quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O In-comparável

"Deus nunca será propriamente um objecto de inteligência, porque nada há na mente que não haja previamente passado pelos sentidos. Como não pode ser objecto directo de inteligência, o Senhor é, em compensação, objecto de fé. Só na fé Ele pode «ser entendido» cabalmente. (...)

Deus «entende-se» de joelhos: assumindo-O, acolhendo-O, vivendo-O. (...)
O difícil e necessário é deixar-se conquistar por Ele. (...)
O verdadeiro crente entrega-se na escuridão e só então começa a entender o mistério e nasce a certeza.


Deus é completamente diferente das nossas ideias, conceitos e preconceitos, representações e imagens. Diz Santo Agostinho:

«Julgas saber o que é Deus? Julgas saber quem é Deus? Não é nada do que imaginas, nada do que o teu pensamento abarca.
Ó Deus que estás acima de todo o nome, acima de todo o pensamento, para além de qualquer ideal e de qualquer valor, ó Deus vivo.»


O Senhor é muito maior, muito mais admirável e magnífico que tudo o que possamos conceber, sonhar, desejar, imaginar. Realmente Ele é o In-comparável.

Deus só se assume na fé. Mais do que objecto de inteligência, é objecto de contemplação.


Na noite profunda da fé, quando a alma, como terra cega e sedenta se abre docilmente à acção divina e acolhe o Mistério Infinito como chuva mansa que cai e inunda e fecunda..., só assim, entregues, receptivos, começaremos a «entender» o Ininteligível.»

Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Homem

«Com o facto da Encarnação renunciou a todas as vantagens de ser Deus e submeteu-se a todas as desvantagens de ser homem...

...Aceitou-se a si mesmo como homem; e aceitou-se sem evasões nem compensações, sem recorrer à Sua divindade para utilidade própria; fê-lo sim, mas para utilidade dos outros. Foi totalmente fielao homem.
Nunca «atraiçoou» a Sua condição humana. 
Tudo isso está expresso quando a Escritura diz que Jesus «desceu» até à condição de servo, feito igual a qualquer homem (Flp. 2, 5 ss).»

Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

FAZER-SE CRIANÇA



"Se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no reino dos céus.» (Mt. 18: 1-4)
"Permanecer criança é reconhecer o seu próprio nada, esperar tudo de Deus, como um menino espera tudo do seu pai...Ser pequeno significa não atribuir a si mesmo as virtudes que se praticam, acreditando-se capaz de alguma coisa, mas reconhecer que Deus põe esse tesouro da virtude na mão da criança; mas é sempre tesouro de Deus". (Santa Teresa de Lisieux)
"... essa simplicidade de alma, esse terno abandono na majestade divina é a meta da nossa vida, que queremos alcançar, ou voltar a encontrar se alguma vez a conhecemos, pois é dom da infância, que muito amiúde não lhe sobrevive".(G. Bernanos)
"Salvar-se, segundo Jesus, é fazer-se progressivamente criança.
A criança é um ser essencialmente pobre e confiado, confiado porque sabe que à sua debilidade corresponde o poder de alguém; numa palavra, a sua pobreza é riqueza.

Por si, a criança não é forte, nem virtuosa, nem segura. Mas é como o girassol que todas as manhãs se abre para o sol; dele espera tudo, dele recebe tudo: calor, luz, força, vida."

(Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Deixando de rezar, Deus acabará por ser «Ninguém»

Se deixarmos de rezar por muito tempo, Deus acabará por «morrer», não em Si Mesmo, porque é substancialmente Vivo, Eterno e Imortal, mas no coração do homem. 
Deus «morreu» como uma planta ressequida que não foi regada.

Abandonada a fonte da vida, chega-se rapidamente a um ateísmovital. Aqueles que chegam a esta situação, talvez não tenham proposto formalmente o problema intelectual da existência de Deus. Continuam a sustentar, talvez sentindo também, que a «hipótese» Deus é sempre válida, mas ajeitaram-se a viver como se Deus não existisse. Quer dizer, Deus já não é a Realidade próxima, concreta, arrebatadora. Já não é aquela Força Pascal que os tirados recônditos dos seus egoísmos, para os lançar num pérpetuo «exôdo» para um mundo de Liberdade, Humildade, Amor, Comprometimento. Sobretudo, eis o sinal inequívoco da agonia de Deus: o Senhor já não desperta Alegria no coração!

Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Quanto menos se reza, tanto «menos» Deus é Deus em nós

À medida que menos se reza, Deus vai-se esfumando num apagado afastamento. Lentamente vai-se convertendo em simples «ideia» sem sangue e sem vida. Não «dá gosto» estar, tratar, viver com uma «ideia»; também não há estímulo para lutar e superar-se. Assim, Deus vai deixando de ser Alguém e termina por diluir-se numa realidade ausente e longínqua.

Uma vez que nos deixamos cair nessa espiral, Deus lentamente deixa de ser Recompensa, Alegria, Delícia... e cada vez menos se «conta» com Ele. Assim, surge uma crise e já não se recorre a Deus, porque é uma palavra que já «significa» muito pouco para nós. Recorremos a meios psicológicos, ou simplesmente somos arrastados pela crise. (...)

Quando começa a faltar o centro de gravidade de uma vida e ao mesmo tempo se vão abrindo enormes vazios no interior, surgem as compensações humanas como mecanismos de defesa pela lei das mudanças. Com que finalidade? Para cobrir os vazios e escorar o edifício. O edifício chama-se sentido da vida ou também projecto de uma existência. 

Quanto menos se reza, menos Deus tem sentido, e quanto menos sentido tem Deus, menos se recorre a Ele. Já não podemos sair da espiral da morte.

Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

terça-feira, 19 de maio de 2009

Quanto mais se reza, «mais» Deus é Deus em nós

«Deus não muda. É o definitivamente Pleno, portanto, Imutável. Está, pois, inalteravelmente presente em nós, e não admite diferentes graus de presença. O que realmente muda são as nossas relações com Ele, conforme o nosso grau de fé e amor. A oração torna mais firmes essas relações, produz uma penetração mais entranhável do Eu-Tu através da experiência afectiva e do conhecimento fruitivo, e a semelhança e união com Ele chegam a ser cada vez mais profundas.

Acontece como um archote dentro de uma sala escura. Quanto mais o archote alumia, melhor se vê a feição da sala, a sala faz-se «presente» ainda que não tenha mudado.

Podemos provar pela experiência que, quanto mais profunda é a oração, mais sentimos a presença de Deus patente e vivo. E quanto mais resplandece a Glória do Rosto do Senhor sobre nós, mais os acontecimentos ficam envoltos em novo significado e a história fica «povoada» por Deus. Numa palavra, o Senhor faz-se «vivamente presente» em tudo.

Quando alguém já «esteve» com Deus, Ele cada vez mais vai sendo «Alguém» por quem e com quem se superam dificuldades e de vencem as repugnâncias (estas convertem-se em doçuras).
Assumem-se com alegria os sacrifícios, nasce em toda a parte o amor. 
Quanto mais se «vive» com Deus, mais vontade há de estar com Ele, e quanto mais se «está» com Deus, Deus é cada vez mais «Alguém». Abriu-se o círculo da vida.

Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

DESPOJAR-SE (2ª Parte)

«O único «deus» que pode disputar com Deus o Seu reinado sobre o coração do homem é o próprio homem (entendo-se por homem o«homem velho» enroscado sobre si mesmo, com as suas loucas ânsias de se apropriar de tudo e de exigir toda a honra e toda a adoração).

No fundo, ocorre um mistério trágico: o nosso «eu» tende a converter-se em «deus». Isto é: o nosso «eu» reclama e exige culto, amor, admiração, dedicação e adoração a todos os níveis, que só a Deus são devidos.(...)
Quando o interior do homem está liberto de interesses, propriedades e desejos, Deus pode estar nele sem dificuldade. Ao contrário, na medida em que o nosso interior está ocupado pelo egoísmo, não há já lugar para Deus. É um território ocupado.

Assim chegamos a compreender que o primeiro mandamento é idêntico à primeira bem-aventurança: quanto mais pobres, desprendidos e desinteressados somos, «mais» Deus é Deus em nós.Quanto mais somos «deus» para nós mesmos, «menos» Deus é Deus em nós. O plano está, pois, muito claro: «importa que Ele cresça e «eu» diminua» (Jo. 3, 30).» (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

DESPOJAR-SE


«Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus!» (Mt. 5,3)

