosas. Ao mesmo tempo, entoavam cânticos de louvor a Deus, dizendo: - Ó, Jesus, Filho de Deus, que transformaste nossa aflição em contentamento e nossas lamúrias em gritos de alegria!José e Maria lá permaneceram por dez dias. Ao partirem, receberam demonstrações de veneração de parte de toda a família, que despediu-se deles chorando muito, principalmente a moça que se desfazia em lágrimas.

XXIII. Os Salteadores

Chegaram, em seguida, a um deserto. Como lhes haviam dito que era infestado de ladrões, prepararam-se para atravessá-lo durante a noite. Eis que, de repente, avistaram dois ladrões que dormiam e, perto deles, muitos outros ladrões, seus companheiros, que também estavam entregues ao sono. Esses dois ladrões chamavam-se Titus e Dumachus. O primeiro disse ao outro: - Eu te peço que deixes estes viajantes irem em paz, para que nossos companheiros não os vejam. Tendo Dumachus recusado, Titus disse-lhe: - Dou-te quarenta dracmas e fica com meu cinto como penhor. Deu-lhe o cinto e, ao mesmo tempo, pediu que não desse alarme. Maria, vendo esse ladrão tão disposto a serví-los, disse-lhe: - Que Deus te proteja com sua mão direita e que ele te conceda a remissão de teus pecados. O Senhor Jesus disse a Maria: - Daqui a trinta anos, ó minha mãe, os judeus me crucificarão em Jerusalém e estes dois ladrões serão postos na cruz ao meu lado: Titus à minha direita e Dumachus à minha esquerda. Neste dia, Titus me precederá no Paraíso. Quando ele assim falou, sua mãe respondeu-lhe: - Que Deus afaste de ti semelhante desgraça, ó meu filho! Foram dar, em seguida, em uma cidade, cheia de ídolos. Quando eles se aproximavam, ela foi transformada em um monte de areia.

XXIV. A Sagrada Família em Mataréia

Foram ter, em seguida, a um sicômoro, que chamam hoje de Mataréia, e o Senhor Jesus fez surgir neste lugar uma fonte, onde Maria lavou sua túnica. O bálsamo que produz esse país vem do suor que escorreu pelos membros de Jesus.

XXV. A Sagrada Família em Mênfis

Foram então a Mênfis e, tendo visitado o faraó, permaneceram três anos no Egito, onde o Senhor Jesus fez muitos milagres, que não estão consignados nem no Evangelho da Infância, nem no Evangelho Completo.

XXVI. volta para nazaré

Depois de três anos, eles deixaram o Egito e voltaram para a Judéia. Quando já estavam próximos, José teve medo de entrar lá, porque acabara de saber que Herodes estava morto e que seu filho Arquelaus havia lhe sucedido. Um anjo de Deus apareceu-lhe, porém, e disse-lhe: - José, vai para a cidade de Nazaré e estabelece ali tua residência.

XXVII. A Peste em Belém

Quando chegaram a Belém, havia uma proliferação de doenças graves e difíceis de serem curadas, que atacavam os olhos das crianças e lhes causavam a morte. Uma mulher, que tinha um filho atacado por esse mal, levou-o a Maria e encontrou-a banhando o Senhor Jesus. A mulher disse-lhe: - Maria, vê meu filho que sofre cruelmente. Maria, ouvindo-a, disse-lhe: - Pegue um pouco desta água com a qual eu lavei meu filho e espalha-a sobre o teu. A mulher fez como lhe havia recomendado Maria e seu filho, depois de uma forte agitação, adormeceu. Quando acordou, estava completamente curado. A mulher, cheia de alegria, foi até Maria, que lhe disse: - Rende graças a Deus por ele haver curado o teu filho.

XXVIII. Outro Menino Agonizante

Essa mulher tinha uma vizinha cujo filho fora atingido pela mesma doença e cujos olhos estavam quase fechados. Ele gritava e chorava noite e dia. Aquela cujo filho havia sido curado disse-lhe: - Por que não levas teu filho a Maria, como eu fiz, quando o meu estava prestes a morrer e ele foi curado pela água do banho de Jesus? A mulher foi pegar também daquela água e, assim que ela derramou sobre seu filho, ele foi curado. Levou então seu filho em perfeita saúde para Maria, que lhe recomendou que rendesse graças a Deus e que não contasse a ninguém o que havia acontecido.

XXIX. O Menino no Forno

Havia na mesma cidade duas mulheres casadas com um mesmo homem e cada uma delas tinha um filho doente. Uma se chamava Maria e seu filho, Cleofás. Essa mulher levou seu filho a Maria, mãe de Jesus, e ofereceu uma bela toalha, dizendo-lhe: - Maria, recebe de mim essa toalha e, em troca, dá-me uma das tuas fraldas. Maria consentiu e a mãe de Cleofás confeccionou, com essa fralda, uma túnica, com a qual vestiu seu filho. Ele ficou curado e o filho de sua rival morreu no mesmo dia, o que causou profundo ressentimento entre essas duas mulheres.Elas se encarregavam, em semanas alternadas, dos trabalhos caseiros e, um dia em que era vez de Maria, a mãe de Cleofás, ela estava ocupada aquecendo o forno para assar pão. Precisando de farinha, deixou seu filho perto do forno. Sua rival, vendo que a criança estava sozinha, pegou-a e jogou-a no forno em brasa e fugiu. Maria retornou logo em seguida, mas qual não foi o seu espanto, quando ela viu seu filho no meio do forno, rindo, pois ele havia subitamente esfriado, como se jamais houvesse sido aquecido. Ela suspeitou que sua rival o havia jogado ali. Tirou-o de lá, levou-o até a Virgem Maria e contou-lhe o que havia acontecido. Maria disse-lhe: - Cala-te, pois eu receio por ti se divulgares tais coisas! Em seguida, a rival foi buscar água no poço e, vendo Cleofás brincando e percebendo que não havia ninguém por perto, pegou a criança e jogou-a no poço. Alguns homens que haviam vindo para tirar água viram a criança sentada na água, sem nenhum ferimento, e por meio de cordas tiraram-na de lá. Ficaram tão admirados com essa criança que renderam-lhe as mesmas homenagens devidas a um Deus. Sua mãe, chorando, carregou-o até Maria e disse-lhe: - Minha senhora, vê o que minha rival fez ao meu filho, jogando-o no poço. Ah, ela acabará, por certo, causando-lhe a morte! Maria respondeu-lhe: - Deus punirá o mal que te foi feito. Alguns dias depois, a rival foi buscar água no poço e seus pés enroscaram-se na corda e ela caiu nele. Quando acorreram, acharam-na com a cabeça partida. Ela morreu, portanto, de uma forma funesta. A palavra do sábio se cumpre em si: - Cavaram um poço e jogaram a terra em cima, mas caíram no poço que eles mesmos haviam preparado.

XXX. Um Futuro Apóstolo

Uma outra mulher da mesma cidade tinha dois filhos, os dois doentes. Um morreu e o outro estava agonizando. Sua mãe tomou-o nos braços e levou-o até Maria. Aos prantos, disse-lhe: - Minha senhora, vem em meu auxílio e tem piedade de mim. Eu tinha dois filhos, acabo de perder um e vejo o outro a ponto de morrer. Imploro a misericórdia do Senhor.E pôs-se a gritar: - Senhor, tu és pleno em clemência e compaixão! Tu me deste dois filhos, me levaste um deles, pelo menos deixa-me o outro. Maria, testemunha da sua extrema dor, sentiu pena e disse-lhe: - Coloca teu filho na cama de meu filho e cobre-o com suas roupas. Quando a criança foi colocada na cama, ao lado de Jesus, seus olhos já cerrados pela morte abriram-se e, chamando sua mãe em voz alta, pediu-lhe pão. Quando lhe deram, comeu-o. Então sua mãe disse: - Maria, eu sei que a virtude de Deus habita em ti, a ponto de teu filho curar as crianças que o tocam. A criança que assim foi curada é o mesmo Bartolomeu se quem se fala no Evangelho.

XXXI. Uma Leprosa

Havia ainda no mesmo lugar uma leprosa que foi ter com Maria, mãe de Jesus, dizendo-lhe: - Minha senhora, tem piedade de mim. Maria quis saber: - Que ajuda pedes tu? Queres ouro, prata ou queres te curar da lepra? A mulher respondeu: - Que podes fazer por mim? Maria disse: - Espera um pouco, até que eu tenha banhado e posto meu filho na cama. A mulher esperou e Maria, após o haver deitado, estendeu à mulher um vaso cheio de água do banho do seu filho e disse-lhe: - Pega um pouco desta água e espalha-a sobre o teu corpo. Assim que a doente obedeceu, curou-se e ela rendeu graças a Deus.

XXXII. Outra Leprosa

Ela partiu em seguida, após haver permanecido três dias junto de Maria, e foi para uma cidade onde morava um príncipe, que havia desposado a filha de um outro príncipe. Quando ele viu sua esposa, porém, percebeu entre seus olhos as marcas da lepra sob a forma de uma estrela e o seu casamento foi declarado nulo e não válido.Essa mulher, vendo o desespero da princesa, perguntou-lhe a causa dessas lágrimas.A princesa respondeu-lhe: - Não me interrogues, pois a minha desgraça é tanta que eu não posso revelá-la a ninguém. A mulher insistia em saber, dizendo que talvez conhecesse algum remédio. Ela viu então as marcas da lepra entre os olhos da princesa. - Eu também fui atingida por essa doença. Fui a Belém para tratar de negócios e lá entrei numa caverna onde vi uma mulher chamada Maria. Ela carregava uma criança que se chamava Jesus. Vendo-me atingida pela lepra, ela teve pena de mim e me deu um pouco da água na qual havia lavado o corpo de seu filho. Eu espalhei essa água sobre meu corpo e fui imediatamente curada. A princesa disse-lhe então: - Levanta-te, vem comigo e mostra-me Maria. Ela foi, levando ricos presentes. Quando Maria a viu, disse: - Que a misericórdia do Senhor Jesus esteja sobre ti. Ela lhe deu um pouco da água na qual havia lavado seu filho. Assim que a princesa espalhou-a sobre o próprio corpo, ela se viu curada e rendeu graças ao Senhor, assim como todos os que ali estavam. O príncipe, ao saber que sua esposa havia sido curada, recebeu-a, celebrou um segundo casamento, e rendeu graças a Deus.

XXXIII. Uma Jovem Endemoninhada

Havia, no mesmo lugar, uma jovem que Satã atormentava. O espírito maldito aparecia-lhe sob a forma de um dragão, que queria devorá-la. Ele já havia sugado todo o sangue, de maneira que ela se parecia com um cadáver. Todas as vezes em que ele se jogava sobre ela, ela gritava e, juntando as mãos sobre a cabeça, dizia: - Desgraça, desgraça de mim, pois não existe ninguém que possa livrar-me deste horrível dragão. Seu pai, sua mãe e todos aqueles que a cercavam, testemunhas de sua infelicidade, entregavam-se à aflição e derramavam lágrimas, principalmente quando a viam chorar e gritar: - Irmãos e amigos, não existirá ninguém que possa libertar-me deste monstro? A princesa, que havia sido curada da lepra, ouvindo a voz dessa infeliz, subiu até o telhado de seu castelo e viu-a com as mãos unidas acima da cabeça, a verter copiosas lágrimas. Todos aqueles que a rodeavam estavam desolados. Ela perguntou se a mãe dessa possuída vivia ainda. Quando lhe responderam que o seu pai e sua mãe estavam ambos vivos, ela disse: - Tragam sua mãe até mim.Quando esta chegou, ela lhe perguntou: - É tua filha que está assim possuída? A mãe, tendo respondido que sim, chorou, mas a princesa disse-lhe: - Não revela o que vou te contar. Eu já fui uma leprosa, mas Maria, a mãe de Jesus Cristo, me curou. Se queres que tua filha tenha a mesma felicidade, leva-a a Belém e implora com fé a ajuda de Maria. Eu creio que voltarás cheia de alegria, trazendo tua filha curada. Imediatamente a mãe levantou-se e partiu. Foi procurar Maria e expôs-lhe o estado de sua filha. Maria, após tê-la ouvido, deu-lhe um pouco da água, na qual ela havia lavado seu filho Jesus, e disse-lhe para derramá-la sobre o corpo da possuída. Em seguida deu-lhe uma fralda do menino Jesus, acrescentando: - Pega isto e mostra-o a teu inimigo, todas as vezes em que o vir. Dizendo isso, despediu-as com suas bênçãos.

XXXIV. Outra Possessa

Após haver deixado Maria, elas retornaram à sua cidade. Quando veio o tempo no qual Satã costumava atormentá-la, ele lhe apareceu sob a forma de um grande dragão. Ao ver a sua aparência, a jovem foi tomada pelo pavor, mas sua mãe disse-lhe: - Não temas, minha filha! Deixa que ele se aproxime mais de ti e mostre-lhe esta fralda que nos deu Maria e veremos o que ele poderá fazer. Quando o espírito maligno, que havia tomado a forma de um dragão, estava bem perto, a doente, tremendo de medo, colocou sobre sua cabeça a fralda e desdobrou-a. De repente, dela saíram chamas que se dirigiam à cabeça e aos olhos do dragão. Ouviu-se, então, uma voz que gritava: - Que há entre ti e mim, ó Jesus, filho de Maria? Onde encontrarei um abrigo que me livre de ti? Satã fugiu apavorado, abandonando essa jovem e nunca mais apareceu. Ela se viu curada e, grata, rendeu graças a Deus, assim como todos os que haviam presenciado esse milagre.

XXXV. Judas Iscariotes

Havia nessa mesma cidade uma outra mulher cujo filho era atormentado por Satã. Ele se chamava Judas e sempre que o espírito maligno apoderava-se dele, ele tentava morder todos os que estavam à sua volta. Se estivesse sozinho, mordia suas próprias mãos e membros. A mãe desse infeliz, ouvindo falar de Maria e de seu filho Jesus, foi com seu filho nos braços até Maria. Nesse meio tempo, Tiago e José haviam trazido o menino Jesus para fora da casa, para que pudesse brincar com as outras crianças. Eles estavam sentados fora da casa e Jesus com eles. Judas aproximou-se também e sentou-se à direita de Jesus e, quando Satã começou a agitá-lo como sempre o fazia, ele tentou morder Jesus. Como não podia alcançá-lo, dava-lhe socos no lado direito, de forma que Jesus começou a chorar. Nesse momento, entretanto, Satã saiu dessa criança sob a forma de um cão enraivecido. Essa criança era Judas Iscariotes, que mais tarde trairia Jesus. O lado em que ele havia batido foi o lado que os judeus trespassaram com a lança.

XXXVI. AS Estatuazinhas de Barro

Quando o Senhor Jesus havia completado o seu sétimo ano, ele brincava um dia com outras crianças de sua idade. Para divertir-se, eles faziam com terra molhada diversas imagens de animais, de lobos, de asnos, de pássaros, cada um elogiando seu próprio trabalho e esforçando-se para que fosse melhor que o de seus companheiros. Então o Senhor Jesus disse para as crianças: - Ordenarei às figuras que eu fiz que andem e elas andarão. As crianças perguntaram-lhe se ele era o filho do Criador e o Senhor Jesus ordenou às imagens que andassem e elas imediatamente andaram. Quando ele mandava voltar, elas voltavam. Ele havia feito figuras de pássaros que voavam, quando ele ordenava que voassem, e que paravam, quando ele dizia para parar. Quando ele lhes dava bebida e comida, eles comiam e bebiam. Quando as crianças foram embora e contaram aos seus pais o que haviam visto, eles disseram: - Fugi, daqui em diante, de sua companhia, pois ele é um feiticeiro! Deixai de brincar com ele!

XXXVII. As Cores do Tintureiro

Certo dia, quando brincava e corria com outras crianças, o Senhor Jesus passou em frente à loja de um tintureiro, que se chamava Salém. Havia nessa loja tecidos que pertenciam a um grande número de habitantes da cidade e que Salém se preparava para tingir de várias cores. Tendo Jesus entrado na loja, pegou todas as fazenda e jogou-as na caldeira. Salém virou-se e, vendo todas as fazendas perdidas, pôs-se a gritar e a repreender Jesus, dizendo: - Que fizeste tu, ó filho de Maria? Prejudicaste a mim e a meus cidadãos. Cada um pediu uma cor diferente e tu apareceste e puseste tudo a perder. O Senhor Jesus respondeu: - Qualquer fazenda que queiras mudar a cor, eu mudo. Ele se pôs a retirar as fazendas da caldeira e cada uma estava tingida da cor que desejava o tintureiro. Os judeus, testemunhando esse milagre, celebraram o poder de Deus.

XXXVIII. Jesus na Carpintaria

José ia por toda a cidade, levando com ele o Senhor Jesus. Chamavam-no para que fizesse portas, arcas e catres e o Senhor Jesus estava sempre com ele. E sempre que a obra de José precisava ser mais comprida ou mais curta, mais larga ou mais estreita, o Senhor Jesus estendia a mão e ela ficava exatamente do jeito que queria José, de forma que ele não precisava retocar nada com sua própria mão, pois ele não era muito hábil no ofício de marceneiro.

XXXIX. Uma Encomenda do Rei

Um dia, o rei de Jerusalém mandou chamá-lo e disse: - Eu quero, José, que me faças um trono segundo asdimensões do lugar onde costumo sentar-me. José obedeceu e, pondo mãos àobra, passou dois anos no palácio para elaborar esse trono. Quando ele foi colocado no lugar onde deveria ficar,perceberam que de cada lado faltavam dois palmos à medida fixada. Então o rei ficou bravo com José, que temendo a raiva do monarca, não conseguiu comer e deitou-se em jejum. O Senhor perguntou-lhe qual era a causa do seu receio e ele respondeu: - É que a obra na qual trabalhei durante dois anos estáperdida.O Senhor Jesus respondeu-lhe: - Não tenhas medo e não percas a coragem. Pegue este lado do trono e eu o outro, para que possamos dar-lhe a medida exata. José fez o que havia lhe pedido o Senhor Jesus e cada um puxou para um lado. O trono obedeceu e ficou exatamente com a dimensão desejada. Os assistentes, vendo esse milagre, ficaram estupefatos e deram graças a Deus. Esse trono fora feito com uma madeira do tempo de Salomão, filho de Davi, e que era notável por seus nós, que representavam várias formas de figuras.

XL. Os Meninos

Num outro dia, o Senhor Jesus foi até a praça e vendo as crianças que se haviam reunido para brincar, juntou-se a elas. Essas, tendo-o visto, esconderam-se e o Senhor Jesus foi até uma casa e perguntou às mulheres que estavam à porta, onde as crianças haviam ido. Como elas responderam que não havia nenhuma delas na casa, o Senhor Jesus disse-lhes: - Que vocês estão vendo sob este arco? Elas responderam que eram carneiros com três anos de idade e o Senhor Jesus gritou: - Saí, carneiros, e vinde em direção ao vosso pastor. Imediatamente as crianças saíram, transformadas em carneiros, e saltavam ao seu redor. As mulheres, tendo visto isso, foram tomadas de pavor e adoraram o Senhor Jesus, dizendo: - Jesus, filho de Maria, nosso Senhor, tu és verdadeiramente o bom Pastor de Israel. Tem piedade de tuas servas que estão em tua presença e que não duvidam, Senhor, que tu vieste para curar e não para perder. O Senhor respondeu que as crianças de Israel estavam entre os povos como os Etíopes. As mulheres disseram: - Senhor, conheces as coisas e nada escapa à tua infinita sabedoria. Pedimos e esperamos a tua misericórdia. Devolve a essas crianças sua antiga forma. O Senhor Jesus disse, então: - Vinde, crianças, para que possamos brincar. Imediatamente, na presença das mulheres, os carneiros retomaram a aparência de crianças.