«À medida que o homem se vai fazendo pobre, despojando-se de toda a apropriação interior e exterior, e isto feito em função de Deus, automática e simultaneamente começa o Santo Reino de Deus a desenvolver-se no seu interior.
Se Jesus disse que o primeiro mandamento contém e esgota toda a escritura (Mt 22, 40), nós podemos acrescentar paralelamente que a primeira bem-aventurança contém e esgota todo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A libertação caminha, pois, pelo caminho da pobreza. O Reino é como um eixo extraordinariamente simples que atravessa toda a Bíblia movendo-se sobre dois pontos de apoio: o primeiro mandamento e a primeira bem-aventurança (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

GRATUIDADE

«Deus é o Manancial onde tudo nasce e tudo se consuma. É o poço inesgotável de toda a vida e graça. Tudo dispõe e dispensa segundo o seu beneplácito. No dinamismo geral da Sua economia, uma só direcção existe: a de dar. (...)

As relações com Ele não são da natureza das nossas relações humanas. Nas nossas inter-relações há contratos de compra e venda, trabalho e salário, mérito e prémio. Na relação com Deus nada disso existe. Há apenas oferta, graças, dádiva. Ele é doutra natureza: Ele e nós estamos em órbitas diferentes.(...)

Ninguém pode questionar a Deus, dizendo: Que é isso, Senhor? A este que trabalhou uma hora, estás a pagar-lhe o mesmo salário que a este outro que carregou com o peso do dia? Ele vai responder: O que dei a este e a esse não é salário mas presente, e do que é meu posso fazer o que achar conveniente.

Neste reino, continua Deus, não existe o verbo pagar nem o verboganharAqui nada se paga porque nada se ganha. Tudo se recebe. Tudo é oferta e graça.(...)

Se as almas que empreendem a subida para Deus(...) não começarem por dar-se conta e aceitar com paz a natureza gratuita e desconcertante de Deus, vão afundar-se muitas vezes na mais completa confusão. A observação da vida levou-me à conclusão de que a razão mais frequente do abandono da oração é esta: na vida com Deus, a muitos, por vezes, tudo lhes parece tão sem sentido, tão sem lógica, tão sem proporcionalidade, que acabam por ter a impressão de que tudo é irreal, irracional... e deixam tudo.

Quem quiser alistar-se entre os combatentes de Deus, tem de começar por aceitar esta realidade primária: Deus é assim: gratuidade.» - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

domingo, 20 de julho de 2008

A Revelação de Jesus

"Não se descobriu outra «ciência» nem outra revolução para a transformação do homem a não ser aquela revelação trazida por Jesus:

- renunciar aos sonhos de omnipotência;

- reconhecer a incapacidade da salvação pelos meios humanos;

- tomar consciência da nossa miséria e fragilidade;

- entregar-nos confiada e incondicionalmente nas poderosas mãos de Deus;

- permitir dia após dia, abandonados com absoluta «passividade» nas Suas mãos, ser transformados desde as raízes.

(Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

sábado, 17 de maio de 2008

Alta Fidelidade


"Não é vantagem nenhuma manter-se erguido como um álamo numa tarde serena. O mérito da fidelidade está em permanecer de pé quando todas as tempestades se desencadeiam sem tréguas. E foi precisamente aí, na hora da Grande Prova, que Jesus se abandonou à vontade do Pai com pureza e radicalidade, sem restrições nem atenuantes. Foi o momento da Alta Fidelidade.

No Getsémani, Jesus transformou-se no grande miserável, não no sentido de ter carregado com todas as misérias humanas, mas no sentido de que experimentou a miséria de sentir-se homem até à limitação última da contingência humana, até sentir a cobardia, a náusea e a contradição. Desceu aos mais remotos níveis da condição humana.
Distinguiu com aterradora lucidez duas vontades que se enfrentaram violentamente entre si.

Jesus vinha a ser nesse momento um campo de batalha onde duas forças antagónicas travavam
a sua luta final: «o que eu quero» e «o que Tu queres» ". - (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Fazer-se criança




"Se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no reino dos céus.» (Mt. 18: 1-4)

"Permanecer criança é reconhecer o seu próprio nada, esperar tudo de Deus, como um menino espera tudo do seu pai...
Ser pequeno significa não atribuir a si mesmo as virtudes que se praticam, acreditando-se capaz de alguma coisa, mas reconhecer que Deus põe esse tesouro da virtude na mão da criança; mas é sempre tesouro de Deus"(Santa Teresa de Lisieux)

"... essa simplicidade de alma, esse terno abandono na majestade divina é a meta da nossa vida, que queremos alcançar, ou voltar a encontrar se alguma vez a conhecemos, pois é dom da infância, que muito amiúde não lhe sobrevive". -(G. Bernanos)


"Salvar-se, segundo Jesus, é fazer-se progressivamente criança.