XLI. Jesus Rei

No mês do Adar, Jesus reuniu as crianças e colocou-se como o seu rei. Elas haviam estendido suas roupas no chão para fazê-lo sentar-se sobre elas e haviam colocado sobre sua cabeça uma coroa de flores. Como os satélites que acompanham um rei, elas se haviam enfileirado à sua direita e à sua esquerda. Se alguém passava por lá, as crianças faziam parar à força e diziam-lhe: - Vem e adora o rei, para que obtenhas uma feliz viagem.

XLII. Simão, o Cananeu

Nisso chegaram alguns homens que carregavam uma criança em uma liteira. Esse menino havia ido até a montanha com seus colegas para apanhar lenha e, tendo encontrado um ninho de perdiz, pôs a mão para retirar os ovos. Uma serpente, escondida no ninho, no entanto, mordeu-o e ele chamou os companheiros para socorrê-lo. Quando chegaram, eles o encontraram estendido no chão e quase morto. Alguns familiares vieram e levaram-no à cidade. Ao chegaram ao local onde o Senhor Jesus estava sentado em seu trono como um rei, com outras crianças à sua volta, como sua corte, essas foram ao encontro dos que carregavam o moribundo e disseram-lhes: - Vinde e saudai o rei! Como eles não queriam aproximar-se por causa da tristeza que sentiam, as crianças traziam-nas à força. Quando estavam na frente do Senhor Jesus, ele perguntou-lhe por que estavam carregando aquela criança. Responderam que uma serpente a havia mordido e o Senhor Jesus disse às crianças: - Vamos juntos e matemos a serpente! Os pais da criança que estava prestes a morrer suplicaram para que os deixassem ficar, mas elas responderam: - Não ouvistes que o rei disse vamos e matemos a serpente? Devemos seguir suas ordens. Apesar da sua oposição, eles retornaram à montanha, carregando a liteira. Quando chegaram perto do ninho, o Senhor Jesus disse às crianças: - Não é aqui que se esconde a serpente? Eles responderam que sim e a serpente, chamada pelo Senhor Jesus, saiu e submeteu-se a ele. O Senhor disse-lhe: - Vai e suga todo o veneno que espalhaste nas veias dessa criança. A serpente, arrastando-se, sugou todo o veneno que ela havia inoculado e o Senhor, em seguida, amaldiçoou-a e, fulminada, morreu logo em seguida. Depois o Senhor Jesus tocou a criança com sua mão e ela foi curada. Como ela se pusesse a chorar, o Senhor Jesus disse-lhe: - Não chores, serás meu discípulo! Essa criança foi Simão de Cananéia, de quem se faz menção no Evangelho.

XLIII. Jesus e Tiago

Num outro dia, José havia mandado seu filho Tiago para apanhar lenha e o Senhor Jesus se havia juntado a ele para ajudá-lo. Quando chegaram ao lugar onde ficava a lenha, Tiago começou a apanhá-la e eis que uma víbora mordeu-o e ele se pôs a gritar e a chorar. O Senhor Jesus, vendo-o naquele estado, aproximou-se e soprou o local da mordida. Tiago foi imediatamente curado.

XLIV. O Menino que Caiu e Morreu

Um dia, o Senhor Jesus estava brincando com outras crianças em cima de um telhado e uma delas caiu e morreu na hora. As outras fugiram e o Senhor Jesus ficou sozinho em cima do telhado. Então os pais do morto chegaram e disseram ao Senhor Jesus: ` - Foste tu que empurraste nosso filho do alto telhado. Como ele negasse, eles repetiram mais alto: - Nosso filho morreu e eis aqui quem o matou.O Senhor Jesus respondeu: - Não me acuseis de um crime do qual não tendes nenhuma prova. Perguntemos, porém, à própria criança o que aconteceu. O Senhor Jesus desceu, colocou-se perto da cabeça do morto e disse-lhe em voz alta: - Zeinon, Zeinon, quem foi que te empurrou do alto do telhado? O morto respondeu: - Senhor, não foste tu a causa da minha queda, mas foi o terror que me fez cair. O Senhor recomendou aos presentes que prestassem atenção a essas palavras e todos eles louvaram a Deus por este milagre.

XLV. O Cântaro Quebrado

Maria havia mandado, um dia, o Senhor Jesus tirar água do poço. Quando ele havia cumprido a tarefa e colocava sobre a cabeça o cântaro cheio, ele partiu-se. O Senhor Jesus, tendo estendido o seu manto, levou para sua mãe a água recolhida e ela se admirou e guardou em seu coração tudo o que havia visto.

XLVI. Brincando com o Barro

Um dia, o Senhor Jesus estava na beira do rio com outras crianças. Haviam cavado pequenas valas para fazer escorrer a água, formando assim pequenas poças. O Senhor Jesus havia feito doze passarinhos de barro e os havia colocado ao redor da água, três de cada lado. Era um dia de Sabbath e o filho de Hanon, o Judeu, veio e vendo-os assim entretidos, disse-lhes: - Como podeis, em um dia de Sabbath, fazer figuras com lama? Ele se pôs, então, a destruir tudo. Quando o Senhor Jesus estendeu as mãos sobre os pássaros que havia moldado, eles saíram voando e cantando. Em seguida, o filho de Hanon, o Judeu, aproximou-se da poça cavada por Jesus para destruí-la, mas a água desapareceu e o Senhor Jesus disse-lhe: - Vê como está água secou? Assim será a tua vida. E a criança secou.

XLVII. Uma Morte Repentina

Certa noite, o Senhor Jesus voltava para casa com José, quando uma criança passou correndo na sua frente e deu-lhe um golpe tão violente que o Senhor Jesus quase caiu. Ele disse a essa criança: - Assim como tu me empurraste, cai e não levantes mais. No mesmo instante, a criança caiu no chão e morreu.

XLVIII. Jesus e o Professor

Havia, em Jerusalém, um homem, chamado Zaqueu, que instruía os jovens. Ele disse a José: - José, por que não me envias Jesus para que ele aprenda as letras? José concordou e também Maria. Levaram, pois, a criança para o professor e assim que ele o viu, escreveu o alfabeto e pediu-lhe que pronunciasse Aleph. Quando ele o fez, pediu-lhe para dizer Beth. O Senhor Jesus disse-lhe: - Dize-me primeiro o que significa Aleph e aí então eu pronunciarei Beth. O professor preparava-se para chicoteá-lo, mas o Senhor Jesus pôs-se a explicar o significado das letras Aleph e Beth, quais as letras de linhas retas, quais as oblíquas, as que tinhas desenho duplo, as que tinham pontos, aquelas que não tinham e porque tal letra vinha antes da outra, enfim, ele disse muitas coisas que o professor jamais ouvira e que não havia lido em livro algum. O Senhor Jesus disse ao professor: - Presta atenção ao que vou te dizer! E pôs-se a recitar clara e distintamente Aleph, Beth, Ghimel, Daleth, até o fim do alfabeto. O mestre ficou admirado e disse: - Creio que esta criança nasceu antes de Noé. Virando-se para José, acrescentou: - Tu o conduziste para que eu o instruísse, mas esta criança sabe mais que todos os doutores. Depois disse a Maria: - Teu filho não precisa de ensinamentos.

XLIX. O Professor Castigado

Conduziram-no, em seguida, a um professor mais sábio e assim que o viu. ordenou: - Dize Aleph! Quando o Senhor Jesus disse Aleph, o professor pediu-lhe que pronunciasse Beth. O Senhor Jesus respondeu-lhe: - Dize-me o que significa a letra Aleph e então eu pronunciarei Beth. O mestre, irritado, levantou a mão para bater nele, mas sua mão secou instantaneamente e ele morreu. Então José disse a Maria: - Daqui por diante, não devemos mais deixar o menino sair de casa, pois qualquer um que se oponha a ele é fulminado pela morte.

L. Jesus, o Mestre

Quando contava doze anos de idade, levaram Jesus a Jerusalém por ocasião da festa e, quando ele terminou, eles voltaram, mas o Senhor Jesus permaneceu no templo, em meio aos doutores, aos velhos e aos mais sábios dos filhos de Israel, que ele interrogava sobre diferentes pontos da ciência, mas também respondia-lhes as perguntas. Jesus perguntou-lhes: - De quem é filho o Messias? Eles responderam: - Este é o filho de Davi. Jesus respondeu: - Por que então Davi, movido pelo Espírito Santo, chama-o Senhor, quando diz que o Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à minha direita para que coloque teus inimigos aos teus pés'? Um importante rabino interrogou-o, dizendo: - Leste os livros sagrados? O Senhor Jesus respondeu: - Eu li os livros e o que eles contêm. Dito isso, explicou-lhes as Escrituras, a lei, os preceitos, os estatutos, os mistérios que estão contidos nos livros das profecias e que a inteligência de nenhuma criatura pode compreender. E o principal entre os doutores disse: - Eu jamais vi ou ouvi tamanha instrução. Quem credes que seja essa criança?

LI. Jesus e o Astrônomo

Havia lá um filósofo, astrônomo sábio, que perguntou ao Senhor Jesus se ele havia estudado a ciência dos astros. Jesus, respondendo-lhe, expôs o número de esferas e de corpos celestes, sua natureza e sua oposição, seu aspecto trinário, quaternário e sêxtil, sua progressão e seu movimento de leste para oeste, o cômputo e o prognóstico e outras coisas que a razão de nenhum homem escrutou.

LII. Jesus e o Médico

Havia entre eles um filósofo muito sábio em medicina e ciências naturais e quando ele perguntou ao Senhor Jesus se ele havia estudado a medicina, este expôs-lhe a física, a metafísica, a hiperfísica e a hipofísica, as virtudes do corpo, os humores e seus efeitos, o número de membros e de ossos, de secreções, de artérias e de nervos, as temperaturas, calor e seco, frio e úmido e quais as suas influências, quais as atuações da alma no corpo, suas sensações e suas virtudes, a faculdade da palavra, da raiva, do desejo, sua composição e dissolução e outras coisas que a inteligência de nenhuma criatura jamais alcançou. Então o filósofo ergueu-se e adorou o Senhor Jesus, dizendo: - Senhor, daqui em diante serei teu discípulo e ter servo.

LIII. Jesus É Encontrado

Enquanto Jesus assim falava, Maria apareceu, junto com José, pois fazia três dias que procuravam por Jesus. Vendo-o sentado entre os doutores, interrogando-os e respondendo-lhe alternadamente, ela lhe disse: - Meu filho, por que agiste assim conosco? Teu pai e eu te procuramos e tua ausência causou-nos muita aflição. Ele respondeu: - Por que me procuráveis? Não sabíeis que convinha que eu permanecesse na casa de meu Pai? Eles não entendiam as palavras que ele lhes dirigia. Então os doutores perguntaram a Maria se ele era seu filho e tendo ela respondido que sim, eles exclamaram: - Ó feliz Maria, que deste à luz tal criança. Ele voltou com os pais para Nazaré e ele lhes era submisso em tudo. Sua mãe conservava todas as suas palavras em seu coração e o Senhor Jesus crescia em tamanho, em sabedoria e em graça diante de Deus e diante dos homens.

LIV. Via Oculta

Ele começou desde esse dia a esconder os seus segredos e seus mistérios, até que completou trinta anos, quando seu Pai, revelando publicamente sua missão às margens do Jordão, fez soar, do alto do céu, essas palavras: - É meu filho bem-amado no qual coloquei toda minha complacência. Foi quando o Espírito Santo apareceu sob a forma de uma pomba branca.

LV. Doxologia

É a ele que humildemente adoramos, pois ele nos deu a existência e a vida. Ele nos fez sair das entranhas de nossas mães, tomou, por nós, o corpo de homem e nos redimiu, cobrindo-nos com sua misericórdia eterna e concedendo-nos a graça do seu amor e de sua bondade. A ele, portanto, glória, poder, louvores e domínio por todos os séculos. Que assim seja!

* * *
Fonte: Mucheroni HP (http://www.mucheroni.hpg.ig.com.br/)

Evangelho Sírio da Infância do Salvador

(atribuído a São Tomé)

I

Eu, Tomé Israelita, julguei necessário levar ao conhecimento de todos os irmãos descendentes dos gentios, a Infância de Nosso Senhor Jesus Cristo e tantas quantas maravilhas ele realizou, depois de nascer em nossa terra. O princípio é como segue. II

Esse Menino Jesus, que na época tinha cinco anos, encontrava-se um dia brincando no leito de um riacho, depois de haver chovido. Represando o correnteza em pequenas poças, tornava-as instantaneamente cristalinas, dominando-as somente com sua a palavra.

Fez depois uma massa mole com barro e com ela formou uma dúzia de passarinhos. Era um Sabbath e havia outros meninos brincando com ele. Um certo homem judeu, vendo o que Jesus acabara de fazer num dia de festa, foi correndo até seu pai, José, e contou-lhe tudo:

— Olha, teu filho está no riacho e juntando um pouco de barro fez uma dúzia de passarinhos, profanando com isso o dia do Sabbath.

José foi ter ao local e, ao vê-lo, ralhou com ele dizendo:

— Por que fazes no Sabbath o que não é permitido?

Jesus, batendo palmas, dirigiu-se às figurinhas, ordenando-lhes:

— Voai!

Os passarinhos foram todos embora, gorjeando. Os judeus, ao verem isso, encheram-se de admiração e foram contar aos seus superiores o que haviam visto Jesus fazer.

III

Encontrava-se ali presente o filho de Anás, o escriba, e teve a idéia de fazer escoar as águas represadas por Jesus, usando uma planta de vime.

Ante essa atitude, Jesus indignou-se e disse:

— Malvado, ímpio e insensato. Será que as poças e as águas te estorvavam? Ficarás agora seco como uma árvore, sem que possas dar folhas, nem raiz nem frutos.

Imediatamente o rapaz tornou-se completamente seco. Os pais pegaram o infeliz, chorando a sua tenra idade, e o levaram ante José, maldizendo-o por ter um filho que fazia tais coisas.

IV

De outra feita, Ele andava em meio ao povo e um rapaz que vinha correndo esbarrou em suas costas. Irritado, Jesus disse-lhe:

— Não prosseguirás teu caminho.

Imediatamente o rapaz caiu morto. Algumas pessoas que viram o que se passara, disseram:

— De onde terá vindo esse rapaz, pois todas as suas palavras tornam-se fatos consumados?

Os pais do defunto, chegando a José, interpelaram-no, dizendo:

— Com um filho como esse, de duas uma: ou não podes viver com o povo ou tens de acostumá-lo a abençoar e não a amaldiçoar, pois causa a morte aos nossos filhos.

V

José chamou Jesus à parte e admoestou-o da seguinte maneira:

— Por que fazes tais coisas, se elas se tornam a causa de nos odiarem e perseguirem?

Jesus replicou:

— Bem sei que essas palavras não vêm de ti, mas calarei por respeito a tua pessoa. Esses outros, ao contrário, receberão seu castigo.

No mesmo instante, aqueles que havia falado mal dele ficaram cegos.

As testemunhas dessa cena encheram-se de pavor e ficaram perplexas, confessando que qualquer palavra de sua boca, fosse boa ou má, tornava-se um fato e convertia-se numa maravilha. Quando José percebeu o que Jesus havia feito, agarrou sua orelha e puxou-a fortemente.

O rapaz indignou-se e disse-lhe:

— A ti é suficiente que me vejas sem me tocares. Tu nem sabes quem sou, pois se soubesses não me magoarias. Ainda que neste instante eu esteja contigo, fui criado antes de ti.

VI

Naquela época, encontrava-se em um local próximo um certo rabino de nome Zaqueu, o qual, ouvindo Jesus falar dessa maneira com seu pai, encheu-se de admiração ao ver que, sendo menino, dizia tais coisas.

Passados alguns dias, aproximou-se de José e disse:

— Vejo que tens um filho sensato e inteligente. Confia-o a mim para que aprenda as letras. Eu, de minha parte, juntamente com elas, ensinar-lhe-ei toda espécie de sabedoria e a arte de saudar os mais velhos, de respeitá-los como superiores e pais e de amar seus semelhantes.

Disse-lhe todas as letras com grande esmero e clareza, desde Alfa até Ômega. Jesus, porém, fixou seus olhos no rabino Zaqueu e indagou-lhe:

— Como te atreves a explicar Beta aos outros, se tu mesmo ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Explica primeiro a letra A, se é que sabes, e depois acreditaremos em tudo o que disseres com relação a B.

Começou a interrogar o professor sobre a primeira letra, porém este não pôde responder-lhe.

Disse então a Zaqueu, na presença de todos:

— Aprende, professor, a constituição da primeira letra e repara como tem linhas e traços médios, aqueles que vês unidos transversalmente, conjuntos, elevados, divergentes... Os traços contidos na letra A são de três sinais: homogêneos, equilibrados e proporcionados.

VII

O professor Zaqueu, quando ouviu a exposição feita pelo menino sobre tantas e tais alegorias acerca da primeira das letras, ficou desconcertado diante da resposta e da erudição que ele manifestava.

Disse aos presentes:

— Pobre de mim! Não sei o que fazer, pois eu mesmo procurei a confusão ao trazer este jovem para junto de mim. Leva-o, então, irmão José! Rogo-te! Não posso suportar a severidade do seu olhar. Não consigo fazer com que seu discurso seja inteligível para mim. Este jovem não nasceu na terra. É capaz de dominar até mesmo o fogo. Talvez tenha nascido antes da criação do mundo. Não sei qual o ventre que pôde tê-lo carregado e qual seio pôde havê-lo nutrido. Ai de mim! Meu amigo, estou aturdido. Não posso seguir o vôo de sua inteligência. Enganei-me, pobre de mim! Queria muito ter um aluno e deparei-me com um mestre. Percebo perfeitamente, amigos, a minha confusão, pois, velho e tudo o mais, deixei-me vencer por uma criança. É de se ficar arrasado e morrer por causa desse jovem, pois neste momento sou incapaz de olhá-lo fixamente. Que vou respondeu quando todos me disserem que me deixei vencer por um rapazote? Que vou explicar a respeito do que ele me disse sobre as linhas da primeira letra? Não sei, amigos, porque ignoro a origem e o destino dessa criatura. Por isso te rogo, irmão José, que o leves para casa. É algo extraordinário: ou um Deus ou um anjo, ou já não sei o que dizer.

VIII

Enquanto os judeus se entretinham em dar conselhos a Zaqueu, o menino pôs-se a rir com muita vontade e disse:

— Frutificai agora vossas coisas e abri os olhos à luz os cegos de coração. Vim de cima para amaldiçoar-vos e depois charmar-vos para o alto, pois esta é a ordem daquele que me enviou por vossa causa.

Quando o menino terminou de falar, sentiram-se imediatamente curados todos aqueles que haviam caído sob a maldição. Desde então, ninguém ousava irritá-lo para que ele não os amaldiçoasse ou viessem a ficar cegos.

IX

Dias depois, encontrava-se Jesus brincando num terraço. Um dos meninos que estavam com ele caiu do alto e morreu. Os outros, ao verem isso, foram-se embora e somente Jesus ficou. Pouco depois chegaram os pais do morto e puseram a culpa nele.

Disse-lhes Jesus:

— Não, não. Eu não o empurrei.

Apesar disso, eles o maltrataram. Jesus deu um salto de cima do terraço, vindo cair junto ao cadáver. Pôs-se a gritar bem alto:

— Zenon — assim se chamava o menino, — levanta-te e responda-me: fui eu quem te empurrou?

O morto levantou-se num instante e disse:

— Não, Senhor. Tu não me jogaste, porém me ressuscitaste.

Ao ver isso, todos os presentes ficaram consternados . Os pais do menino glorificaram a Deus por aquele maravilhoso feito e adoraram a Jesus.

X

Poucos dias depois, estava um jovem cortando lenha nas redondezas e aconteceu que o machado escapou e cortou a planta do seu pé. O infeliz estava morrendo rapidamente por causa da hemorragia.

Sobreveio por isso um grande alvoroço e juntou muita gente. Também Jesus veio ter ali. Depois de abrir espaço à força por entre a multidão, chegou junto do ferido e com suas mãos apertou o pé injuriado do jovem, que num instante ficou curado.

Disse então ao rapaz:

— Levanta-te já! Continua cortando lenha e lembra-te de mim!

A multidão, quando se deu conta do que havia acontecido, adorou o Menino dizendo:

— Verdadeiramente, o Espírito de Deus habita esse rapaz.

XI

Quando tinha seis anos, sua mãe deu-lhe certa vez um cântaro para que fosse enchê-lo de água e o trouxesse para casa. No caminho, Jesus tropeçou nas pessoas e a vasilha quebrou-se. Ele, então, estendeu o manto com o qual se cobria, encheu-o de água e levou-o a sua mãe. Esta, ao ver tal maravilha, pôs-se a beijar Jesus e foi guardando em seu íntimo todos os mistérios que o via realizar.

XII

Certa vez, sendo tempo de semeadura, saiu Jesus com seu pai para semear trigo em sua propriedade. Enquanto José esparramava as sementes, o Menino Jesus teve também vontade de semear um grãozinho de trigo. Após ceifar e debulhar, sua colheita somou cem coros, equivalente a quase quarenta mil litros. Convocou em sua propriedade todos os pobres da região e repartiu com eles os grãos. José, depois, levou para si o restante.

Jesus tinha oito anos, quando operou este milagre.

XIII

Seu pai, que era carpinteiro, fazia arados e cangas. Certa vez, recebeu o encargo de fazer uma cama para certa pessoa de boa posição. Aconteceu que uma das tábuas era mais curta que a outra e por isso José não sabia como proceder.

Então o Menino Jesus disse a seu pai:

— Põe no chão ambas as tábuas e iguala-as pela metade.

Assim fez José. Jesus foi até à outra extremidade, pegou a tábua mais curta e esticou-a, deixando-a tão comprida quanto a outra.

José, seu pai, encheu-se de admiração ao ver o prodígio e cobriu o menino de abraços e beijos dizendo:

— Feliz de mim, porque Deus me deu este menino.

XIV

José, percebendo que a inteligência do menino ia amadurecendo ao mesmo tempo que a idade, quis novamente impedir que ele permanecesse analfabeto, por isso levou-o até um outro professor e colocou-o a sua disposição.

Disse o professor:

— Ensinar-te-ei, em primeiro lugar as letras gregas, depois as hebraicas.

Era evidente que o professos conhecia bem a capacidade do rapaz e sentia medo dele. Depois de escrever o alfabeto, entretinha-se com ele por um longo tempo, sem obter nenhuma resposta de seus lábios.

Finalmente disse-lhe Jesus:

— Se és mestre de verdade e conheces perfeitamente as letras, dize-me primeiro qual é o valor de Alfa e então eu te direi qual é o de Beta.

Irritado, o professor bateu-lhe na cabeça. Quando o Menino Jesus sentiu a dor, amaldiçoou-o e imediatamente o professor desmaiou e caiu de bruços no chão.

O jovem voltou para casa de José. Este encheu-se de pesar e disse a Maria que não o deixasse sair de casa, porque todos aqueles que o aborreciam vinham a morrer.

XV

Passado algum tempo, outro professor, que era amigo íntimo de José, disse-lhe:

— Leva teu filho à escola. Talvez com delicadeza eu possa ensinar-lhe as letras.

José replicou:

— Se te atreveres, irmão, leva-o contigo.

O professor o aceitou com muito receio e preocupação, porém o menino demonstrou boa vontade e progredia a olhos vistos.

Certo dia, ele entrou impetuosamente na sala de aula e encontrou um livro colocado sobre a carteira. Pegou-o e, sem parar para ler as letras que nele estavam escritas, abriu sua boca e começou a falar, levado pelo Espírito Santo, ensinando a Lei aos circunstantes que o escutavam. Uma grande multidão, que havia se juntado, ouvia-o, cheia de admiração pela maravilha da sua doutrina e pela clareza de suas colocações, considerando que era uma criança que assim lhes falava.

José, quando soube disso, encheu-se de medo e correu imediatamente até a escola, receando que também aquele professor pudesse ter sido maltratado.

Este, porém, disse-lhe:

— Saiba, irmão, que recebi este menino como se fosse um aluno comum e acontece que está sobejando graça e sabedoria. Leva-o, por favor, para tua casa!

Ao ouvir essas palavras o menino sorriu e disse:

— Agradeço a ti, por haveres falado com retidão e dado um testemunho justo. Será curado aquele que anteriormente foi castigado.

Imediatamente o outro professor sentiu-se bem. José pegou o menino e foram para casa.

XVI

Certa vez, José mandou seu filho Tiago juntar lenha e trazê-la para casa. O Menino Jesus acompanhou-o, mas aconteceu que, enquanto Tiago recolhia os gravetos, uma cobra picou-lhe a mão.

Tendo caído no cão, ficou completamente largado e estando já para morrer, quando Jesus aproximou-se e assoprou a mordida. Imediatamente desapareceu a dor, a cobra explodiu e Tiago recobrou imediatamente a saúde.

XVII

Aconteceu depois, nas vizinhanças de José, que um menino que vivia doente veio a falecer. Sua mãe chorava inconsolavelmente. Jesus, ao tomar conhecimento da dor daquela mãe e do tumulto que se formava, acudiu rapidamente. Encontrando o menino já morto, tocou-lhe o peito e disse:

— Pequenino, falo contigo! Não morras, mas vive feliz e fica com tua mãe!

No mesmo instante, o menino abriu os olhos e sorriu. Então disse Jesus à mulher:

— Anda, pega-o, dá-lhe leite e lembra-te de mim!

Ao presenciar o acontecido, os circunstantes encheram-se de admiração e exclamaram:

— Na verdade, este menino ou é um Deus ou um anjo de Deus, pois tudo o que sai da sua boca torna-se um fato consumado.

Jesus saiu dali e pôs-se a brincar com os outros jovens.

XVIII

Dias depois, sobreveio um grande tumulto, onde construíam uma casa. Jesus levantou-se e dirigiu-se até o local. Vendo ali um cadáver estendido no chão, tomou-lhe a mão e dirigiu-se a ele nos seguintes termos:

— Homem, falo contigo! Levanta-te e termina teu trabalho!

Ele se levantou em seguida e o adorou. A multidão que viu essa cena encheu-se de admiração e disse:

— Esse rapaz deve ter vindo do céu, pois tem livrado muitas almas da morte e ainda seguirá livrando mais durante sua vida.

XIX

Quando contava doze anos seus pais, como de costume, foram em caravana até Jerusalém, para assistir às festas da Páscoa. Quando as festas terminaram, voltavam para casa. No instante de partir, o Menino Jesus retornou a Jerusalém, enquanto seus pais pensavam que o encontrariam na comitiva.

Depois do primeiro dia de marcha, puseram-se a buscá-lo entre os seus parentes. Não o encontrando, preocuparam-se muito e voltaram a Jerusalém para procurá-lo.

Finalmente, depois do terceiro dia, encontraram-no no templo, sentado em meio aos doutores, escutando-os e fazendo-lhes perguntas.

Todos estavam atentos a ele e admiraram-se de ver que, menino como era, deixava os anciões e mestres do povo sem palavras, averiguando os principais pontos da lei e as parábolas dos profetas.

Aproximando-se, Maria, sua mãe, disse-lhe:

— Meu filho, por que agiste assim conosco? Veja com que preocupação temos estado a te procurar!

Jesus, porém, respondeu:

— E por que me procuravas? Não sabias acaso que devo ocupar-me das coisas que se referem ao meu Pai?

Os escribas e fariseus indagaram a ela:

— És tu, acaso, a mãe deste menino?

Ela respondeu:

— Assim é.

Eles retrucaram:

— Pois feliz de ti entre as mulheres, já que o Senhor teve por bem bendizer o fruto do teu ventre, por que semelhantes glória, virtude e sabedoria não ouvimos nem vimos jamais.

Jesus levantou-se e seguiu sua mãe. Era obediente a seus pais. Sua mãe guardava todos esses fatos no seu coração. Enquanto isso Jesus ia crescendo em idade, sabedoria e graça. Graças sejam dadas a ele por todos os séculos dos séculos.

* * *
Fonte: Evangelhos Apócrifos (http://evangelhosapocrifos.cjb.net/)

Evangelho da Natividade de Maria

(autoria desconhecida)

Prefácio

O suave requerimento que me dirigem reclama de mim um trabalho relativamente fácil, mas penoso em grau supremo, pelas cuidadosas precauções que terá que tomar contra o engano. Pedem-me, com efeito, que ponha por escrito o que tenha encontrado em diversas fontes sobre a vida e o natal da bem-aventurada Virgem María até seu incomparável parto e até os primeiros momentos do Cristo, empresa pouco difícil de executar, mas singularmente presunçosa, como lhes digo, pelos perigos a que expõe à verdade. Porque o que de mim exigem, hoje que as cãs branqueiam minha cabeça, tenho-o lido, saibam, quando era jovem, em um livrinho que caiu em minhas mãos. Certamente, depois desse lapso, repleto por outras preocupações nada triviais, pôde muito bem acontecer que vários traços se escaparam de minha memória. Por onde, se acedo a sua súplica, haveria injustiça em me acusar de ter querido suprimir, acrescentar ou trocar um ápice da história. Se isto ocorresse, e não o nego, seria, ao menos, coisa independente de minha vontade. Nestas condições, e nestas somente, satisfaço seus desejos e a curiosidade dos leitores, lhes acautelando, porém, tanto a vós como a eles, que o mencionado opúsculo, se não me for infiel a memória, começava pelo seguinte prefácio, que recordo, ao menos em seu sentido.

I - Maria e seus pais

1. Sabemos que a bem-aventurada e gloriosa Maria sempre virgem, saída do tronco real da família do David, nasceu na cidade de Nazaré, e foi educada em Jerusalém, no templo do Senhor. Seu pai se chamava Joaquim, e sua mãe Ana. Sua família paterna era da Galiléia, da cidade de Nazaré, e sua família materna era de Belém.

2. E a vida de ambos os esposos era singela e Santa diante de Deus, e piedosa e irrepreensível ante os homens. Todos seus bens, com efeito, tinham-nos dividido em três partes, consagrando a primeira ao templo e a seus servidores, distribuindo a segunda entre os pobres e os peregrinos, e reservando-a terceira para si mesmo e para os misteres de seu lar.

3. E desta maneira, amados Por Deus e bons para os homens, tinham vivido durante cerca de vinte anos em um casto matrimônio, sem ter descendência. Não obstante, fizeram voto, se porventura Deus lhes desse um filho, de consagrá-lo ao serviço do Senhor. E, assim, cada ano, acostumavam, nos dias festivos, a ir, piedosos, ao templo.

II - Maldição de Joaquim por Isachar

1. E, como se aproximasse a festa da Dedicação, Joaquim, com alguns de seus compatriotas, subiu a Jerusalém. E, naquela época, Isachar era Grande Sacerdote. E, tendo visto o Joaquim com sua oferenda, em meio de seus concidadãos, olhou-o com desprezo, e desdenhei seus presentes, lhe perguntando por que ele, que não tinha filhos, atrevia-se a estar entre os que eram fecundos. E o advertiu que, havendo-o Deus julgado indigno de posteridade, não podiam lhe ser aceitos seus presentes, por quanto a Escritura diz: Maldito seja quem não engendre filhos em Israel. E o ameaçou para que se livrasse desta maldição, criando uma progenitura, porque só então lhe seria lícito aproximar-se, com suas oferendas, à presença do Senhor.

2. E esta recriminação que lhe lançava cobriu de extremo opróbio a Joaquim, o qual se retirou ao lugar em que estavam seus pastores com seus rebanhos. E não quis voltar para sua casa, temendo sofrer as mesmas recriminações de seus comarcanos, que tinham assistido à cena, e que tinham ouvido o Grande Sacerdote.

III - Aparição de um anjo a Joaquim

1. E permanecia ali fazia algum tempo, quando, certo dia que estava sozinho, apareceu-lhe um anjo do Senhor, rodeado de uma grande luz. E, à sua vista, Joaquim ficou turbado. Mas o anjo apaziguou sua confusão, lhe dizendo: Não tema, Joaquim, nem te turbe minha visão, porque sou um anjo do Senhor, enviado por Ele a ti, para lhe anunciar que suas súplicas foram escutadas, e que suas esmolas subiram a sua presença. Viu seu opróbio, e considerou a recriminação de esterilidade que sem razão lhe dirigiu. Porque Deus é vingador do pecado, mas não da natureza. E, quando fecha uma matriz, o faz para abri-la depois de uma maneira mais admirável, e para que se saiba que o que nasce assim não é fruto da paixão, mas sim presente da Providência.

2. A primeira mãe de sua nação, Sara, permaneceu estéril até os oitenta anos, apesar do qual, nos últimos dias de sua velhice, deu a luz a Isaac, em quem lhe tinha sido prometido que seriam benditas todas as nações. Deste modo Raquel, tão agradável a Deus e tão amada por Jacó, permaneceu estéril durante muito tempo, e, não obstante, pariu José, que foi não somente o dono do Egito, mas sim o salvador de numerosos povos que iriam morrer de fome. Quem, entre os juízes, mais forte que Sansão e mais santo que Samuel? E, entretanto, ambos tiveram por mães a mulheres por muito tempo estéreis. Se, pois, a razão não te persuade por minha boca, acredite ao menos que as concepções dilatadamente diferidas e os partos tardios são de ordinário os mais prodigiosos.

3. Assim, sua esposa Ana te parirá uma menina, e a chamará Maria. E, conforme a seu voto, consagrará-se ao Senhor desde sua infância, e estará cheia do Espírito Santo do ventre de sua mãe. E não comerá nem beberá nada impuro, nem viverá em meio das agitações populares do exterior, mas sim no templo, a fim de que não possa inteirar-se, nem mesmo por suspeita, de nada do que existe de vergonhoso no mundo. E, com o curso da idade, bem como ela nasceu milagrosamente de uma mulher estéril, de igual modo, por um prodígio incomparável e permanecendo virgem, trará para o mundo ao filho do Altíssimo, que será chamado Jesus ou salvador de todas as nações, conforme à etimologia de seu nome.

4. E eis aqui o sinal da verdade das coisas que te anuncio. Quando chegar à Porta Dourada de Jerusalém, encontrará a Ana sua esposa, a qual, inquieta até hoje por seu retardo, regozijará-se sobremaneira, ao voltar a ver-te. E, dito isto, o anjo se separou de Joaquim.

IV - Aparição de um anjo a Ana

1. E depois apareceu à Ana sua esposa, lhe dizendo: Não tema, Ana, nem imagine que é um fantasma o que vê. Eu sou o anjo que levou suas orações e suas esmolas à presença de Deus, e que agora fui enviado a vós para lhes anunciar o nascimento de uma filha, que se chamará Maria, e que será bendita entre todas as mulheres. Cheia da graça do Senhor do instante de seu nascimento, permanecerá na casa paterna durante os três anos de sua lactação. Depois, consagrada ao serviço do Altíssimo, não se separará do templo até a idade da discrição. E ali, servindo a Deus dia e noite com jejuns e com preces, absterse-á de tudo o que é impuro, e não conhecerá varão jamais, mantendo-se sem mácula, sem corrupção, sem união com homem algum. Porém, virgem, parirá um filho, e, serva, parirá a seu Senhor, que será por graça, por título, por ação, O Salvador do mundo.

2. Assim, pois, levanta-te, sobe a Jerusalém, e, quando chegar à chamada Porta Dourada, ali, a maneira de sinal, encontrará a seu marido, sobre cujo paradeiro anda inquieta sua alma. E, quando tiverem acontecido estas coisas, o que eu te anuncio se cumprirá ao pé da letra.

V - Nascimento da Maria

1. E, obedecendo ao mandato do anjo, ambos os maridos, abandonando um e outro as paragens respectivas em que estavam, subiram a Jerusalém. E, ao chegar ao lugar designado pelo oráculo do anjo, encontraram-se mutuamente. Então, contentes de voltar a encontrar-se, e possuídos de confiança na verdade da promessa de que teriam descendência, renderam ação de graças bem devidas ao Senhor, que exalta aos humildes.

2. E, tendo adorado ao Altíssimo, retornaram a sua casa, e, cheios de júbilo, esperaram a realização da divina promessa. E Ana concebeu e pariu uma filha, e, conforme à ordem do anjo, seus pais lhe puseram por nome Maria.

VI - Apresentação da Maria no templo

[...]

2. E sobre o primeiro daqueles degraus colocaram os pais à bem-aventurada Maria, ainda muito pequena. E, em tanto que eles se tiravam os vestidos de viagem, para colocar, seguindo o costume, trajes mais belos e mais próprios da cerimônia, a Virgem do Senhor subiu todos os degraus, sem mão alguma que a conduzisse, de tal sorte que todos pensaram que não lhe faltava nada, ao menos naquela circunstância, da perfeição da idade. É que o Senhor, na infância mesma da Virgem, operava já grandes coisas, e mostrava por aquele milagre o que seria um dia.

3. E, depois de ter celebrado um sacrifício conforme ao uso da lei, deixaram ali à Virgem, para ser educada no recinto do templo, com as demais virgens. E eles retornaram a sua casa.

VII - Negativa da virgem a contrair matrimônio ordinário

1. E a Virgem do Senhor, de uma vez que em idade, crescia igualmente em virtude, e, segundo a palavra do salmista, seu pai e sua mãe a tinham abandonado, mas Deus a tinha recolhido. Diariamente, com efeito, era visitada pelos anjos, e diariamente gozava da visão divina, que a liberava de todo mal, e que a fazia abundar em toda espécie de bens. Assim chegou aos quatorze anos, e, não somente os maus não podiam encontrar nela nada repreensível, mas sim todos os bons que a conheciam julgavam sua vida e sua conduta dignas de admiração.