A criança é um ser essencialmente pobre e confiado, confiado porque sabe que à sua debilidade corresponde o poder de alguém; numa palavra, a sua pobreza é riqueza. Por si, a criança não é forte, nem virtuosa, nem segura. Mas é como o girassol que todas as manhãs se abre para o sol; dele espera tudo, dele recebe tudo: calor, luz, força, vida." - (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

Abandono

"Se entrarmos dentro de Jesus, se descermos até aos fundamentos da Sua pessoa e ali explorarmos os impulsos que estão na origem das Suas inclinações e aspirações, das Suas intenções e dos Seus desejos, e sobretudo se nos pusermos à busca da força secreta capaz de nos explicar tanta grandeza moral, a única coisa que encontraremos seráo abandono, cumprir a vontade do Pai.
É este o seu alimento e a sua respiração. A vontade do Pai sustenta e dá sentido à sua vida.Viveu como uma criança pequena e feliz, levado nos braços de Seu Pai: «Aqui estou para fazer a Tua vontade. Eu o quero, meu Deus, e a Tua lei levo-a nas minhas entranhas» (Sal. 39).

Para Jesus, abandonar-se significou sair do seu próprio interesse e entregar-se ao Outro, repousando confiadamente a Sua cabeça e a Sua vida nas mãos do Seu querido Pai.

O acto de abandono é, pois, uma transmissão de domínio, o dar o «eu» a um «tu»...

Abandonar-se é entregar-se com amor a Alguém que me quer e eu quero-o, e porque o quero, entrego-me." - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O Libertador

"Jesus é o homem que não tem a mínima consideração consigo mesmo e é incapaz de se compadecer de si mesmo. É essencialmente um pobre de coração: não tem interesses pessoais nem presta culto à Sua imagem...

Foi insoburnável porque no jogo da vida não jogou nada - porque nada tinha -; apostou tudo, isso sim, no Outro...
Jesus não é «político», e menos ainda diplomático. Nunca agiu com «tino», com «prudência» ou por cálculos humanos. De outro modo, não teria morrido numa cruz mas numa cama. Não Lhe importa nem a Sua honra nem a Sua vida, mas só a Glória do seu Amado Pai. 

Atirou-se inteiro e foi coerente. Os Seus próprios adversários fizeram uma perfeita fotografia psicológica d´Ele: «Mestre, sabemos que és sincero e que não lisonjeias a ninguém; porque não olhas para as aparências dos homens mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade» (Mc. 12, 14).
Ao renunciar à Sua vontade para assumir a vontade do Pai, Jesus libertava-se de si mesmo. Ao ficar liberto de si mesmo, era constituído Libertador." - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

terça-feira, 6 de maio de 2008

O mais livre dos homens

"Deixando-se conduzir confiadamente pelo Pai, Jesus de Nazaré adquiriu uma estatura moral única, convertendo-se em testemunha incorruptível do Pai, cheio de liberdade interior...

Um homem actua com soberania quando é livre. Quando o homem está intimamente cheio de interesses, então a insegurança e os medos esmagam-no e fazem da sua vida um mendigar apreço e estima das pessoas, alienando a sua liberdade...

Confiante, carinhoso, entregue nas mãos do Seu querido Papá, oferece-se a todos. Entrega-se sem se preocupar com a Sua pessoa, preocupado com os outros.
Sente-se livre para servir a todos sem preconceitos moralistas; seja com pagãos ou com prostitutas, sentando-se à mesa com publicanos e pecadores.
Sente-se livre para servir a todos sem preconceitos nacionalistas ou patrióticos, aos romanos como ao centurião, aos samaritanos que eram considerados «herejes», aos pagãos de Tiro, Sidónia e Cesareia de Filipe.
Está decididamente do lado dos pobres mas é livre para estar também com os ricos. Está decididamente pela gente humilde mas é livre para atender a fariseus e sinedritas como Nicodemos e José de Arimateia." - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

terça-feira, 15 de abril de 2008

Um Deus desconcertante


O nosso Deus é desconcertante. Quando menos se espera, como que em assalto nocturno, Deus cai sobre uma pessoa, deita-a por terra com uma presença poderosa e inefavelmente consoladora, confirma-a para sempre na fé e deixa-a a vibrar, quem sabe, talvez para toda a vida. Diante de operações tão espectaculares e gratuitas, muitos ficam a perguntar-se: E porque não a mim? A Deus não se podem fazer perguntas. Tem-se de começar por aceitá-Lo tal como Ele é.