2. Então o Grande Sacerdote anunciou em público que todas as virgens que tinham sido educadas no templo, e que tinham quatorze anos, deviam voltar para seus lares, e casar-se, conforme ao costume de sua nação e à maturidade de sua idade. Todas as virgens obedeceram com urgência esta ordem. Só Maria, a Virgem do Senhor, declarou que não podia fazê-lo. Como seus pais a tinham consagrado primeiro a Deus, e ela depois tinha oferendado sua virgindade ao Senhor, não queria violar este voto, para unir-se a um homem, fosse o que fosse. O Grande Sacerdote ficou consumido na maior perplexidade. Ele sabia que não era lícito violar um voto contra o mandato da Escritura, que diz: Façam votos, e cumpram. Mas, por outra parte, não lhe agradava introduzir um uso estranho à nação. Ordenou, pois, que, na festa próxima, reunissem-se os notáveis de Jerusalém e dos lugares vizinhos, por cujo conselho poderia saber como lhe conviria obrar em uma causa tão incerta.

3. E assim se fez, e foi comum parecer que havia que consultar sobre esse ponto a Deus. E, enquanto todos se entregavam à oração, o Grande Sacerdote avançou para consultar ao Senhor, segundo o costume. E, a pouco, uma voz, que todos ouviram, saiu do oráculo e do lugar do propiciatório. E essa voz afirmava que, de acordo com a profecia de Isaías, devia buscar-se a quem devia desposar e guardar aquela virgem. Porque é bem sabido que Isaías vaticinou: E sairá uma galho do tronco de Isaí, e uma vergôntea brotará de novo de suas raízes. E repousará sobre ele o espírito do Senhor, espírito de inteligência e de sabedoria, espírito de fortaleza e de conselho, espírito de conhecimento e de temor do Altíssimo.

4. E, conforme a esta profecia, o Grande Sacerdote ordenou que todos os homens da casa e da família de Davi, aptos para o matrimônio e não casados, levassem cada um seu galho ao altar, e que devia ser confiada e casada a virgem com aquele cujo galho produzira flores, e na extremidade de cujo galho repousasse o espírito do Senhor em forma de pomba.

VIII - Recai em José a eleição de marido para a Virgem

1. E havia, entre outros, um homem da casa e da família de Davi, chamado José e já avançado em idade. E, ao passo que todos foram ordenadamente a levar seus galhos, ele omitiu levar o seu. E, como nada apareceu que correspondesse ao oráculo divino, o Grande Sacerdote pensou que teria que consultar de novo ao Senhor. O qual respondeu que, de todos os que tinham sido designados, só o que não tinha levado seu galho, era aquele com quem devia casar-se a Virgem. José foi assim descoberto. E, quando teve levado o seu galho, e em sua extremidade repousou uma pomba vinda do céu, todos convieram em que lhe pertencia o direito de desposar Maria.

2. E, uma vez celebrados os esponsais, retirou-se a Belém, sua pátria, para dispor sua casa, e preparar todo o necessário para as núpcias. Quanto a Maria, a Virgem do Senhor, voltou para o Galiléia, a casa de seus pais, com outras sete virgens de sua idade e educadas com ela, que lhe tinha dado o Grande Sacerdote.

IX - Revelação feita por um anjo à Virgem

[...]

2. E Maria, que conhecia já bem as fisionomias angélicas, e que estava habituada a receber a luz celeste, não se amedrontou ante a visão do enviado divino, nem ficou estupefata ante aquela luz. Unicamente a palavra do anjo a turbou em extremo. E ficou a refletir sobre o que podia significar uma saudação tão insólita, sobre o que pressagiava, sobre o fim que tinha. E o anjo divinamente inspirado preveniu estas dúvidas, lhe dizendo: Não tema, Maria, que minha saudação oculte algo contrário a sua castidade. Encontraste graça ante o Senhor, por ter escolhido o caminho da pureza, e, permanecendo virgem, conceberá sem pecado, e parirá um filho.

3. E ele será grande, porque dominará de um mar a outro, e até as extremidades da terra. E será chamado filho do Altíssimo, porque, nascendo na humildade, reinará nas alturas dos céus. E o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi seu pai, e prevalecerá eternamente na casa de Jacó, e seu poder não terá fim. É, com efeito, rei de reis e senhor dos senhores, e seu trono durará pelos séculos dos séculos.

4. E, a estas palavras do anjo, a Virgem, não por incredulidade, mas sim por não saber a maneira como o mistério se cumpriria, repôs: Como isso tem que ocorrer? Posto que, segundo meu voto, não conheço varão, como poderei dar a luz, apesar isso? E o anjo lhe disse: Não pense, Maria, que conceberá ao modo humano. Sem união com homem algum, virgem conceberá, virgem parirá, virgem amamentará. Porque o Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra contra todos os ardores da paixão. Ele que de ti sairá, por quanto tem que nascer sem pecado, será o único santo e o único merecedor do nome de filho de Deus. Então, Maria, com as mãos estendidas e os olhos elevados ao céu, disse: Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo sua palavra.

5. Seria possivelmente muito longo, e para muitos irritante, inserir neste opúsculo todos os sucessos que, conforme a nossos textos, precederam e seguiram a natividade de Nosso Senhor. Omitindo, pois, o que está suficientemente referido no Evangelho, passemos à narração do que ali aparece menos detalhado.

X - Revelação feita por um anjo ao José

1. Tendo ido José da Judéia a Galiléia, tinha a intenção de tomar por esposa à virgem que lhe tinha sido confiada. Porque, desde o dia dos esponsais, tinham transcorrido já três meses, e tinha começado o quarto. E, no intervalo, o ventre da Virgem se inchou, até o ponto de manifestar sua gravidez, coisa que não pôde escapar a José, quem, segundo o costume dos desposados, entrava mais livremente a ver a Maria, e conversava mais familiarmente com ela, por isso descobriu seu estado. E começou a agitar-se e a turbar-se, ignorando o que lhe seria preferível fazer. Como homem justo, não queria entregá-la, e, como homem piedoso, não queria infamá-la, fazendo recair sobre ela suspeita de fornicação. Pensou, pois, em dissolver secretamente seu matrimônio, e em devolvê-la secretamente.

2. E, estando nestas reflexões, eis aqui que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonho, e lhe disse: José, filho de David, não tema, nem imagine que há na virgem nada de vergonhoso, porque o que nasceu nela, e que hoje angustia seu coração, não é obra de um homem, mas sim do Espírito Santo. Entre todas as mulheres, só ela, permanecendo virgem, trará o filho de Deus ao mundo, E dará a este filho o nome de Jesus, quer dizer, Salvador, porque salvará a seu povo de seus pecados.

3. E José, conforme à ordem do anjo, tomou a Maria por esposa. Mas não a conheceu, mas sim a guardou em castidade. E, chegado o final do nono mês de gravidez, José, tomando consigo à Virgem e às demais coisas que lhe eram necessárias, partiu para a cidade de Belém, de onde era oriundo. E aconteceu que, durante sua estadia naquele lugar, sobreveio o tempo do parto da Maria, a qual trouxe para o mundo, como os evangelistas nos ensinaram, a seu filho primogênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, que vive e reina, com o Pai e com o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.

* * *
Fonte: Escrituras (http://escrituras.tripod.com/)
Tradução: Andrea Patrícia

Evangelho de Bartolomeu

(atribuído a São Bartolomeu)

I

Depois que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos, acercou-se dele Bartolomeu e abordou-o desta maneira:
— Desvela-nos, Senhor, os mistérios dos céus.
Jesus respondeu-lhe:
— Se não me despojar deste corpo carnal não os poderei desvelar.
Bartolomeu, pois, acercando-se do Senhor, disse-lhe:
—Tenho algo a dizer-lhe, Senhor.
Jesus, por sua vez, respondeu:
— Já sei o que me vais dizer. Dize-me, pois, o que quiseres. Pergunta e eu te darei a razão.
Bartolomeu, então, falou:
— Quando ias no caminho da cruz, eu te segui de longe. E te vi a ti, dependurado no lenho, e os anjos que, descendo dos céus, te adoraram. Ao sobrevirem as trevas...
...eu estava a tudo contemplando. Eu vi como desapareceste da cruz e só pude ouvir os lamentos e o ranger de dentes que se produziram subitamente das entranhas da terra. Dize-me, Senhor, onde foste depois da cruz.
Jesus, então, respondeu desta forma:
— Feliz de ti, Bartolomeu, meu amado, porque te foi dado contemplar este mistério. Agora podes perguntar-me qualquer coisa que a ti ocorra, porque tudo dar-te-ei eu a conhecer.
Quando desapareci da cruz, desci aos Infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às suplicas do arcanjo Gabriel.
Então disse Bartolomeu:
— E o que significa aquela voz que se ouviu?
Responde-lhe Jesus:
— Era a voz do Tártaro que dizia a Belial: a meu modo de ver, Deus se fez presente aqui.
Quando desci, pois, com meus anjos ao Inferno para romper os ferrolhos e as portas de bronze, dizia ele ao Diabo: parece-me que é como se Deus tivesse vindo à terra. E os anjos dirigiram seus clamores às potestades, dizendo: levantai, ó príncipes, as portas e fazei correr as cortinas eternas, porque o Reino da Glória vai descer à terra. E o Inferno disse: quem é esse Rei da Glória que vem do céu a nós?
Mas quando já havia descido quinhentos passos, o Inferno encheu-se de turbação e disse: parece-me que é Deus que baixa à terra, pois ouço a voz do Altíssimo e não o posso agüentar.
E o Diabo respondeu: não percas o ânimo, Inferno; recobra teu vigor, que Deus não desce à terra. Quando voltei a baixar outros quinhentos passos, os anjos e potestades exclamaram: alçai as portas ao vosso Reino e elevai as cortinas eternas, pois es que está para entrar o Rei da Glória. Disse de novo o Inferno: ai de mim! Já sinto o sopro de Deus. E disse o Diabo ao Inferno: para que me assustas, Inferno? Se somente é um profeta que tem algo semelhante com Deus ... Apanhemo-lo e levemo-lo à presença desses que crêem que está subindo ao céu. Mas replicou o Inferno: e quem é entre os profetas? Informa-me. É, por acaso, Enoch, o escritor mui verdadeiro? Mas Deus não lhe permite baixar à terra antes de seis mil anos. Acaso te referes a Elias, o vingador? Mas este não poderá descer até o final do mundo. Que farei? Para nossa perdição, é chegado o fim de tudo, pois aqui tenho escrito em minha mão o número dos anos. Belial disse ao Tártaro: não te perturbes. Assegura bem teus poderes e reforça os ferrolhos. Acredita-me, Deus não baixa à terra. Responde o Inferno: não posso ouvir tuas belas palavras. Sinto que se me arrebenta o ventre e minhas entranhas enchem-se de aflição. Outra coisa não pode ser: Deus apresentou-se aqui. Ai de mim! Aonde irei esconder-me de seu rosto, da sua força do grande Rei? Deixa-me que me esconda em tuas entranhas, pois fui criado antes de ti. Naquele preciso momento, entrei. Eu o flagelei e o atei com correntes que não se rompem. Depois fiz sair a todos os Patriarcas e voltei novamente para a cruz.
— Dize-me, Senhor — disse-lhe Bartolomeu. — Quem era aquele homem de talhe gigantesco a quem os anjos levavam em suas mãos?
Jesus respondeu:
— Aquele era Adão, o primeiro homem que foi criado, a quem fiz descer do céu à terra. E eu lhe disse: por ti e por teus descendentes fui pregado na cruz. Ele, ao ouvir isso, deu um suspiro e disse: assim, rendo-me a ti, Senhor.
De novo disse Bartolomeu:
— Vi também os anjos que subiam diante de Adão e que entoavam hinos, mas um destes, o mais esbelto de todos, não queria subir. Tinha em suas mãos uma espada de fogo e fazia sinais somente a ti. Os demais rogavam que ele subisse ao céu, mas ele não queria. Quando, porém, tu o mandaste subir, vi uma chama que saia de suas mãos e que chegava à cidade de Jerusalém.
Disse Jesus:
— Era um dos anjos encarregados de vingar o trono de Deus. E estava suplicando a mim. A chama que viste sair de suas mãos feriu o edifício da sinagoga dos judeus para dar testemunho de mim, por terem eles me sacrificado.
Quando falou isso, disse aos apóstolos:
— Esperai-me neste lugar, porque hoje se oferece um sacrifício no paraíso e ali hei de estar para recebê-los.
Falou Bartolomeu:
— Qual é o sacrifício que se oferece hoje no paraíso?
Jesus respondeu:
— As almas dos justos, que saíram do corpo, vão entrar hoje no Éden e, se eu não estiver lá presente, não poderão entrar.
Bartolomeu continuou:
— Quantas almas saem diariamente deste mundo?
Disse-lhe Jesus:
— Trinta mil.—
Insistiu Bartolomeu:
— Senhor, quando te encontravas entre nós ensinando-nos tua palavra, recebia sacrifícios no paraíso?
— Respondeu-lhe Jesus:
— Em verdade te digo eu, meu amado, que, quando me encontrava entre vós ensinando-vos a palavra, estava simultaneamente sentado junto de meu Pai.
Disse-lhe Bartolomeu:
— Quantas almas nascem diariamente no mundo?
Responde-lhe Jesus:
— Uma só a mais do que as que saem do mundo.
Dizendo isto, deu-lhes a paz e desapareceu no meio deles.


II


1. Estavam os apóstolos em um lugar chamado Chiltura, com Maria, a Mãe de Jesus Cristo. Bartolomeu, acercando-se de Pedro, André e João, disse-lhes:
— Por que não pedimos à cheia de graça que nos diga como concebeu ao Senhor e como pôde carregar em seu seio e dar à luz o que não pôde ser gestado?
Eles vacilaram em perguntar-lhe.
Disse Bartolomeu a Pedro:
— Tu, como corifeu e nosso mestre que és, acerca-te e pergunta-lhe.
Mas, ao ver todos vacilantes e em desacordo, Bartolomeu acercou-se dela e disse:
— Deus te salve, Tabernáculo do Altísimo; aqui viemos todos os apóstolos a perguntar-te como concebeste ao que é incompreensível, e como carregaste em teu seio aquele que não pôde ser gestado, ou como, enfim, deste à luz tanta grandeza.
Maria respondeu:
— Não me interrogueis acerca deste mistério. Se começar a falar-vos dele, sairá fogo de minha boca e consumirá toda a terra.
Eles insistiram e Maria, não querendo dar-lhes ouvidos, disse:
— Oremos.
Os apóstolos puseram-se de pé atrás de Maria. Esta disse a Pedro:
— E tu, Pedro, que és chefe e grande pilar, estás de pé atrás de nós? Pois não disse o Senhor que a cabeça do varão é Cristo e a da mulher é o varão?’
Eles replicaram:
— O Senhor plantou sua tenda em ti e em tua pessoa houve por bem ser contido. Tu deves ser nossa guia na oração.
Maria, então, disse-lhes:
— Vós sois estrelas brilhantes do céu. Vós sois os que devem orar. Disseram eles:
— Tu deves orar, pois que sois a Mãe do Rei Celestial.
Maria colocou-se diante deles e elevando as mãos aos céus começou a dizer:
— Ó Deus, tu que és o Grande, o Sapientíssimo, o Rei dos séculos, inexplicável, inefável, aquele que com uma palavra deu consistência às magnitudes siderais, aquele que fundamentou em afinada harmonia a excelsitude do firmamento, aquele que separou a obscuridade tenebrosa da luz, aquele que alicerçou em um mesmo lugar os mananciais das águas; tu que deste base à terra, tu que não podendo ser contido nos sete céus, te dignaste a ser contido em mim sem dor alguma, sendo Verbo Perfeito do Pai, por quem todas as coisas foram feitas; da glória, Senhor, a teu magnífico nome, manda-me falar na presença de teus santos apóstolos.
Terminada a oração, disse:
— Sentemo-nos no chão e vem tu, Pedro, que és o chefe. Senta-te à minha direita e apoia com tua esquerda meu braço. Tu, André faz o mesmo do lado esquerdo. Tu, João, que és virgem, segura meu peito. E tu, Bartolomeu, põe-te de joelhos atrás de mim e apóia minhas costas para que, ao começar falar, meus ossos não se desarticulem.
Quando fizeram isso, começou ela a falar:
— Estando eu no templo de Deus, aonde recebia alimento das mãos de um anjo, apareceu-me certo dia uma figura que me pareceu ser angélica. Mas seu semblante era indescritível, e não levava nas mãos nem o pão nem o cálice, como o anjo que anteriormente tinha vindo a mim. Eis que de repente, rasgou-se o véu do templo e sobreveio um grande terremoto. Joguei-me por terra, não podendo suportar o semblante do anjo, mas ele estendeu-me sua mão e levantou-me. Olhei para o céu e vi uma nuvem de orvalho que aspergiu-me da cabeça aos pés. Então ele enxugou-me com o seu manto e disse-me: salve, cheia de graça, cálice da eleita. Deu, então, um golpe com sua mão direita e apareceu um pão muito grande, que colocou sobre o altar do templo. Comeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. Deu outro golpe com a ourela esquerda de sua túnica e apareceu um cálice muito grande e cheio de vinho. Bebeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. E meus olhos viram um cálice transbordante e um pão. Disse-me, então: ao cabo de três anos, eu te dirigirei novamente minha palavra e conceberás um filho pelo qual será salva toda a criação. Tu és o cálice do mundo. A paz esteja contigo, minha amada, e minha paz te acompanhará sempre. Após isto, desapareceu de minha presença, ficando o templo como estava anteriormente.
Ao terminar de falar, começou a sair fogo de sua boca. Quando o mundo estava para ser destruído, apareceu o Senhor que disse a Maria:
— Não desveles este mistério, porque se o fizerdes no dia de hoje sofrerá a criação inteira um cataclismo.
Os apóstolos, consternados, temeram que o Senhor pudesse irar-se contra eles.


III


O Senhor caminhou com eles até o Monte Moria e se sentou no meio deles. Como tinham medo, hesitavam em perguntar-lhe. Jesus incitou-os:
— Perguntai-me o que quiserdes, pois dentro de sete dias partirei para o meu Pai e já não estarei visível a vós nesta forma.
Eles, vacilantes, disseram:
— Permite-nos ver o abismo, como nos prometeste.
Respondeu Jesus:
— Melhor seria para vós não verdes o abismo; mas, se o queres, segui-me e o vereis.
Ele os conduziu ao local chamado Cherudik, cujo significado é lugar de verdade, e fez um sinal aos anjos do Ocidente. A terra abriu-se como um livro e o abismo apareceu. Ao vê-lo, os apóstolos prostraram-se em terra, mas o Senhor os ergueu dizendo:
— Não vos dizia, há pouco, que não vos faria bem verdes o abismo?’


IV

Jesus tomou-os de novo e pôs-se a caminho do monte das Oliveiras. Pedro disse a Maria:
— Oh tu, cheia de graça, roga ao senhor que nos revele os arcanjos celestiais.
Maria respondeu a Pedro:
— Oh tu, pedra escolhida por acaso não prometeu ele fundar sua Igreja sobre ti?
Pedro insistiu:
— A ti, que és um amplo tabernáculo, cabe perguntar.
Disse Maria: — Tu és a imagem de Adão e este não foi formado da mesma maneira que Eva. Observa o sol e vê que, tal qual Adão, ele se avantaja em brilho aos demais astros. Observa também a lua e vê como está enodoada pela transgressão de Eva. Porque pôs Adão ao oriente e Eva ao Ocidente, ordenando a ambos que ofereçam a face mutuamente.
Quando chegaram ao cimo do monte o Senhor afastou-se um pouco deles, e Pedro disse a Maria:
— Tu és aquela que desfez a infração de Eva, transformando-a de vergonha em regozijo.
Quando Jesus retornou, disse-lhe Bartolomeu:
— Senhor, mostra-nos o inimigo dos homens para que vejamos quem é e quais são suas obras, já que nem mesmo de ti se apiedou, fazendo-te pender do patíbulo.
Jesus, fixando nele seu olhar, disse-lhe:
— Teu coração é duro. Não te é dado ver isso que pedes.
Então, Bartolomeu, todo agitado, caiu aos pés de Jesus, dizendo:
— Jesus Cristo, chama inextinguível, criador da luz eterna, tu que hás dado a graça universal a todos os que te amam e que nos hás outorgado por meio da Virgem Maria o fulgor perene da tua presença neste mundo, concede-nos o nosso desejo.
Quando Bartolomeu acaba de falar, o Senhor ergueu-se dizendo:
— Vejo que é teu desejo ver o adversário dos homens. Mas lembra-te que, ao fitá-lo, não apenas tu mas também os demais apóstolos e Maria caireis por terra e ficareis como mortos.
Mas todos lhe disseram:
— Senhor, vejamo-lo.
Então fê-los descer do monte das Oliveiras. E, havendo lançado um olhar enfurecido aos anjos que custodiavam o Tártaro, ordenou a Micael que fizesse soar a trombeta fortemente. Quando este o fez, Belial subiu aprisionado por 6 064 anjos e atado com correntes de fogo.
O dragão tinha de altura mil e seiscentos côvados e de largura, quarenta. Seu rosto era como uma centelha e seus olhos, tenebrosos. Do seu nariz saía uma fumaça mal-cheirosa e sua boca era como a face de um precipício.
Ao vê-lo, os apóstolos caíram por terra sobre os rostos e ficaram como que mortos. Jesus acercou-se deles, ergueu-os e infundiu-lhes ânimo.
Disse a Bartolomeu:
— Pisa com teu próprio pé sua cerviz e pergunta-lhe quais foram suas obras até agora e como engana os homens.
Jesus estava de pé com os demais apóstolos. Bartolomeu, temeroso, ergueu a voz e disse:
— Bendito seja desde agora e para sempre o nome de teu reino imortal.
Quando ele acabou de dizer isso, Jesus o exortou de novo:
— Anda, pisa a cerviz de Belial.
Bartolomeu caminhou apressadamente para Belial e pisou-lhe o pescoço, deixando-o a tremer.
Bartolomeu fugiu assustado, dizendo:
— Deixa-me pegar a borda de tuas vestes para que me atreva a aproximar-me dele.
Jesus respondeu-lhe:
— Não podes tocar a fímbria das minhas vestes porque não são as mesma que eu tinha antes de ser crucificado.
Disse-lhe Bartolomeu:
— Tenho medo, Senhor, de que, assim como não se compadeceu dos anjos, da mesma maneira me esmague também a mim.
Respondeu Jesus:
— Mas por acaso não se acertaram todas as coisas graças à minha palavra e à inteligência de meu Pai? A Salomão se submeteram os espíritos. Vai tu, pois, em meu nome, e pergunta-lhe o que quiseres.
Ao fazer Bartolomeu o sinal da cruz e orar a Jesus, irrompeu um incêndio e as vestes do apóstolo foram tomadas pelas chamas.
Disse-lhe então Jesus de novo:
— Pisa, como te disse, na cerviz, de maneira que possas perguntar-lhe qual é o seu poder. Bartolomeu, pois, se foi e pisou-lhe a cerviz, que trazia oculta até as orelhas, dizendo-lhe:
— Dizei-me quem és tu e qual é teu nome.
Bartolomeu, afrouxou-lhe um pouco as ligaduras e lhe disse:
— Conta tudo quanto tens feito.
Respondeu Belial: — A princípio me chamava Satanail, que quer dizer mensageiro de Deus, Mas, desde que não reconheci a imagem de Deus, meu nome foi mudado para Satanás, que quer dizer anjo guardião do tártaro.
Bartolomeu falou de novo:
— Conta tudo sem nada ocultar.
Ele respondeu:
— Juro-te pela glória de Deus que, ainda que quisesse ocultá-lo, ser-me-ia impossível. Está aqui presente aquele que me acusa. E se me fosse possível vos faria desaparecer a todos da mesma maneira que o fiz com aquele que pregou para vós. Também fui chamado primeiro anjo porque, quando Deus fez o céu e a terra, apanhou um punhado de fogo e formou-me a mim primeiro e o segundo foi Micael, e o terceiro Gabriel, e o quarto Rafael, e o quinto Uriel, o sexto Xathsnael e assim outros seis mil anjos, cujos nomes me é impossível pronunciar, pois são os lictores de Deus e me flagelam sete vezes a cada dia e sete vezes a cada noite. Não me deixam um momento e são os encarregados de minar minhas forças. Os anjos vingadores são estes que estão diante do trono de Deus. Eles foram criados primeiro. Depois destes foi criada a multidão dos anjos: no primeiro céu há cem miríades; no segundo, cem miríades; no terceiro, cem miríades; no quarto, cem miríades; no quinto, cem miríades, no sexto, cem miríades; no sétimo, cem miríades. Fora do âmbito dos sete céus está o primeiro firmamento, onde residem as potestades que exercem sua atividade sobre o homem. Há também outros quatro anjos: Um é Bóreas, cujo nome é Vroil Cherum, tem na mão uma vara de fogo e neutraliza a força que a umidade exerce sobre a terra, para que esta não chegue a secar. Outro anjo está no Aquilon e seu nome é Elvisthá.

[Acréscimo latino: Etalfatha tem a ser cargo o Aquilon. E ambos, ele e Mauch, que está na Bóreas, mantêm em suas mãos tochas incendiadas e varas de fogo para neutralizar o frio, o frio dos ventos, de maneira que a terra não se resseque e o mundo não pereça. Cedor cuida do Austro, para que o sol não perturbe a terra, pois Levenior apaga a chama que sai da boca daquele, para que a terra não seja abrasada. Há outro anjo que exerce domínio sobre o mar e reduz o empuxo das ondas. O mais não estou a revelar.
Insistiu Bartolomeu:
— Anda dize-me, malfeitor e mentiroso, ladrão desde o berço, cheio de amargura, engano, inveja e astúcia, velho réptil, trapaceiro, lobo rapace, como te arrumas para induzir os homens a deixar o Deus vivo, criador de todas as coisas, que fez o céu e a terra e tudo que neles está contido? Pois és sempre inimigo do gênero humano.
Disse o Anticristo:
— Dir-te-ei. Es aqui uma roda que sobe do abismo e tem sete facas de fogo. A primeira delas tem doze canais. Perguntou-lhe Bartolomeu:
— Quem está nas facas?
Respondeu o Anticristo: — No canal ígneo da primeira faca ficam os inclinados ao sortilégio, à adivinhação e à arte de encantamento e também os que neles crêem e o buscam, já que por malícia de seu coração buscaram adivinhações falsas. No segundo canal de fogo vão os blasfemos, que maldizem de Deus, de seu próximo e das Escrituras. Também ficam ai os feiticeiros e os que os buscam e lhes dão crédito. Entre os meus encontram-se também os suicidas, os que se lançam à água, ou se enforcam, ou se ferem com a espada. Todos esses estarão comigo. No terceiro canal vão os homicidas, os que se entregam à idolatria e os que se deixam dominar pela avareza ou pela inveja, que foi o que me arrojou do céu à terra. Nos demais canais vão os perjuros, os soberbos, os ladrões, os que desprezam os peregrinos, os que não dão esmolas, os que não ajudam os encarcerados, os caluniadores, os que não amam o próximo e os demais pecadores que não buscam a Deus ou o servem debilmente. A todos esses eu os submeto ao meu arbítrio.
Tornou, então, Bartolomeu:
— Dize-me, diabo mentiroso e insincero! Fazes tu essas coisas pessoalmente ou por intermédio de teus iguais?
Respondeu-lhe o Anticristo:
—Oh se eu pudesse sair e fazer essas coisas por mim mesmo! Em três dias destruiria o mundo inteiro. Desgraçadamente, porém, nem eu nem nenhum dos que foram arrojados juntamente comigo podemos sair. Temos, todavia, outros ministros mais fracos que, por sua vez, atraem outros colegas ao quais emprestamos nossa vestimentas e mandamos semear insídias que enredem as almas dos homens com muita suavidade, afagando-as, para que se deixem dominar pela embriaguez, a avareza, a blasfêmia, o homicídio, o furto, a fornicação, a apostasia, a idolatria, o abandono da Igreja, o desprezo da Cruz, o falso testemunho, enfim, tudo o que Deus abomina. Isso é o que nós fazemos. A uns nós os deitamos ao fogo. A outros, nós os lançamos das árvores para que se afoguem. A uns rompemos pés e mãos e a outros lhes arrancamos os olhos. Estas e outras coisas são o que fazemos. Oferecemos ouro e prata e tudo mais que é cobiçável no mundo e àqueles que não conseguimos que pequem despertos fazemo-los pecar adormecidos. Também direi os nomes dos anjos de Deus que nos são contrários. Um deles chama-se Mermeoth, que é o que domina as tempestades. Meus satélites o conjuram e ele lhe dá permissão para que habitem onde queiram; mas ao voltar se incendeiam. Há outros cinqüenta anjos que têm debaixo do seu poder o raio. Quando algum espírito, dentre os nossos, quiser sair pelo mar ou pela terra, esses anjos desferem contra ele uma descarga de pedra. Com isso ateiam o fogo e fazem fender as rochas e as árvore. E quando conseguem dar conosco nos perseguem, obedecendo ao mandato daquele a quem servem. Graças a esse mandato, tu podes exercer poder sobre mim, pelo que me vejo obrigado, muito a meu pesar, a revelar-te o segredo e as coisas que não pensava dizer-te.
Continuou Bartolomeu:
— Que tens feito e o que continuas fazendo ainda? Revela-me, Satanás!
Este respondeu:
— Tinha pensado não confessar-te todo o segredo, mas, por aquele que preside ao Universo, cuja cruz me lançou ao cativeiro, não posso ocultar-te nada.
Disse o Senhor Jesus a Bartolomeu:
— Afrouxa-lhes as ligaduras e ordena-lhe que retorne a seu lugar até a vinda do Senhor. Quanto ao mais, já me encarregarei eu mesmo de revelar-vos. Porque é necessário nascer de novo para que aqueles que passaram pela prova possam entrar no Reino dos céus, de onde foi expulso este inimigo por sua soberba, juntamente com aqueles de cujo conselho se servia.
Após isso, disse o apóstolo Bartolomeu ao Anticristo:
— Volta condenado e inimigo dos homens, ao abismo até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual há de vir julgar os vivos e mortos e ao mundo inteiro por meio do fogo e a condenar-te a ti e a todos os teus semelhantes. Não tentes daqui em diante continuar praticando isso que foste obrigado a revelar.
Satanás, lançando vozes misturadas com rugidos e gemidos, disse:
— Ai de mim, que tenho me servido de mulheres para enganar a tantos e acabei por ser burlado por uma virgem! Agora vejo-me aferrolhado e atado com cadeias de fogo pelo seu filho e estou ardendo de péssima maneira. Ó virgindade, que estás sempre contra mim! Ainda não se passaram os sete mil anos. como, pois, me vi condenado a confessar as coisas que acabo de dizer?
O apóstolo Bartolomeu, admirando a audácia do inimigo e confiando no poder do salvador, disse a Satã:
— Dize-me, imundíssimo demônio, a causa pela qual foste banido do mais alto do céu. Pois prometeste revelar-me tudo.
Respondeu o Diabo:
— Quando Deus se propôs a formar Adão, pai dos homens, à sua imagem, ordenou a quatro anjos que trouxessem terra das quatro partes do globo e água dos quatro rios do paraíso. Eu estava no mundo naquela ocasião e o homem passou a ser um animal vivente nos quatros rincões da terra onde eu estava. Então Deus o abençoou porque era sua imagem. Depois vieram render-lhe suas homenagens Micael, Gabriel e Uriel. Quando voltei ao mundo, disse-me o arcanjo Micael: adora essa figura que Deus fez segundo sua vontade. Eu me dei conta de que a criatura havia sido feita de barro e disse: eu fui feito de fogo e água e antes do que este. Eu não adoro o barro da terra. De novo me disse Micael: adora-o, antes que o Senhor se aborreça contigo. Eu repliquei: o Senhor não se irritará comigo. Eu vou colocar meu trono contra o dele. Então Deus enfureceu-se comigo, mandou abrir as comportas do céu e me arrojou à terra. Depois que fui expulso, perguntou o Senhor aos demais anjos que estavam às minhas ordens se se dispunham a render-se diante da obra que havia feito com suas mãos e eles disseram: assim como vimos que nosso chefe não dobrou sua cerviz, da mesma maneira não adoraremos um ser inferior a nós. Naquele momento mesmo foram eles expulsos como eu. Ficamos adormecidos durante um período de quarenta anos. Ao despertar, percebi que dormiam os que estavam abaixo de mim e os despertei, seguindo meu capricho. Depois discuti com eles uma forma de lograr o homem por cuja causa fui expulso do céu. Tomada a resolução, descobri como podia seduzí-lo. Tomei em minhas mãos umas folhas de figueira, enxuguei com elas o suor do meu peito e das minhas axilas e atirei-as ao rio. Eva, então, ao beber daquela água, conheceu o desejo carnal e o ofereceu ao marido. A ambos pareceu doce o sabor e não deram conta do amargo de haverem prevaricado. Se não houvessem bebido dessa água, jamais poderia eu enredá-los, pois outro meio eu não tinha para poder superá-los senão esse.
O apóstolo Bartolomeu pôs-se a orar, dizendo :
— Oh, Senhor Jesus cristo! Ordena-lhe que entre no Inferno porque se mostra insolente comigo.
Disse Jesus Cristo a Satã:
—Vai, desce ao abismo e fica ali até minha chegada.
No mesmo instante o Diabo desapareceu.
Bartolomeu, caindo aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, começou a dizer, banhado em lágrimas:
— Abba! Pai! Tu que continuas sendo único e glorioso Verbo do Pai, por que foram feitas todas as coisas; tu, a quem não te puderam conter os sete céus e que tiveste por habitar o seio de uma Virgem; a quem a Virgem gerou e deu à luz sem dor; tu, Senhor, elegeste aquela a quem verdadeiramente pudeste chamar mãe, rainha e escrava. Mãe, porque por ela te dignaste descer e dela tomaste carne mortal. E rainha porque a constituíste rainha das virgens. Tu que chamas os quatro rios e eles obedecem tuas ordens e se apressam a servi-te. O primeiro, o rio dos Filósofos, para a unidade da Igreja e da Fé, que foi revelada no mundo. O segundo, o Geon, porque foi feito da terra, ou também pelos dois testamentos. O terceiro, o tigre, porque aos que cremos no Pai, no Filho e no Espirito Santo, Deus único por quem foram feitas todas as coisas no céu e na terra, nos foi revelada a Trindade sempiterna, que está nos céus. O quarto, o Eufrates, porque tu te dignaste saciar toda alma vivente por meio do banho da regeneração, que representava a imagem dos Evangelhos que correm por toda a órbita da Terra e que te dignaste anunciar por teus servos, para que, por meio da confissão e da fé, sejam salvos todos os que crêem em teu nome grande e terrível e em teus santos Evangelhos, de maneira que possam alcançar a vida que ainda não possuem.
Continuou Bartolomeu:
— É lícito revelar estas coisas a todos os homens.
Disse-lhe Jesus:
— Pode dá-las a conhecer a todos que sejam crentes e observem este mistério que acabo de desvendar-vos. Pois entre os gentios há alguns que são idólatras, ébrios, fornicadores, maldosos, feiticeiros, malvados, que seguem as artimanhas do inimigo e que odeiam o próximo. Todos esses não são dignos de ouvir esse mistério. Mas são dignos de ouvi-lo todos os que guardam meus mandamentos, os que recebem em si as palavras de Vida eterna que não têm fim, e todos os que têm fim, e todos os que têm parte nos céus com os Santos, justos e fiéis no reino do meu Pai. Todos aquele que se hajam conservado imunes ao erro da iniquidade e hajam seguindo o caminho da salvação e da justiça, devem ouvir este mistério. E tu, Bartolomeu, és feliz, juntamente a tua geração.
Bartolomeu, ao escrever todas essas coisas que ouviu dos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo, mostrou toda sua alegria no rosto e bendisse o Pai, o Filho e o Espirito Santo, dizendo:
— Glória a Ti, Senhor, redentor dos pecadores, vida dos justo, amante da castidade.
O Senhor disse, então, batendo no peito:
— Eu, sou bom, manso e benigno, misericordioso e clemente, forte e justo, admirável e santo, médico e defensor de órfãos e viúvas, remunerador dos justos e fiéis, juiz de vivos e mortos, luz de luz e resplendor da claridade, consolador dos atribulados e cooperador dos pupilos; Alegrai-vos comigo, amigos meus, e recebei meu presente. Hoje vou dar-vos um dom celeste. A todos os que em mim tenham depositado suas aspiração e sua fé, e a vós, estou galardoando com a vida eterna.]


V


[Acréscimo tardio: Novamente disse Bartolomeu:
- Senhor, se alguém comete pecado carnal, como será julgado?
Respondeu Jesus:
- É certo que o neófito deve observar tudo aquilo a que o batismo obriga e, portanto, que guarde castidade e permaneça nela. Mas se lhe sobrevém a concupiscência carnal, deve casar-se com uma única mulher, de forma que a mulher não conheça outro marido e este recuse qualquer outra esposa. E se observarem a castidade segundo seu estado e oferecerem seus dízimos à igreja, da mesma maneira como fez o meu servo Abraão, que sempre acatou os meus mandamentos, eu lhes darei o cêntuplo e seu matrimônio estará livre de pecado. E se ocorresse a necessidade de tomar uma segunda mulher ou um segundo marido [após a viuvez], poderiam fazê-lo contanto que comparecessem à igreja, levassem esmola, vestissem o desnudo, dessem comida e bebida ao faminto e ao sedento, dessem hospedagem aos peregrinos, ao invés de os desprezar, visitassem os enfermos, servissem os encarcerados, dissessem sempre a verdade, recebessem com toda veneração o sacerdote e todo aquele que teme a Deus e, como disse antes, dessem seus dízimos à igreja e fizessem as demais boas ações de modo a agradecer a Deus. Entretanto, se alguém houvesse contraído matrimônio já pela terceira vez [após a viuvez], seria tido por indigno e pecador no reino dos céus juntamente com a consorte. Mas quem guardar sua virgindade e castidade e for perfeito na igreja católica, este, seja homem ou mulher, será chamado perfeito no reino dos céus.]