A umas pessoas leva-as o Senhor pelas areias do deserto, numa eterna tarde de aridez. A outras deu-lhes uma sensibilidade notável para as coisas divinas, tal como predisposição inata de personalidade e, no entanto, nunca lhes concedeu uma gratuidade infusa propriamente dita. Homens houve na história que jamais se preocuparam com Deus, fosse para atacá-Lo, fosse para defendê-Lo; no entanto, o próprio Deus saiu ao encontro deles com glória e esplendor. Há quem navegue num mar de consolações, desde o nascer até ao pôr do sol da sua existência. Há almas destinadas a fazer da sua peregrinação através duma perpétua noite, e noite sem estrelas. Pessoas há que caminham entre altos e baixos e vaivéns, à luz de sol brilhante ou sob espessas nuvens. Para outros, a vida com Deus é um dia perpetuamente cinzento. Cada pessoa é uma história, e uma história absolutamente única e singular.» - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Coração de águia


«Considero-me como débil passarinho coberto de leve plumagem. Não sou águia; só tenho dela os olhos e o coração, mas apesar da minha extrema pequenez, atrevo-me a olhar fixamente para o Sol divino, o Sol do amor, e o meu coração sente em si todas as aspirações da águia. O passarinho quisera voar até esse brilhante sol que fascina seus olhos.
Que será dele? Morrerá de dor vendo-se impotente? Oh não! O passarinho nem sequer chega a afligir-se. Com um abandono audaz quer continuar a olhar fixamente para o seu divino sol. Nada o assusta, nem o vento nem a chuva. Se nuvens escuras vêm ocultar o Astro do Amor, o passarinho não muda de lugar; sabe que além das nuvens o seu Sol continua a brilhar, que o seu esplendor não poderá eclipsar-se nem um só momento» (1)

Somos apenas um pardal, mas temos coração de águia. Este é o mistério terrível e contraditório do homem: sentir-se, ao mesmo tempo, pardal e águia; ter um coração de águia e asas de pardal.

Que fazer? Sei que não posso voar tão alto. Nem tentarei. Nem sequer baterei as asas; entregar-me-ei às asas do vento; o vento é Deus. O resto fá-lo Ele. Sei que sou um pardal, mas sei também que, com uma grande paz, me entrego a Deus. Ele pode emprestar-me poderosas asas de águia. Haverá alguma coisa impossível para Ele? Sei que sou um montão de ruínas e desolação; mas sei também que, se me entrego a Deus, Ele pode transformar-me numa mansão deslumbrante. Ele é Poder e Graça.» - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

(1) Santa Teresa do Menino Jesus

sábado, 12 de abril de 2008

Fé Infantil vs Fé Adulta

"(...) fé infantil será aquela que, para se entregar, precisa de apoios, seguranças, tranquilizantes. Fé adulta será aquela que sem apoios, sai de si mesma, corre todos os riscos, confia, permite e se entrega. Entrega-se no vazio de seguranças, evidências e tranquilizantes. Fá-lo de pé, sozinho.(...)

O «adulto» na fé supera as distâncias e limitações inerentes à fé, saindo de si mesmo: desprende-se de todos os arrimos intelectuais que o raciocínio lhe proporciona e dá o grande salto no vazio, em plena noite escura, abandonando-se ao absolutamente Outro. É um salto no vazio porque o crente abandona as «razões» e deixa-se cair nesse abismo profundo que é o mistério.


Este é o grande momento da fé. É este o acto radical onde vai buscar todo o seu mérito e valor transformante. Só tem valor a crença na luz quando se vive na noite. Eu creio que por trás deste silêncio respiras Tu. Eu creio que por trás desta escuridão brilha o Teu Rosto. Ainda que tudo me saia mal, ainda que chovam os infortúnios, eu creio que me amas. Ainda que tudo pareça fatalidade, mesmo que nos pareça absurdo o mundo, mesmo diante do espectáculo de homens a odiar e de crianças a sofrer, mesmo ao ver que reina a tristeza e que mataram a pomba da paz, nem que me atormente a vontade de morrer..., eu creio, eu entrego-me a Ti. Sem Ti, que sentido teria a vida? Tu és a vida eterna.» - Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto"

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