Bartolomeu e os demais apóstolos puseram-se a glorificar o Senhor Jesus, dizendo:
— Glória a ti, pai dos céus, rei da vida eterna, foco de luz inextinguível, sol radiante e resplendor da claridade perpétua, reis dos reis, senhor dos senhores. A ti seja dada a magnificência, a glória, o império, o reino, a honra e o poder, juntamente com o Pai e o Espirito Santo. Bendito seja o Senhor Deus de Israel porque nos visitou e redimiu seu povo da mão de seus inimigos e usou conosco de misericórdia e justiça. Louvai a Nosso Senhor Jesus Cristo todas as nações e crede que ele é o juiz de vivos e mortos e o salvador dos fiéis. O qual vive e reina, juntamente com o Pai e o Espirito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.

Aqui terminam as perguntas que o beatíssimo apóstolo Bartolomeu e os demais Apóstolos fizeram a Nosso Senhor Jesus Cristo.

* * *
Fonte: Evangelhos Apócrifos (http://evangelhosapocrifos.cjb.net/)

Evangelho de Pedro

(atribuído a São Pedro)

Condenação e escárnio de Jesus

I.

1. (...lacuna...) Mas nenhum dos judeus lavou as mãos, nem Herodes, nem qualquer de seus juízes. Como não quisessem eles lavar-se, Pilatos se levantou.

2. Mandou, então o rei Herodes que levassem o Senhor para fora, dizendo-lhes: “Fazei tudo o que vos ordenei que fizésseis”.

II.

3. Encontrava-se ali José, amigo de Pilatos e do Senhor. Quando soube que o crucificariam, dirigiu-se a Pilatos e lhe pediu o corpo do Senhor para ser sepultado.

4. Pilatos, de sua parte, o mandou a Herodes para que lhe pedisse o corpo.

5. Disse Herodes: “Irmão Pilatos, ainda que ninguém o tivesse pedido, nós o teríamos sepultado, pois se aproxima o sábado. E está escrito na lei: ‘Não se ponha o sol sobre o justiçado’”. E o entregou ao povo no dia antes dos ázimos, a festa deles.

III.

6. Apoderando-se do Senhor, eles o empurravam e diziam: “Arrastemos o filho de Deus, pois finalmente caiu em nossas mãos”.

7. Vestiram-no com um manto de púrpura, fizeram-no sentar-ser numa cadeira do tribunal, dizendo: “Julga com justiça, ó rei de Israel!”

8. Um deles trouxe uma coroa de espinhos e a colocou na cabeça do Senhor.

9. Outros que ali se encontravam e cuspiram-lhe no rosto; outros lhe batiam nas faces, outros o fustigavam com uma vara; alguns o flagelavam, dizendo: “Esta é a honra que prestamos ao filho de Deus”.

IV.

10. Levaram para lá dois malfeitores e crucificaram o Senhor no meio deles. Mas ele se calava como se não sentisse qualquer dor.

11. Quando ergueram a cruz, escreveram no alto: “Este é o rei de Israel”.

12. Colocaram as vestes diante dele, dividiam-nas e lançaram sorte sobre elas.

13. Mas um dos malfeitores o repreendeu, dizendo: “Nós sofremos assim por causa de ações más que praticamos. Este, porém, que se tornou salvador dos homens, que mal vos fez?”

14. Indignados contra ele, ordenaram que não lhe fossem quebradas as pernas e assim morresse entre os tormentos.

V.

15. Era meio-dia, quando as trevas cobriram toda a Judéia. Eles se agitavam e se angustiavam, supondo que o sol já se tivesse posto, pois ele ainda estava vivo. E está escrito para eles: “Não se ponha o sol sobre um justificado”.

16. E um deles disse: “Dai-lhe de beber fel com vinagre”. Fizeram um mistura e lhe deram para beber.

17. E cumpriram tudo, enchendo desse modo a medida de seus pecados sobre suas cabeças.

18. Muitos andavam com fachos e, pensando que fosse noite, retiraram-se para repousar.

19. E o Senhor gritou, dizendo: “Minha força, minha força, tu me abandonaste!” Enquanto assim falava, foi assumido na glória.

20. Na mesma hora o véu do templo de Jerusalém se rasgou em duas partes.

VI.

21. Tiraram os pregos das mãos do Senhor e o depuseram no chão. Tremeu toda a terra e houve grande medo.

22. Brilhou, então, o sol e reconheceram que era a nona hora (três horas da tarde).

23. Alegraram-se os judeus e deram seu corpo a José para que o sepultasse. José tinha visto todo o bem quem Jesus fizera.

24. Tomando o Senhor, levou-o, envolvendo-o em um lençol e o depositou em seu próprio sepulcro, chamado jardim de José.

VII.

25. Os judeus, os anciãos e os sacerdotes compreenderam, então, o grande mal que tinham feito a si mesmos e começaram a lamentar-se, batendo no peito e dizendo: “Ai de nossos pecados! O juízo e fim de Jerusalém estão agora próximos!”

26. Eu (Pedro) e meus amigos estávamos tristes; de ânimo abatido nos escondíamos. Estávamos sendo procurados por eles como malfeitores e como aqueles que queriam incendiar o templo.

27. Por causa de tudo isto, jejuávamos e nos assentávamos, lamentando-nos e chorando noite e dia, até o sábado.

A guarda do sepulcro

VIII.

28. Os escribas, os fariseus e os anciãos se reuniram, pois ficaram sabendo que todo o povo murmurava e se lamentava, batendo no peito e dizendo: “Se por ocasião de sua morte se realizaram sinais tão grandes, vede quanto ele era justo!”

29. Tiveram medo e foram a Pilatos, pedindo-lhe:

30. “Dá-nos soldados para que seu túmulo seja vigiado por três dias. Que não aconteça que seus discípulos venham roubá-lo e o povo acredite que ele tenha ressuscitado dos mortos e nos faça mal”.

31. Pilatos deu-lhes o centurião Petrônio com soldados para vigiar o sepulcro. Com eles dirigiram-se ao túmulo os anciãos e os escribas

32. e todos os que ali estavam com o centurião. Os soldados rolaram uma grande pedra

33. e a colocaram na entrada do túmulo. Nela imprimiram sete selos. Depois ergueram ali uma tenda e montaram guarda.

XV.

34. Pela manhã, ao despontar do sábado, veio de Jerusalém e das vizinhanças uma multidão para ver o túmulo selado.

Ressurreição de Jesus

35. Mas durante a noite que precedeu o dia do Senhor, enquanto os soldados montavam guarda, por turno, dois a dois, ressoou no céu uma voz forte

36. e viram abrir-se os céus e descer de lá dois homens, com grande esplendor, e aproximar-se do túmulo.

37. A pedra que fora colocada em frente à porta rolou donde estava e se pôs de lado. Abriu-se o sepulcro e nele entraram os dois jovens.

X.

38. À vista disto, os soldados foram acordar o centurião e os anciãos, pois também estes estavam de guarda.

39. E enquanto lhes contavam tudo o que tinham presenciado, viram também sair três homens do sepulcro: dois deles amparavam o terceiro e eram seguidos por uma cruz.

40. A cabeça dos dois homens atingia o céu, enquanto a daquele que conduziam pela mão ultrapassava os céus.

41. Ouviram do céu uma voz que dizia:

“Pregaste aos que dormem?”

42. E da cruz se ouviu a resposta: -- “Sim”.

XI.

43. Eles, então, deliberaram em conjunto ir relatar essas coisas a Pilatos.

44. Enquanto ainda conversavam, abriram-se novamente os céus. Um homem desceu e entrou no túmulo.

45. Vendo aquilo, o centurião e os que estavam com ele apressaram-se, sendo ainda noite, a procurar Pilatos, deixando o sepulcro que tinham vigiado. Extremamente abalados, expuseram tudo o que tinham visto e disseram: “Era verdadeiramente filho de Deus”.

46. Pilatos respondeu: “Sou inocente do sangue do filho de Deus, fostes vós que decidistes assim”.

47. Depois todos se aproximaram, pedindo e suplicando que ordenasse ao centurião e aos soldados não contar a ninguém o que tinham visto.

48. “Para nós, diziam, é melhor ser culpado de gravíssimo pecado diante de Deus, do que cair nas mãos do povo judeu e ser lapidados”.

49. Pilatos, então ordenou ao centurião e aos soldados que nada dissessem.

As mulheres e o sepulcro

XII.

50. Ao amanhecer do dia do Senhor, Maria Madalena, discípula do Senhor, que, por medo dos judeus ardentes de cólera, não havia feito na sepultura do Senhor tudo quanto as mulheres costumavam fazer pelos mortos que lhes eram caros,

51. tomou consigo as amigas e dirigiu-se ao túmulo onde tinha sido posto.

52. Elas temiam ser vistas pelos judeus e diziam: “Se, no dia em que foi crucificado, não podemos chorar e lamentar-nos batendo no peito, façamo-lo pelo menos agora seu túmulo”.

53. Quem, no entanto, nos há de revolver a pedra colocada na entrada do sepulcro, a fim de que possamos entrar, sentar-nos em volta dele cumprir o que lhe é devido?

54. A pedra é grande e tememos que alguém nos veja. Se não o pudermos fazer, deponhamos, pelo menos, na porta o que trouxemos em sua memória. Choraremos e nos lamentaremos, batendo-nos no peito até a hora de voltarmos para casa”.

XIII.

55. Mas quando chegaram, encontraram o sepulcro aberto. Aproximando-se, inclinaram-se e viram ali um jovem sentado no meio do sepulcro. Era belo e estavam revestido de túnica de raro resplendor. Perguntaram-lhe:

56. “Por que viestes? A quem procurais? Por acaso, aquele que foi crucificado? Ressuscitou e foi-se embora. Se não o acreditais, inclinai-vos e olhai o lugar onde jazia. Não está mais. Ressuscitou, na verdade, e voltou para o lugar donde veio”.

57. As mulheres fugiram atemorizadas.

Conclusão

XIV.

58. Era o último dia dos Ázimos. Muitos deixavam a cidade e voltavam para suas casas; acabara-se a festa.

59. Nós, porém, os doze apóstolos do Senhor, chorávamos e nos entristecíamos. Depois, cada um , angustiado por tudo o que tinha acontecido, voltou para sua casa.

60. Eu, pelo contrário, Simão Pedro, e meu irmão André tomamos nossas redes e nos dirigimos ao mar. Conosco estava Levi, filho de Alfeu, que o Senhor...

* * *
Fonte: Bíblia, Apócrifos e Judaísmo (http://www.bibliaeapocrifos.com.br)

História de José, o Carpinteiro

(atribuída a Jesus e os Doze Apóstolos)

Quando nosso Salvador contou a vida de José, o Carpinteiro, a nós, os apóstolos, reunidos no monte das Oliveiras, nós escrevemos sua palavras e depois guardamo-las na biblioteca de Jerusalém. Além disso, deixamos consignado que o dia no qual o santo ancião separou-se do seu corpo: foi do dia 26 de Epep[1], na paz do Senhor. Amém.

Capítulo I - Jesus Fala a Seus Apóstolos

Estava um dia nosso bom Salvador no monte das Oliveiras, com os discípulos a sua volta e dirigiu-se a eles com estas palavras:- Meus queridos irmãos, filhos de meu amado Pai, escolhidos por Ele entre todos do mundo! Bem sabeis o que tantas vezes vos repeti: é necessário que eu seja crucificado e que experimente a morte, que ressuscite de entre os mortos e que vos transmita a mensagem do Evangelho para que vós, de vossa parte, o pregueis por todo o mundo. Eu farei descer sobre vós uma força do alto, a qual vos impregnará com o Espírito Santo, para que vós, finalmente, pregueis para todas as pessoas desta maneira: fazei penitência! Porque vale mais um copo de água na vida vindoura do que todas as riquezas deste mundo. Vale mais pôr somente o pé na casa de meu Pai que toda a riqueza deste mundo. Mais ainda: vale mais uma hora de regozijo para os justos que mil anos para os pecadores, durante os quais hão de chorar e lamentar, sem que ninguém preste atenção nem console seus gemidos. Quando, pois, meus queridos amigos, chegue a hora de ir-vos, pregai, que meu Pai exigirá contas com balança justa e equilibrada e examinará até as palavras inúteis que possais haver dito. Assim como ninguém pode escapar à mão da morte, da mesma maneira ninguém pode subtrair-se de seus próprios atos, sejam eles bons ou maus. Além disso, vos tenho dito muitas vezes, e repito agora, que nenhum forte poderá salvar-se por sua própria força e nenhum rico, pelo tamanho da sua riqueza. E agora, escutai, que narrar-vos-ei a vida de meu pai José, o abençoado ancião carpinteiro.

Capítulo II - Viuvez de José

Havia um homem chamado José, que veio de Belém, essa vila judia que é a cidade do rei Davi. Impunha-se pela sua sabedoria e pelo seu ofício de carpinteiro. Este homem, José, uniu-se em santo matrimônio com uma mulher que lhe deu filhos e filhas: quatro homens e duas mulheres, cujos nomes eram: Judas, Josetos, Tiago e Simão. Suas filhas chamavam-se Lísia e Lídia. A esposa de José morreu, como está determinado que aconteça a todo o homem, deixando seu filho Tiago ainda menino de pouca idade. José era um homem justo e dava graças a Deus em todos os seus atos. Costumava viajar para fora da cidade com freqüência para exercer o ofício de carpinteiro, em companhia de dois de seus filhos mais velhos, já que vivia do trabalho de suas mãos, conforme o que estabelecia a lei de Moisés. Esse homem justo, de quem estou falando, é José, meu pai segundo a carne, com quem se casou na qualidade de consorte, minha mãe, Maria.

Capítulo III - Maria no Templo

Enquanto meu pai José permanecia viúvo, minha mãe, a boa bendita entre as mulheres, vivia por sua parte no templo, servindo a Deus em toda a santidade. --Havia já completado doze anos. Passara os seus três primeiros anos na casa de seus pais e os nove restantes no templo do senhor. Ao ver que a santa donzela levava uma vida simples e plena de temos a Deus, os sacerdotes conservaram entre si e disseram: - Busquemos um homem de bem e celebremos o casamento com ele, até que chegue o momento de seu matrimônio. Que não seja por descuido nosso que lhe sobrevenha o período da sua purificação no templo, nem que venhamos a incorrer em um pecado grave.

Capítulo IV - Bodas de Maria e José

Convocaram, então, as tribos de Judá e escolheram entre elas doze homens, correspondendo ao número das doze tribos. A sorte recaiu sobre o bom velho José, meu pai, segundo a carne. Disseram os sacerdotes a minha mãe, a Virgem: - Vai com José e permanece submissa a ele, até que chegue a hora de celebrar teu matrimônio. José levou Maria, minha mãe, para sua casa. Ela encontrou o pequeno Tiago na triste condição de órfão e o cobriu de carinhos e cuidados. Esta foi a razão pela qual a chamaram Maria, a mãe de Tiago. Depois de tê-la acomodado em sua casa, José partiu para o local onde exercia o ofício de carpinteiro. Minha mãe Maria viveu dois anos em sua casa, até que chegou o feliz momento.

Capítulo V - Encarnação

No décimo quarto ano de idade, Eu, Jesus, vossa vida, vim habitar nela por meu próprio desejo. Aos três meses de gravidez o solícito José voltou de suas ocupações. Ao encontrar minha mãe grávida, preso à turbação e ao medo, pensou secretamente em abandoná-la. Foi tão grande o desgosto, que não quis comer nem beber naquele dia.

Capítulo VI - Visão de José

Eis, porém, que durante a noite, mandado por meu Pai, Gabriel, o arcanjo da alegria, apareceu-lhe numa visão e lhe disse: - José, filho de Davi, não tenhas cuidado em admitir Maria, tua esposa, em tua companhia. Saberás que o que foi concebido em seu ventre é fruto do Espírito Santo. Dará, então, à luz um filho, a quem tu porás o nome de Jesus. Ele apascentará os povos com o cajado de ferro. Dito isso, o anjo desapareceu. José, voltando do sono, cumpriu o que lhe havia sido ordenado, admitindo Maria consigo.

Capítulo VII - Viagem a Belém

Então o imperador Augusto fez proclamar que todos deveriam comparecer ao recenseamento, cada um conforme seu lugar de origem. Também o bom velho se pôs a caminho e levou Maria, minha virgem mãe, até a sua cidade de Belém. Como o parto já estava próximo, ele fez o escriba anotar seu nome da seguinte maneira: - José, filho de Davi, Maria, sua esposa, e seu filho Jesus, da tribo de Judá. Maria, minha mãe, trouxe-me ao mundo quando retornava de Belém, perto do túmulo de Raquel, a mulher do patriarca Jacó, a mãe de José e Benjamim.

Capítulo VIII - Fuga para o Egito

Satanás deu um conselho a Herodes, o Grande, pai de Arqueleu, aquele que fez decapitar meu querido parente João. Ele me procurou para tirar-me a vida, porque pensava que meu reino era deste mundo. Meu Pai manifestou isso a José, numa visão, e este pôs-se imediatamente em fuga levado consigo a mim e a minha mãe, em cujos braços eu ia deitado. Salomé [2] também nos acompanhava. Descemos até o Egito e ali permanecemos por um ano, até que o corpo de Herodes foi presa da corrupção, como castigo justo pelo sangue dos inocentes que ele havia derramado e dos quais já nem se lembrava.

Capítulo IX - Retorno à Galiléia

Quando o iníquo Herodes deixou de existir, voltamos a Israel e fomos viver em uma vila da Galiléia chamada Nazaré. Meu pai José, o bendito ancião, continuava exercendo o ofício de carpinteiro, graças a que podíamos viver. Jamais poder-se-á dizer que ele comeu seu pão de graça, mais sim que se conduzia de acordo com o prescrito na lei de Moisés.

Capítulo X - Velhice de José

Depois de tanto tempo, seu corpo não se mostrava doente, nem tinha a vista fraca, nem havia sequer um só dente estragado em sua boca. Nunca lhe faltou a sensatez e a prudência e sempre conservou intacto o seu sadio juízo, mesmo já sendo um venerável ancião de cento e onze anos.

Capítulo XI - Obediência de Jesus

Seus dois filhos Josetos e Simão casaram-se e foram viver em seus próprios lares. Da mesma forma, suas duas filhas casaram-se, como é natural entre os homens, e José ficou com o seu pequeno filho Tiago. Eu, da minha parte, desde que minha mãe trouxe-me a este mundo, estive sempre submisso a ele como um menino e fiz o que é natural entre os homens, exceto pecar. Chamava Maria de minha mãe e José de meu pai. Obedecia-os em tudo o que me pediam, sem ter jamais me permitido replicar-lhes com uma palavra, mas sim mostrar-lhes sempre um grande carinho.

Capítulo XII - Frente à Morte

Chegou, porém, para meu pai José, a hora de abandonar este mundo, que é a sorte de todo homem mortal. Quando seu corpo adoeceu, veio um de Deus anjo anunciar-lhe: - Tua morte dar-se-á neste ano. Sentindo sua alma cheia de turbação, ele fez uma viagem até Jerusalém, entrou no templo do Senhor, humilhou-se diante do altar e orou desta maneira:

Capítulo XIII - Oração de José

-Ó Deus, pai de toda misericórdia e Deus de toda carne, Senhor da minha alma, de meu corpo e do meu espírito! Se é que já se cumpriram todos os dias da vida que me deste neste mundo, rogo-te, Senhor Deus, que envies o arcanjo Micael para que fique do meu lado, até que minha desditada alma saia do corpo sem dor nem turbação. Porque a morte é para todos causa de dor e turbação, quer se trate de um homem, de um animal doméstico ou selvagem, ou ainda de um verme ou um pássaro. Em uma palavra, é muito dolorosa para todas as criaturas que vivem sob o céu e que alentam um sopro de espírito para suportar o transe de ver sua alma separada do corpo. Agora, meu Senhor, faz com que o teu anjo fique do lado da minha alma e do meu corpo e que esta recíproca separação se consuma sem dor. Não permitas que aquele anjo que me foi dado no dia em que saí de teu seio volte seu rosto irado para mim ao longo deste caminho que empreendi até vós, mas sim que ele se mostre amável e pacífico. Não permitas que aqueles cujas faces mudam dificultem a minha ida até vós. Não consintas que minha alma caia em mãos do cérbero e não me confundas em teu formidável tribunal. Não permitas que as ondas deste rio de fogo, nas quais serão envolvidas todas as almas antes de ver a glória de teu rosto, voltem-se furiosas contra mim. Ó Deus, que julgais a todos na Verdade e na Justiça, oxalá tua misericórdia sirva-me agora de consolo, já que sois a fonte de todos os bens e a ti se deve toda a glória pela eternidade das eternidades! Amém.

Capítulo XIV - Doença de José

Aconteceu que, ao voltar a sua residência habitual de Nazaré, viu-se atacado pela doença que havia de levá-lo ao túmulo. Esta apresentou-se de forma mais alarmante do que em qualquer outra ocasião de sua vida, desde o dia em que nasceu. Eis aqui, resumida, a vida de meu querido pai José: ao chegar aos quarenta anos, contraiu matrimônio, no qual viveu outros quarenta e nove. Depois que sua mulher morreu, passou somente um ano. Minha mãe logo passou dois anos em sua casa, depois que os sacerdotes confiaram-na com estas palavras: - Guarda-a até o tempo em que se celebre vosso matrimônio. Ao começar o terceiro ano de sua permanência ali - tinha nessa época quinze anos de idade - trouxe-me ao mundo de um modo misterioso, que ninguém entre toda a criação pode conhecer, com exceção de mim, de meu Pai e do Espírito Santo, que formamos uma unidade.

Capítulo XV - O Início do Fim

A vida de meu pai José, o abençoado ancião, compreendeu cento e onze anos, conforme determinara meu bom Pai. O dia em que se separou do corpo foi no dia 26 do mês de Epep. O ouro acentuado de sua carne começou a desfazer-se e a prata da sua inteligência e razão sofreu alterações. Esqueceu-se de comer e de beber e a destreza no desempenho de seu ofício passou a declinar. Aconteceu que, ao amanhecer do dia 26 de Epep, enquanto estava em seu leito, foi tomado de uma grande agitação. Gemeu forte, bateu palmas três vezes e, fora de si, pôs-se a gritar dizendo:

Capítulo XVI - Lamentos de José

- Ai, miserável de mim! Ai do dia em que minha mãe trouxe-me ao mundo! Ai do seio materno do qual recebi o germe da vida! Ai dos peitos que me amamentaram! Ai do regaço em que me reclinei! Ai das mãos que me sustentaram até o dia em que cresci e comecei a pecar! Ai de minha língua e de meus lábios que proferiram injúrias, enganos, infâmias e calúnias! Ai dos meus olhos, que viram o escândalo! Ai dos meus ouvidos que escutaram conversações frívolas! Ai das minhas mãos que subtraíram coisas que não lhes pertenciam! Ai do meu estômago e do meu ventre que ambicionaram o que não era deles! Quando alguma coisa lhes era apresentada, devoravam-na com mais avidez do que poderia fazê-lo o próprio fogo! Ai dos meus pés que fizeram um mau serviço ao meu corpo, já que o levaram por maus caminhos! Ao do meu corpo todo que deixou a minha alma reduzida a um deserto, afastando-a de Deus que a criou! Que farei agora? Não encontro saída em parte alguma! Em verdade é que pobres dos homens que são pecadores! Esta é a angústia que se apoderou de meu pai Jacob em sua agonia, a qual veio hoje a ter comigo, infeliz. Mas, ó Senhor, meu Deus, que és o mediador de minha alma e de meu corpo e de meu espírito, cumpre em mim a tua divina vontade.

Capítulo XVII - Jesus consola seu Pai

Quando terminou de dizer estas palavras, entrei no local onde ele se encontrava e, ao vê-lo agitado de corpo e de alma, disse-lhe: - Salve, José, meu querido pai, ancião bom e abençoado. Ele respondeu, ainda tomado por um medo mortal: - Salve mil vezes, querido filho. Ao ouvir tua voz, minha alma recupera sua tranqüilidade. Jesus, meu Senhor! Jesus, meu verdadeiro rei, meu salvador bom e misericordioso! Jesus, meu libertador! Jesus, meu guia! Jesus, meu protetor! Jesus, em cuja bondade encontra-se tudo! Jesus, cujo nome é suave e forte na boca de todos! Jesus, olho que vê e ouvido que ouve verdadeiramente: escuta-me hoje, teu servidor, quando elevo meus rogos e verto meus lamentos diante de ti. Em verdade tu és Deus. Tu és o Senhor, conforme tem-me repetido muitas vezes o anjo, sobretudo naquele dia em que suspeitas humanas se aninharam em meu coração, ao observar os sinais de gravidez da Virgem sem mácula e eu havia decidido abandoná-la. Mas, quando eu estava pensando nisto, um anjo apareceu-me em sonhos e me disse: José, filho de Davi, não tenhas receio em receber Maria como esposa, pois o que há de dar à luz é fruto do Espírito Santo. Não guardes suspeita alguma a respeito de sua gravidez. Ela trará ao mundo um filho e tu dar-lhe-ás o nome de Jesus. Tu és Jesus Cristo, o salvador da minha alma, de meu corpo e de meu espírito. Não me condenes, teu servo e obra de tuas mãos. Eu não sabia nem conhecia o mistério de teu maravilhoso nascimento e jamais havia ouvido que uma mulher pudesse conceber sem a obra de um homem e que uma virgem pudesse dar à luz sem romper o selo de sua virgindade. Ó, meu Senhor! Se não tivesse conhecido a lei desse mistério, não teria acreditado em ti, nem em teu santo nascimento, nem rendido honras a Maria, a Virgem, que te trouxe a este mundo. Recordo ainda aquele dia em que um menino morreu, por causa da mordida de uma serpente. Seus familiares vieram a ti, com intenção de entregar-te a Herodes. Mas tua misericórdia alcançou a pobre vítima e devolveste-lhe a vida para dissipar aquela calúnia que te faziam, como causador da sua morte. Pelo que houve uma grande alegria na casa do defunto. Então eu te peguei pela orelha e disse-te: não sejas imprudente, meu filho. E tu me ameaçaste desta maneira: se não fosses meu pai, segundo a carne, dar-te-ia a entender que é isso o que acabas de fazer. Sim, pois, ó meu Senhor e Deus, esta é a razão pela qual vieste em tom de juízo e pela qual permitiste que recaíssem sobre mim estes terríveis presságios. Suplico-te que não me coloques diante do teu tribunal para lutar comigo. Eis que eu sou teu servo e filho de tua escrava. Se houveres por bem romper meus grilhões, oferecer-te-ei um santo sacrifício, que não será outro senão a confissão da tua divina glória, de que tu és Jesus Cristo, filho verdadeiro de Deus e, por outro lado, filho verdadeiro do homem.

Capítulo XVIII - Aflição de Maria

Quando meu pai disse essas palavras, eu não pude conter as lágrimas e pus-me a chorar, vendo como a morte vinha apoderando-se dele pouco a pouco e ouvindo, sobretudo, as palavras cheias de amargura que saíam da sua boca. Naquele momento, meus queridos irmãos, veio-me ao pensamento a morte na cruz que haveria de sofrer pela vida de todo mundo. Então Maria, minha querida mãe, cujo nome é doce para todos os que me amam, levantou-se e disse-me, tendo seu coração inundado na amargura: - Ai de mim, filho querido! Está à morte o bom e abençoado ancião José, teu pai querido e adorado? Eu lhe respondi: - Minha mãe querida, quem entre o humanos ver-se-á livre da necessidade de ter de encarar a morte? Esta é dona de toda a humanidade, mãe bendita! E mesmo tu hás de morrer como todos os outros homens. Nem tua morte nem a de meu pai José, porém, podem chamar-se propriamente morte, mas vida eterna ininterrupta. Também eu hei de passar por este transe por causa da carne mortal com a qual estou revestido. Agora, mãe querida, levanta-te e vai até onde está o abençoado ancião José para que possas ver o lugar que o aguarda lá no alto.

Capítulo XIX - As Dores de José

Levantou-se, entrou no local onde ele se encontrava e pôde apreciar os sinais evidentes da morte que já se refletiam nele. Eu, meus queridos, postei-me em sua cabeceira e minha mãe aos seus pés. Ele fixava seus olhos no meu rosto, sem poder sequer dirigir-me uma palavra, já que a morte apoderava-se dele pouco a pouco. Elevou, então, seu olhar até o alto e deixou escapar um forte gemido. Eu segurei suas mãos e seus pés durante um longo tempo e ele me olhava, suplicando-me que não o abandonasse nas mãos dos seus inimigos. Eu coloquei minha mão sobre seu peito e notei que sua alma já havia subido até a sua garganta para deixar seu corpo, mas ainda não havia chegado o momento supremo da morte. Caso contrário, não teria podido agüentar mais. Não obstante, as lágrimas, a comoção e o abatimento que sempre a precedem já faziam presentes.

Capítulo XX - A Agonia

Quando minha mãe querida viu-me apalpar o seu corpo, quis ela, de sua parte apalpar, os pés e notou que o alento havia fugido juntamente com o calor. Dirigiu-se a mim e disse-me ingenuamente: - Obrigada, filho querido, pois desde o momento em que puseste tua mão sobre seu corpo, a febre o abandonou. Vê, seus membros estão frios como o gelo. Eu chamei os seus filhos e filhas e lhes disse: - Falai agora com o vosso pai, que este é o momento de fazê-lo, antes que sua boca deixe de falar e seu corpo fique hirto. Seus filhos e filhas falaram com ele, mas sua vida estava minada por aquela doença mortal que provocaria sua saída deste mundo. Então, Lísia, filha de José, levantou-se para dizer aos seus irmãos: - Juro, queridos irmãos, que esta é a mesma doença que derrubou a nossa mãe e que não voltou a aparecer por aqui até agora. O mesmo acontece com o nosso pai José, para que não voltemos a vê-lo senão na eternidade. Então os filhos de José irromperam em lamentos. Maria, minha mãe, e eu, de nossa parte, unimo-nos ao seu pranto pois, efetivamente, já havia chegado a hora da morte.

Capítulo XXI - A Morte Chega

Pus-me a olhar para o sul e vi a morte dirigir-se a nossa casa. Vinha seguida de Amenti, que é seu satélite, e do Diabo, a quem acompanhava uma multidão de esbirros vestidos de fogo, cujas bocas vomitavam fumaça e enxofre. Ao levantar os olhos, meu pai deparou-se com aquele cortejo que o olhava com rosto colérico e raivoso, do mesmo modo que costuma olhar todas as almas que saem do corpo, particularmente aquelas que são pecadoras e que considera como propriedade sua. Diante da visão desse espetáculo, os olhos do bom velho anuviaram-se de lágrimas. Foi neste momento em que meu pai exalou sua alma com um grande suspiro, enquanto procurava encontrar um lugar onde se esconder e salvar-se. Quando observei o suspiro de meu pai, provocado pela visão daquelas forças até então desconhecidas para ele, levantei-me rapidamente e expulsei o Diabo e todo seu cortejo. Eles fugiram envergonhados e confusos. Ninguém entre os presentes, nem mesmo minha própria mãe Maria, apercebeu-se da presença daqueles terríveis esquadrões que saem à caça de almas humanas.Quando a morte percebeu que eu havia expulsado e mandado embora as potestades infernais, para que não pudessem espalhar armadilhas, encheu-se de pavor. Levantei-me apressadamente e dirigi esta oração a meu Pai, o Deus de toda misericórdia:

Capítulo XXII - Oração de Jesus

- Meu Pai misericordioso, Pai da verdade, olho que vê e ouvido que ouve, escuta-me, que eu sou teu filho querido! Peço-te por meu pai José, a obra de vossas mãos. Envia-me um grande corpo de anjos, juntamente com Micael, o administrador dos bens, e com Gabriel, o bom mensageiro da luz, para que acompanhem a alma de meu pai José até que se tenha livrado do sétimo éon tenebroso, de forma que não se veja forçado a empreender esses caminhos infernais, terríveis para o viajante por estarem infestados de gênios malignos e saqueadores e por ter de atravessar esse lugar espantoso por onde corre um rio de fogo igual às ondas do mar. Sede, além disso, piedoso para com a alma de meu pai José, quando ela vier repousar em vossas mãos, pois é este o momento em que mais necessita da tua misericórdia. Eu vos digo, veneráveis irmãos e abençoados apóstolos, que todo homem que, chegando a discernir entre o bem e o mal, tenha consumido seu tempo seguindo a fascinação dos seus olhos, quando chegue a hora de sua morte e tenha de libertar o passo para comparecer diante do tribunal terrível e fazer sua própria defesa, ver-se-á necessitado da piedade de meu bom Pai. Continuemos, porém, relatando o desenlace de meu pai, o abençoado ancião.

Capítulo XXIII - José Expira

Quando eu disse amém, Maria, minha mãe, respondeu na língua falada pelos habitantes do céu. No mesmo instante Micael, Gabriel e anjos, em coro, vindos do céu, voaram sobre o corpo de meu pai José. Em seguida, intensificaram-se os lamentos próprios da morte e soube, então, que havia chegado o momento desolador. Sofria meu pai dores parecidas com as de uma mulher no parto, enquanto que a febre o castigava da mesma maneira que um forte furacão ou um imenso fogo devasta um espesso bosque. A morte, cheia de medo, não ousava lançar-se sobre o corpo de meu pai para separá-lo da alma, pois seu olhar havia dado comigo, que estava sentado a sua cabeceira, com as mãos sobre suas têmporas. Quando me apercebi de que a morte tinha medo de entrar por minha causa, levantei-me, dirigi meus passos até o lado de fora da porta e encontrei-a só e amedrontada, em atitude de espera. Eu lhe disse: - Ó tu, que vens do Meio-dia, entra rapidamente e cumpre o que ordenou-te meu Pai. Porém, guarda José como a menina dos teus olhos, posto que é meu pai segundo a carne e compartilhou a dor comigo, durante os anos da minha infância, quanto teve de fugir de um lado para outro por causa das maquinações de Herodes e ensinou-me como costumam fazer os pais para o proveito dos seus filhos. Então Abbadão entrou, tomou a alma de meu pai José e separou-a do corpo no mesmo instante em que o sol fazia sua aparição no horizonte, no dia 26 do mês de Epep, em paz. A vida de meu pai compreendeu cento e onze anos. Micael e Gabriel pegaram cada qual em um extremo de um pano de seda e nele depositaram a alma de meu querido pai José depois de tê-la beijado reverentemente. Enquanto isso, nenhum dos que rodeavam José havia percebido a sua morte, nem sequer minha mãe Maria. Eu confiei a alma do meu querido pai José a Micael e Gabriel, para que a guardassem contra os raptores que saqueiam pelo caminho e encarreguei os espíritos incorpóreos de continuarem cantando canções até que, finalmente, depositaram-no junto a meu Pai no céu.

Capítulo XXIV - Luto na Casa de José

Inclinei-me sobre o corpo inerte de meu pai. Cerrei seus olhos, fechei sua boca e levantei-me para contemplá-lo. Depois disse à Virgem: - Ó Maria, minha mãe, onde estão os objetos de artesanato feitos por ele desde sua infância até hoje? Neste momento todos eles passaram, como se ele não tivesse sequer vindo a este mundo. Quando seus filhos e filhas ouviram-me dizer isto a Maria, minha mãe virginal, perguntaram-me com vozes fortes e lamentos: - Será que nosso pai morreu sem que nós nos apercebêssemos? Eu lhes disse: - Efetivamente, morreu, mas sua morte não é morte, porém vida eterna. Grandes coisas esperam nosso querido pai José. Desde o momento em que sua alma sai do seu corpo, desapareceu para ele toda espécie de dor. Ele se pôs a caminho do reino eterno. Deixou atrás de si o peso da carne, com todo este mundo de dor e de preocupações, e foi para o lugar de repouso que tem meu Pai nesses céus que nunca serão destruídos. Ao dizer a meus irmãos que o nosso pai José, o abençoado ancião, havia finalmente morrido, eles se levantaram, rasgaram suas vestes e o choraram durante um longo tempo.

Capítulo XXV - Luto em Nazaré

Quando os habitantes de Nazaré e de toda a Galiléia inteiraram-se da triste nova, acudiram em massa ao lugar onde nos encontrávamos. De acordo com a lei dos judeus, passaram todo o dia dando sinais de luto até que chegou a nona hora. Despedi, então todos, derramei água sobre o corpo de meu pai José, ungi-o com bálsamo e dirigi ao meu Pai amado, que está nos céus, uma oração celestial que havia escrito com meus próprios dedos, antes de encarnar-me nas entranhas da Virgem Maria. Ao dizer amém, veio uma multidão de anjos. Mandei que dois deles estendessem um manto para depositar nele o corpo de meu pai José para que o amortalhassem.

Capítulo XXVI - Bênção de Jesus

Pus minhas mãos sobre o seu corpo e disse: - Não serás vítima da fetidez da morte. Que teus ouvidos não sofram corrupção. Que não emane podridão de teu corpo. Que não se perca na terra a tua mortalha nem a tua carne, mas que fiquem intactas, aderidas ao teu corpo até o dia do convite dos dois mil anos. Que não envelheçam, querido pai, esses cabelos que tantas vezes acariciei com minhas mãos. E que a boa sorte esteja contigo. Aquele que se preocupar em levar uma oferenda ao teu santuário no dia de tua comemoração, eu o abençoarei com afluxos de dons celestiais. Assim mesmo, a todo aquele que der pão a um pobre em teu nome, não permitirei que se veja agoniado pela necessidade de quaisquer bens deste mundo, durante todos os dias de sua vida. Conceder-te-ei que possas convidar ao banquete dos mil anos a todos aqueles que no dia de tua comemoração ponham um copo de vinho na mão de um forasteiro, de uma viúva ou de um órfão. Hei de dar-te de presente, enquanto vivam neste mundo, a todos os que se dediquem a escrever o livro da tua saída deste mundo e a consignar todas as palavras que hoje saíram de minha boca. Quando abandonarem este mundo, farei com que desapareça o livro no qual estão escritos seus pecados e que não sofram nenhum tormento, além da inevitável morte e do rio de fogo que está diante do meu Pai, para purificar toda a espécie de almas. Se acontecer que um pobre, não podendo fazer nada do que foi dito, ponha o nome de José em um de seus filhos em tua honra, farei com que naquela casa não entre a fome nem a peste, pois o teu nome habita ali de verdade.

Capítulo XXVII - A Caminho do Túmulo

Os anciãos da cidade apresentaram-se na casa enlutada, acompanhados daqueles que procediam ao sepultamento à maneira judia. Encontraram o cadáver já preparado para o enterro. A mortalha se havia aderido fortemente ao seu corpo, como se houvessem atado com grampos de ferro e não puderam encontrar sua abertura, quando removeram o cadáver. Em seguida, passou-se a conduzir o morto até seu túmulo. Quando chegaram até ele e estavam já preparados para abrir sua entrada e colocá-lo junto aos restos de seu pai, veio-me à mente a lembrança do dia em que me levou até o Egito e das grandes preocupações que assumiu por mim. Não pude deixar de atirar-me sobre o seu corpo e chorar por um longo tempo, dizendo:

Capítulo XXVIII - Exclamações de Jesus

- Ó morte, de quantas lágrimas e lamentos és causa! Esse poder, porém, vem d'Aquele que tem sob o seu domínio todo o universo. Por isso tal reprovação não vai tanto contra a morte senão contra Adão e Eva. A morte não atua nunca sem uma prévia ordem de meu Pai. Existem aqueles que viveram mais de novecentos anos e outros ainda muito mais tempo. Entretanto, nenhum deles disse: eu vi a morte ou a morte vinha de tempos em tempos atormentar-me. Senão que ela traz uma só vez a dor e, ainda assim, é meu bom Pai quem a envia. Quando vem em busca do homem, ela sabe que tal resolução provém do céu. Se a sentença vem carregada de raiva, a morte também se manifesta colérica para cumprir sua incumbência, pegando a alma do homem e entregando-a ao seu Senhor. A morte não tem atribuições para atirar o homem ao inferno nem para introduzí-lo no reino celestial. A morte cumpre de fato a missão de Deus, ao contrário de Adão, que ao não submeter-se à vontade divina, cometeu uma transgressão. Ele irritou meu Pai contra si, por haver preferido dar ouvidos a sua mulher, antes de obedecer à sua missão. Assim, todo ser vivo ficou implacavelmente condenado à morte. Se Adão não houvesse sido desobediente, meu Pai não o teria castigado com esta terrível sina. O que impede agora que eu faça uma oração ao meu bom Pai para que envie um grande carro luminoso para elevar José, a fim de que não prove das amarguras da morte e que o transporte ao lugar de repouso, na mesma carne que trouxe ao mundo, para que ali viva com seus anjos incorpóreos? A transgressão de Adão foi a causa de sobreviverem esses grandes males sobre a humanidade, juntamente com o irremediável da morte. Embora eu mesmo carregue também esta carne concebida na dor, devo provar com ela da morte para que possa apiedar-me das criaturas que formei.

Capítulo XXIX - O Enterro

Enquanto dizia essas coisas, abraçado ao corpo de meu pai José e chorando sobre ele, abriram a entrada do sepulcro e depositaram o cadáver junto ao de seu pai Jacob. Sua vida foi de cento e onze anos, sem que ao fim de tanto tempo um só dente tivesse estragado em sua boca ou sem que seus olhos se tornassem fracos, senão que todo o seu aspecto assemelhava-se ao de um afetuoso menino. Nunca esteve doente, senão que trabalhou continuamente em seu ofício de carpinteiro, até o dia que sobreveio a doença que haveria de levá-lo ao sepulcro.

Capítulo XXX - Contestação dos Apóstolos

Quando nós, os apóstolos, ouvimos tais coisas dos lábios de nosso Salvador, pusemo-nos em pé, cheios de prazer e passamos a adorar suas mãos e seus pés, dizendo com o êxtase da alegria: - Damos-te graças, nosso Senhor e Salvador, por te haveres dignado a presentear-nos com essas palavras saídas de teus lábios. Mas não deixamos de admirar, ó bom Salvador, pois não entendemos como, havendo concedido a imortalidade a Elias e a Enoch, já que estão desfrutando dos bens na mesma carne com que nasceram, sem que tenham sido vítimas da corrupção, e agora, tratando-se do bendito ancião José, o Carpinteiro, a quem concedeste a grande honra de chamá-lo teu pai e de obedecê-lo em todas as coisas, a nós mesmos nos encarregaste: quando fordes revestidos da mesma força, recebereis a voz de meu Pai, isto é, o Espírito Paráclito, e sereis enviados para pregar o evangelho e pregai também ao querido pai José. E ainda: consignai estas palavras de vida no testamento de sua partida deste mundo e lê as palavras deste testamento nos dias solenes e festivos e quem não tiver aprendido a ler corretamente, não deve ler este testamento nos dias festivos. Finalmente, quem suprimir o adicionar algo a estas palavras, de maneira a fazer-me embusteiro, será réu de minha vingança. Admira-nos, repetimos, aquele que, havendo chamado teu pai segundo a carne, desde o dia em que nasceste em Belém, não lhe tenhas concedido a imortalidade para viver eternamente.

Capítulo XXXI - Resposta de Jesus

Nosso Salvador respondeu, dizendo-nos: - A sentença pronunciada por meu Pai contra Adão não deixará de ser cumprida, já que este não foi obediente aos mandamentos. Quando meu Pai destina a alguém ser justo, este vem a ser imediatamente o seu eleito. Se um homem ofende a Deus por amar as obras do demônio, acaso ignora que um dia virá a cair em suas mãos se seguir impenitente, mesmo se lhe concederem longos dias de vida? Se, ao contrário, alguém vive muito tempo, fazendo sempre boas obras, serão exatamente elas que o farão velho. Quando Deus vê que alguém segue o caminho da perdição, costuma conceder-lhe um curto prazo de vida e o faz desaparecer na metade dos seus dias. Quanto aos demais, hão de ter o exato cumprimento das profecias ditadas por meu Pai acerca da humanidade e todas as coisas hão de suceder de acordo com elas. Haveis citado o caso de Enoch e Elias. Eles, dizeis, continuam vivendo e conservam a carne que trouxeram a este mundo. Por que, então, em se tratando de meu pai, não lhe permiti conservar seu corpo? Então eu digo que, mesmo que houvesse chegado a ter mais de dez mil anos, sempre incorreria na mesma necessidade de morrer. Mais ainda, eu asseguro que sempre que Enoch e Elias pensam na morte, desejariam já havê-la sofrido a verem-se assim, livres da necessidade que lhes é imposta, já que deverão morrer num dia de turbação, de medo, de gritos, de perdição e de aflição. Pois haveis de saber que o Anticristo há de matar esses homens e de derramar seu sangue na terra como água de um copo por causa das incriminações que lhe imputarão, quando os acusarem.

Capítulo XXXII - Epílogo

Nós respondemos, dizendo: - Nosso Senhor e Deus, quem são esses dois homens, dos quais disseste que o filho da perdição matará por um copo de água? Jesus, nosso Salvador e nossa vida, respondeu: - Enoch e Elias. Ao ouvir essas palavras da boca de nosso Salvador, se nos encheu o coração de prazer e de alegria. Por isso lhe rendemos homenagens e graças como nosso Senhor, nosso Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo, por meio de quem vão para o Pai toda a glória e toda a honra juntamente com Ele e com o Espírito Santo vivificador, agora, por todo o tempo e pela eternidade das eternidades.

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Notas:
[1] Epep era o mês copta que ia de 25 de junho a 24 de julho. Assim sendo, a data citada corresponde ao dia 20 de julho.
[2] Salomé foi a parteira que acompanhou a sagrada família ao Egito. Para maiores detalhes, leia o Proto-Evangelho de Tiago.

* * *
Fonte: Mucheroni HP (http://www.mucheroni.hpg.ig.com.br/)

Proto-Evangelho de Tiago

(Atribuído a São Tiago Menor)

Capítulo I

1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: "A sobra ofereço para todo o povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as boas graças".

2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos, Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: "Como não geraste um rebento em Israel, não te é lícito oferecer donativos".

3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes. Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes. Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um filho: Isaac.

4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: "Daqui não sairei, nem para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por comida e bebida".

Capítulo II

1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: "Ficarei chorando a minha viuvez e a minha esterilidade".

2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: "Até quando humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples serva."

3. Disse-lhe Ana: "Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio to deu para me fazerdes cúmplice do pecado?". Respondeu Judite: "Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes descendente em Israel?"

4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um loureiro e orou ao Senhor: "Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com o ventre de Sara, que concebeu a Isaac".

Capítulo III

1. E olhando para o céu, observou um ninho de passarinhos existente no loureiro. Voltou então a lamentar-se, dizendo: "Ai de mim! Por que nasci? Em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser terra maldita entre os filhos de Israel, pois me injuriam e me expulsam do Templo do Senhor.

2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante dos teus olhos, ó Senhor.

3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu tempo, bendizendo-te, ó Senhor."

Capítulo IV

1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: "Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo". Ana respondeu: "Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida".

2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: "Joaquim, teu marido, voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: 'Joaquim, Joaquim! O Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre'".

3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse então: "Estas são para o Senhor". [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse: "Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio". E mandou distribuir cem cabritos para todo o povoado.

4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em seu pescoço, dizendo-lhe: "Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era viúva e deixei-se de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre". Nesse primeiro dia, Joaquim repousou em sua casa.

Capítulo V

1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: "Se vir o éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável". Ao oferecer o sacrifício, notou o éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer pecado em sua consciência, disse: "Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados". Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.

2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: "A quem dei a luz?" Respondeu a parteira: "A uma menina". Exclamou Ana: "Eis que minha alma foi exaltada!". E colocou a menina no berço. Quando cumpriu-se o tempo definido pela Lei, Ana purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.

Capítulo VI

1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: "Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que eu te apresente ao Templo do Senhor". Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas meninas hebréias, todas virgens, para brincarem com ela.

2. Completando a menina seu primeiro ano, ofereceu Joaquim um grandioso banquete. Convidou os sacerdotes, os escribas, o Sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentando a menina, os sacerdotes a abençoaram com estas palavras: "Ó Deus de nossos pais: bendiz esta menina e que seu nome seja glorioso e eterno por todas as gerações". O povo todo respondeu: "Amém, amém, amém". Joaquim também apresentou a menina aos príncipes e [sumos] sacerdotes que a abençoaram assim: "Ó Deus altíssimo: volta teus olhos para esta menina e conceda-lhe uma bênção perfeita, não sendo-lhe necessária qualquer outra [bênção] no futuro".

3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor Deus: "Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana está amamentando!" E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao Deus de Israel.

Capítulo VII

1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a Ana: "Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos". Ana respondeu: "Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós". E Joaquim respondeu: "Vamos aguardar".

2. Quando completou três anos, Joaquim disse: "Chame as meninas hebréias, virgens, e que, duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu coração se prenda por algo fora do Templo de Deus". E assim foi feito e subiram ao Templo do Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: "O Senhor engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti Sua redenção aos filhos de Israel".

3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.

Capítulo VIII

1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo seu sustento das mãos de um anjo.

2. Entretanto, quando completou doze anos, os sacerdotes se reuniram e disseram: "Maria atingiu os doze anos no Templo. O que devemos fazer para que ela não macule o Santuário?" Então disseram ao sumo sacerdote: "O altar está a tua disposição. Entra e ora por ela pois o que o Senhor te revelar, isso será o que deveremos fazer".

3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: "Zacarias, Zacarias! Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor mostrar um sinal, este será o seu esposo". Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e se apresentaram ao soar da trombeta.

Capítulo IX

1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos, mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão, uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: "A ti caberá receber sob teu teto a Virgem do Senhor".

2. Mas José respondeu: "Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel". Então argumentou o sacerdote: "Tema ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo não aconteça à tua casa".

3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: "Tomei-te do Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve, mas o Senhor te protegerá".

Capítulo X

1. Os sacerdotes se reuniram e decidiram fazer um véu para o Templo do Senhor. O sacerdote disse: "Chama as moças imaculadas da Tribo de Davi". Os ministros saíram e após procurarem, encontraram sete virgens. Então o sacerdote recordou-se de Maria e os mensageiros a buscaram.

2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: "Vejamos quem bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real". O escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.

Capítulo XI

1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia: "Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres". Então ela olhou ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada, fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a tecê-la.

2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: "Não temas, ó Maria! Alcançaste graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça". Ela, ao ouvi-lo, ficou admirada e disse consigo mesma: "Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as demais mulheres?"

3. Respondeu-lhe o anjo: "Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo 'Jesus' porque Ele salvará seu povo das iniqüidades." Então Maria disse: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim conforme a sua palavra".

Capítulo XII

1. Terminado o trabalho com a púrpura e o escarlate, [Maria] levou-o ao sacerdote, que a abençoou assim: "Maria: o Senhor enalteceu o teu nome! Serás bendita entre todas as gerações da terra".

2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo Maria, louvou-a dizendo: "Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te". Como Maria se esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: "Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?"

3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou preocupada e pôs-se à caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.

Capítulo XIII

1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão, sobre uma manta, chorando amargamente: "Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e, vendo Eva sozinha, a enganou... Teria o mesmo ocorrido comigo?"

2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: "O que fizeste, tu que eras a predileta de Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?"

3. Ela chorou amargamente e disse: "Permaneço pura pois não conheço varão". Respondeu José: "Então de onde vem o que carregas em teu seio?". Respondeu Maria: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que não sei como isto se sucedeu".

Capítulo XIV

1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela. Disse para si mesmo: "Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor... Se a denuncio ao povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas..." E logo veio a noite.

2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: "Não se preocupe com esta menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e colocar-lhe-ás o nome de 'Jesus', porque Ele salvará seu povo do pecado". Levantando-se, José glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.

Capítulo XV

1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: "Por que deixaste de comparecer à reunião?" Respondeu José: "Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia". Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.

2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: "José cometeu falta grave e tu respondes por ele". Perguntou o sumo sacerdote: "O que estás dizendo?". Respondeu Anás: "Ele violou a virgem que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não declarando-o ao povo de Israel". Disse o sacerdote: "Estás certo de que realmente José fez isso?" Respondeu Anás: "Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina". Então os enviados saíram e encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.

3. O sacerdote tomou a palavra e disse: "Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste isso?" Ela passou a chorar amargamente e disse: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço pura diante Dele! Não conheci varão algum!"

4. Então o sacerdote disse a José: "Por que fizeste isso?" Respondeu José: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço puro perante ela". Esbravejou o sacerdote: "Não jures em falso! Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não declarando-o ao povo de Israel; e não inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência". E José se calou.

Capítulo XVI

1. O sacerdote disse [a José]: "Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus". Os olhos de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: "Bebereis da água da prova do Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados".

2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva. Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.

3. Disse o sacerdote: "Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos condenarei". A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e louvando a Deus de Israel.

Capítulo XVII

1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: "Posso recensear os meus filhos, mas e esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o seu dia".

2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: "Deve ser porque a gravidez a incomoda". Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: "Maria: o que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente..." Ela respondeu: "Dois povos foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e rejubila".

3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: "Desça-me porque o fruto de meu ventre anseia por vir à luz". Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: "Para onde te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?"

Capítulo XVIII

1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebréia.

2. E eu, José, andava mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso; olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar. Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele mas não bebiam da água. Por certo tempo tudo parou.

Capítulo XIX

1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: "Onde vais?" Respondi: "Procuro por uma parteira hebréia". Ela disse: "Sois de Israel?" Respondi: "Sim". Então ela disse: "Quem está dando à luz na caverna?" Disse-lhe: "Minha esposa". Ela replicou: "Mas não é tua mulher?" Respondi-lhe: "É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo". Disse a parteira: "Isso é verdade?" José respondeu: "Vinde e vede". Então a parteira foi com ele.

2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a parteira: "Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para Israel nasceu!" Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: "Hoje é meu grande dia! Vi com os meus olhos um novo milagre".

3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: "Salomé, Salomé! Preciso contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível para a natureza humana". Respondeu-lhe Salomé: "Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe".

Capítulo XX

1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: "Prepara-te porque existe uma dúvida sobre ti entre nós". E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito: "Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!"

2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: "Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário".

3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: "Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o menino e terás alegria e prazer".

4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: "Adoro-te porque nasceste para ser o Grandioso Rei de Israel". Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se uma voz que dizia: "Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até que o menino vá para Jerusalém".

Capítulo XXI

1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram um magos dizendo: "Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no Oriente e viemos adorá-lo".

2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: "O que está escrito sobre o Messias? Onde deverá nascer?" Eles responderam: "Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras". Dispensou-os e perguntou aos magos: "Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?" Responderam os magos: "Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz]. Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo". Disse Herodes: "Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo".

3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.

4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para suas terras por outro caminho.

Capítulo XXII

1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.

2. Chegando à Maria a notícia da matança das criança, encheu-se de medo e, envolvendo seu filho em panos, colocou-o numa manjedoura.

3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam sem filho João, pegou-o e foi para as montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços orou em alta voz: "Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho".

4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou pois um anjo do Senhor foi guardá-los.

Capítulo XXIII

1. Como Herodes continua perseguindo Josão, mandou seus mensageiros interrogarem Zacarias: "Onde escondeste teu filho?" Mas ele respondeu: "Cuido do serviço de Deus e por isso estou sempre no Templo. Não sei onde se encontra meu filho".

2. Os mensageiros informaram o ocorrido a Herodes e ele, furioso, disse para si mesmo: "Provavelmente será seu filho que reinará em Israel". E enviou outro recado [a Zacarias]: "Diga-nos a verdade. Onde se encontra o teu filho? Do contrário, sabes muito bem que o teu sangue está sob as minhas mãos".

3. Maz Zacarias respondeu: "Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada no vestíbulo do santuário". E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de Israel não perceberam o crime.

Capítulo XXIV

1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.

2. Como demorava muito, passaram a ficar amedrontados. Um deles, tomando a iniciativa, entrou e viu sangue já coagulado ao lado do altar. Então ouviu uma voz que dizia: "Zacarias foi morto e seu sangue não deverá ser limpo até que chegue o vingador". Ao ouvir a voz, encheu-se de medo e saiu para contar aos sacerdotes.

3. Tomando coragem, estes entraram e testemunharam o ocorrido. Então os fundamentos do Templo rangeram e rasgaram as vestes de alto a baixo. Porém, o corpo [de Zacarias] não foi encontrado, mas apenas o sangue já coagulado. Cheios de medo, saíram e contaram a todo povo que Zacarias fora assassinado. E a notícia se espalhou por todas as tribos de Israel, que choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar [de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.

Capítulo XXV

1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.

2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.

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Fonte: Antigo Site "Agnus Dei" (-)